Elegemos um lamentável Cavalo de Tróia?
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Ninguém deve se espantar com o nível de insultos proferidos pelo presidente e seus seguidores contra as instituições, a inteligência e o povo brasileiro.
Os insultos não ocorrem apenas de "dentro para fora" do governo do presidente. Também atingem a governança, espalhando insegurança e frustração até mesmo em quem assumiu o compromisso de servir o país no comando de um ministério, uma autarquia, uma delegacia ou até uma unidade das forças armadas.
Não há um discurso, uma alteração de ministério, uma busca de solucionar um conflito de governança com outros poderes de Estado - que não seja precedido ou acompanhado de uma postura desastrosa ou um comportamento que sugira uma ruptura da normalidade institucional.
Ninguém está a salvo das idiossincrasias de ocasião do primeiro mandatário da Nação. Parece que o destino de toda essa idiossincrasia não é o povo brasileiro - pelo contrário. As performances "obedecem" aos reclamos do grupo de fanáticos que incensa o presidente e bajula seus filhos, prestigiando a comunicação inacreditavelmente ruim, emocional e reativa, produzida no cercadinho do Palácio do Alvorada. Por isso nos assalta o pensamento conclusivo: Bolsonaro governa para idiotas, não para o Brasil.
A conclusão é trágica para quem, como eu, apoiou a reação popular contra o lixo lulopetista, defendeu o governo Temer - numa transição importante e bombardeada sistematicamente pelo establishment e acreditava na "redenção" do Brasil, com sua vocação histórica para se tornar uma potência democrática e cristã, restaurada nos parâmetros da moralidade e livre do populismo - tal como prometido por Bolsonaro em sua fantástica, redentora vencedora campanha.
No entanto, a reatividade desarrazoada a qualquer crítica. A adoção da postura de "infalibilidade do líder" - sintomática em vários sentidos, e usada como pretexto para segregar e perseguir até mesmo seguidores que ousam discordar, colecionou e ainda coleciona uma perigosa e preocupante sucessão de defecções, um cultivo de ódio a cada ex-aliado e rejeição a aproximações estratégicas com segmentos críticos... que revelam sensível redução da base de apoio entre quadros importantes da República, fragilidade crescente ante um deep state globalista e esquerdista - firmemente apoiado na "virada de mesa" da esquerda do Partido Democrata nos EUA e... perda evidente de capacidade estratégica, esta advinda da perda de intelectuais importantes - antigos aliados.
Essa performance bolsonarista é trágica, mas não é inédita. Não é um fenômeno restrito ao solo tupiniquim, embora aqui pareça ser renitente. A história está cheia de exemplos de assunção da insensatez na esfera das relações de poder.
Na história contemporânea passamos seguidas vezes por crises, guerras e conflitos protagonizados por tolos bem intencionados, figuras cegas pela vaidade e psicopatas incensados por hordas de bajuladores, iludidos ou idealistas tornados autocratas com sonhos de grandeza.
Segundo o jornalista Paulo Cunha, não precisamos nos afobar: "basta sentar e esperar o triunfo dos imbecis. Eles nunca falham". 1
Nelson Rodrigues, por sua vez, dizia que “os idiotas vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”...
Assim, não espanta que tenhamos atingido o que se pode chamar de "hegemonia dos imbecis" em nosso próprio território.
Aliás, já havíamos alcançado essa "hegemonia" com o lulopetismo. E achávamos que o "pico dos celerados" teria ocorrido com Dilma Rousseff e toda a geração de postes plantados por Lula, inclusive no deep state, durante seu desastroso e desprezível populismo de esquerda.
O processo de reação não tardou a ocorrer quando, em 2013, a cidadania brasileira irrompeu praças e ruas em todo o Brasil e os parasitas, acuados pelas circunstâncias, por um tempo recuaram.
Entre 2013 e 2018, o período foi muito turbulento, porém esperançoso. Ocorreu o impeachment, o reforço das instituições da República num forte avanço ao combate á corrupção e o desmonte da imbecilidade reinante na política nacional.
Em 2018, achávamos que as coisas finalmente mudariam. O projeto de reformas profundas, no campo institucional e moral, iniciado por Temer, foi entregue a Jair Bolsonaro - iluminado por inédita legitimidade popular e base parlamentar suficiente para proceder às mudanças.
No entanto, desde o primeiro embate tosco com um Supremo Tribunal acuado pelas circunstâncias... que buscou fazer do filho Senador - Flavio, um refém conveniente no caso das "rachadinhas", o Presidente Bolsonaro revelou inacreditável hesitação, e todo o projeto de grandes mudanças foi doravante fazendo água... e a bússola parece ter desencontrado o norte na ponte de comando.
Agora, passados vários momentos importantes seguidos de upsidedown turnarounds desagregadores, torna-se necessário questionar: elegemos um lamentável "Cavalo de Tróia"?
