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sábado, 12 de novembro de 2022

COP 27 É PARA POUCOS


Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro


Sharm el-Sheikh é uma cidade turística localizada no Egito, entre o deserto da península do Sinai e o mar Vermelho. Com 80 mil habitantes, é  sede de resorts sofisticados, praias abrigadas, águas cristalinas e recifes de corais e naufrágios bem conservados - que atraem mergulhadores de todo o mundo ( minha filha que o diga...).

Esse ponto turístico foi escolhido pela ONU para sediar a 27a. Conferência dos Países-Parte da Convenção-Quadro de Mudança do Clima.

Como Secretário Executivo de Mudanças Climáticas da 4a. maior cidade do planeta, me organizei para ir ao evento. Porém, após verificar os valores a serem despendidos para o deslocamento, face à efetiva contribuição que a viagem teria para a gestão realizada na cidade, resolvi desistir.

Explico: 
1- A viagem de avião dura 24h, com escala e destino ao Cairo, de lá seguindo em outro voo para o resort;
2- Acossado por outros compromissos, teria disponíveis três ou quatro dias úteis no evento - assim, as despesas com hospedagem - fora os voos e alimentação, iriam variar de 5 a 10 mil dólares; 
3- Acompanho o desenrolar das COPs desde 1999 e sei que as atividades (muitas vezes pré-decididas nas "mops", redundantes e monótonas), da chefia da delegação oficial,  difere completamente do "oba-oba" que ocorre nos eventos paralelos. Assim, os eventos teriam por função reproduzir lá, temas que poderiam ser também aqui desenvolvidos - muitas vezes com os mesmos participantes...

Em suma, o custo-benefício, na minha concepção de dirigente da pasta, não valia o deslocamento - sobretudo pelo fato de já haver uma delegação montada pela prefeitura, sob orientação do Prefeito Ricardo Nunes, chefiada pela excelente Marta Suplicy - Secretária de Relações Internacionais e ex-prefeita, que levou consigo todo o nosso material de exposição e mídia necessário para apresentar a cidade nos encontros e eventos. Já estávamos, assim, bem representados.

O tema central do encontro da ONU, todavia, é decidido na troca de documentos, cartas e impressões na esfera do setor oficial das governanças nacionais, desde antes do evento. Os temas principais se relacionam aos mecanismos financeiros de apoio aos blocos mais fragilizados pelo fenômeno planetário, aos instrumentos de condução dos esforços nacionais de redução e metas de emissões de gases de efeito-estufa, da afirmação de estruturas de compensação de mitigações e definição das medidas de resiliência e adaptação... e TUDO ISSO poderia há muito se desenrolar de forma contínua, por meio de infovias e reuniões híbridas - em suma, o novo normal ao qual todos já nos acostumamos.

Mas não, a ONU preferiu realizar um encontro presencial,  que sempre foi marcado pelo colorido das manifestações de militantes...  porém, agora, num resort para privilegiados,  isolado num ponto litorâneo do Mar Vermelho. Esta é a maior evidência do chamado "Globalismo" - excludente e aristocrático, tantas vezes denunciado e igualmente negado pela entidade.

De fato, todas as reservas  de Sharm el-Sheikh foram canceladas seis meses antes do evento... e reajustadas financeiramente, transtornando corporações e imprensa. 

A ordem não escrita era "impedir mochileiros" - ou seja: só franquear entrada a quem podia pagar os valores compatíveis com o local.

Do Cairo à cidade sede da COP, de carro, pelo deserto, um cidadão comum gastaria 5 horas... e, embora fosse encontrar meio de transporte gratuito na cidade, despenderia uma pequena fortuna para guardar sua mochila. 

Eventos globais de natureza como a da COP, JAMAIS poderiam ser sediados longe dos grandes centros urbanos. A escolha do local é sintoma da progressiva elitização dos processos decisórios adotados pelo organismo - hoje controlado muito mais por um exército de burocratas ideologicamente orientados... que pelos governos dos Estados Nacionais ali unidos. 

Importantes para impulsionar delírios biocentristas, relativizações de soberanias e denuncismos sistemáticos - bem como cobrar avanços em negociações... as "hordas" de militantes foram "dispensadas" pela burocracia da ONU, que agora resolveu transformar os eventos em congraçamento de poucos em locais distantes e paradisíacos.

O custo disso para a sustentabilidade faz qualquer profissional de ESG corar de vergonha. Senão vejamos: 

a) Mais de 800 jatos particulares se concentraram no resort, transportando dignatários, fora o aumento do número de voos comerciais. Um volume impressionante de emissões no balanço de carbono de um resort com 80 mil habitantes; 

b) O precário sistema de esgotamento sanitário egípcio organizado para conferir sustentabilidade a grupos de turistas de veraneio e mergulho... "explodiu" com o volume de hóspedes- participantes e de eventos simultâneos... e não há, ainda, um balanço desse impacto na frágil biota marinha local;

c) Os custos proibitivos, como já dito, alteraram completamente o perfil do encontro - impondo o chamado "perfil globalista" - concentrador, elitista e unidirecionado. O objetivo é claro: produzir "consensos" pré definidos e estigmatizar contestações.

Em suma, uma "pegada de carbono" de afundar o pé no esgoto...

Se como advogado, consultor ambiental veterano e dirigente público em exercício, já me escandalizo com todo esse fenômeno teratológico... como jornalista,  fico indignado com a mídia "amestrada", "baba-ovo" e acrítica, que hoje cobre o evento, sem atentar para o absurdo paradoxo acima apontado 

De fato, a fragilidade de nosso globo terrestre é o último ponto da pauta da elite deslumbrada com o próprio protagonismo... que parece ter se apossado do instrumento internacional de implementação do NOSSO tratado.

Observação final: Lula vai ao evento, para dar as caras no Resort e dizer que "o Brasil voltou"... No entanto, sua equipe de transição sequer prevê grupo de trabalho para tratar do clima ou meio ambiente.

Diria Freud, "sintomático".🤔




Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado formado em Direito pela USP, consultor e gestor ambiental, jornalista e vice-presidente da Associação Paulista de Imprensa, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal, atualmente Secretário Executivo de Mudanças Climáticas do Município de São Paulo.

7 comentários:

  1. Tipo COCA COLA:- “ISSO É QUE É “

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  2. Parabéns pelo irretocável texto

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  3. Excelente reflexão!!! As pessoa e principalmente as instituições devem olhar para o seu próprio “Carbon for print” antes de cuspir ao vento discursos!!! As ações gritam mais alto do que as palavras!!!

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  4. Gratissíssimo por seu texto. Me representa integralmente e acredito que é esse raciocínio que deverá imperar no planeta. Se vai a COP, vá sem pegada de carbono e porque deveria ser caro, excludente?

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  5. Parabéns pelo excelente texto, meu amigo!
    O Brasil precisa de você.

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