Quando decentes se curvam passivamente à indecência, vivemos um paradoxo
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| imagem IA-AFPP |
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Há um cansaço profundo pairando sobre o Brasil, um desânimo que não é apenas emocional, mas civilizatório. É como se a nação inteira estivesse exaurida demais para reagir, conformada demais para se indignar, anestesiada demais para perceber o abismo moral que se abre sob seus pés.
O brasileiro comum, esmagado pela rotina de crises sucessivas e testemunha cotidiana da ostentação produzida por e para seres abjetos, parece ter encontrado na covardia conveniente uma forma de sobrevivência.
Não se enfrenta mais nada: nem a injustiça, nem os abusos, nem o crime, nem a corrupção. Tudo se tolera. Tudo se normaliza. Tudo se explica com um encolher de ombros, uma frase cínica, uma ironia vazia ou uma justificativa hipócrita.
A injustiça virou paisagem. O crime virou estatística. A corrupção virou método. A degradação moral virou hábito.
Cresce entre nós uma insensibilidade silenciosa, quase confortável, que transforma tragédias em entretenimento e indignação em meme. Nos acostumamos ao absurdo com a mesma facilidade com que deslizamos o dedo na tela do celular ou trocamos de canal.
A miséria humana - intelectual, ética e espiritual, difunde‑se como névoa espessa, sufocando qualquer resquício de responsabilidade coletiva.
A ignorância progride na mesma proporção em que o senso de dever desaparece. Os valores morais se dissolvem no esgoto de uma cultura rasa, incapaz de distinguir o certo do errado - apenas o conveniente do inconveniente. Um coletivo de gente medíocre, ensimesmada ou mesmerizada pela mediocridade alheia.
Nos tornamos uma nação que parece ter desistido de si mesma. Um país que observa a própria decadência com a passividade de quem assiste a um filme ruim, sem ânimo para desligar a tela ou sair da sala.
O grande desânimo brasileiro não é apenas tristeza. É desistência. É rendição. É a perigosa sensação de que nada mais vale a pena e, portanto, nada mais precisa ser defendido.
É nesse instante que a barbárie se instala. Afinal, quando a sociedade perde a capacidade de se indignar, perde também a capacidade de se proteger.
Neste século, tentamos mudar esse estado de coisas. Porém, a chusma de medíocres tratou de reaver o leme, apontando o barco para o rumo da tragédia. E ninguém de fora ousaria ajudar quem se deixa governar por imbecis.
Karl Popper ensinou que a tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da própria tolerância, pois permite que os intolerantes se aproveitem dela para destruir a sociedade aberta e suas instituições. Este é o caso do Brasil: vencidos pela permissividade, tornamo‑nos vítimas de um estado de coisas perverso e doentio.
Conclusão: chegamos ao paradoxo da decência. Nada mais resta senão extirpar o câncer ou ceder a ele, “ouvindo um tango argentino”.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista, consultor estratégico e ambiental, com serviços prestados e estudos publicados junto a organismos multilaterais como a ONU (Unicri e Pnud), Banco Mundial, IFC, Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, governo brasileiro e grandes corporações. Sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados e diretor da AICA - Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental, é membro do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Presidente da UNIÁGUA - Instituto Universidade da Água e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa - API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.


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