Resultado: continuamos reféns da pior judicatura da história do Brasil, dos corruptos do centrão no Congresso Nacional, da perseguição sem precedentes à Operação Lava-Jato, dos ataques e ameaças à livre expressão nas redes sociais e à imprensa livre, da relativização da Democracia e da desarmonia entre os poderes da República. Permanecemos vítimas das benesses reiteradas do alto funcionalismo brasileiro, das emendas parlamentares em profusão, da falta de reformas, do crime organizado, dos lobistas... etc... etc... etc...
É verdade que, no âmbito do executivo nacional, não há escândalos de desvio de dinheiro público como aqueles vistos nos períodos pós "Nova República e aprimorados no lixo lulopetista, como o "Petrolão". No entanto, testemunhamos um impressionante desmonte, total e absoluto, das estruturas que permitiram ao Estado descobrir, investigar e julgar as falcatruas perpetradas na Petrobrás e demais instituições da República.
É de uma obviedade ululante que canalhas não se importam com esquerdismo ou direitismo - sempre irão reagir seguros de que contam com o apoio silencioso ou omissão presidencial, se tiverem em mãos as cartas certas...
Assim, com todo o discurso de Bolsonaro, em contrário, parece não faltar muito aos canalhas legalizarem a corrupção e processarem quem antes os processara.
Não é apenas uma impressão - é uma constatação de fatos. É quase certo que a repetição das tragédias tornou-se questão de tempo. Com a diferença que a corja, agora, consegue apoio na reatividade burra de quadros da chamada direita.
Para o povo, a Nação brasileira, será a "volta do cipó de aroeira" no lombo de quem injustamente já havia dele se livrado.
Já sabíamos, é verdade, que o candidato de 2018 não possuía todas as qualidade necessárias para encetar a grande reforma que o Brasil necessitava - no entanto reunia humildade suficiente para reunir à sua volta quem o fizesse. Muitos próceres do movimento de reação ao establishment, na época, entendiam, pretensiosamente, que seria possível "eleger um idiota", na expectativa que fosse "domado pela uma casta militar", imbuída de um projeto inteligente. Na verdade, idiotas fomos todos nós, pois não havia de fato um projeto inteligente, não havia uma "casta militar" e o eleito de fato era um líder, detentor de impressionante popularidade, porém inassessorável e suscetível a intrigas de bastidores.
Como eu, muita gente séria, boa, inteligente e competente, assumiu responsabilidades, cedeu tempo e energia para construir um novo projeto nacional. E de fato há ainda no governo excelentes quadros que persistem no projeto, apesar dos pesares - e sobre isso já falamos em artigos passados, denunciando a "Síndrome de Janus" que acomete a gestão federal. 2
No entanto, o sentimento de frustração é geral. O gosto amargo da traição ao que seria o "Projeto Nacional" é sentido a cada insulto, perseguição, ataque à reputação de aliados, defecção de gente séria e passada de pano no malfeito dos deslumbrados. O gosto amargo resulta em especial do desfazimento das promessas nas quais confiamos na campanha eleitoral de 2018.
O episódio da pandemia teve o efeito de uma epifania. Revelou em sua inteireza o despreparo, o baixo nível das reações do governante que temos no Brasil e seu descompromisso com as razões de Estado. O mais trágico é ver gente iludida achar fantástico que o "mito" pratique imbecilidades e ganhe, com isso, índices de "popularidade"... enquanto perde apoio de aliados dotados de racionalidade.
Com efeito, pensando em Nelson Rodrigues, se há uma expressiva maioria de idiotas, o que se poderia esperar do expressivo apoio a quem faz do insulto um método de gestão?
Porém, o povo brasileiro já deu inúmeras demonstrações de que é sofrido, idealista, apaixonado mas, não é idiota. As eleições revelam uma sucessão de frustrações mas nunca deixaram de expressar uma contínua busca pela correção e renovação. O problema não está no povo. Está no populismo.
O problema, como já afirmamos ao analisarmos o fenômeno do populismo, é que toda catarse termina em tragédia e a consciência do malfeito surge num rompante, provocando na massa a inusitada iluminação.
Como ocorreu em 2013, em 2015 e em 2018, a reação de novo ocorrerá, e poderá resultar, mais uma vez, em redenção ou tragédia.
É só uma questão de tempo.
Notas:
1- CUNHA, Paulo José - "Não precisa se afobar: os imbecis triunfarão", in "Congresso em Foco", 21maio2020, in https://congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/colunas/nao-precisa-se-afobar-os-imbecis-triunfarao/
2- PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro - "O Artigo 142 da Constituição, a Hidra de Lerna e a Cabeça de Janus", in "The Eagle View", 13junho2020, in https://www.theeagleview.com.br/2020/06/o-artigo-142-da-constituicao-hidra-de.html
Sistema hegemônico!
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