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quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

EM BUSCA DO DIÁLOGO PERDIDO

Diplomacia brasileira busca diálogo com ambientalistas em Washington - Para Pinheiro Pedro,  o Brasil  reconhece fragilidade  perante a nova política americana. 


Embaixador do Brasil nos EUA  Nestor Foster - em busca de um diálogo



Da Rádio Sputnik 



O embaixador brasileiro nos Estados Unidos teve uma reunião amistosa com diretores de ONGs ambientalistas para "colher sugestões e discutir oportunidades para a relação entre Brasil e Estados Unidos na área de meio ambiente"

Conforme o telegrama  interno do Itamarati, noticiado pelo colunista Leonardo Sakamoto no Site da UOL, de 26 de janeiro*. Nestor Forster deu um tom diferente ao que o governo estava acostumado. "Ao encerrar o encontro, ressaltei a importância do diálogo permanente com as organizações ambientais, muitas das quais mantêm representações importantes projetos de preservação ambiental no Brasil, em prol do intercâmbio de informações e aprofundamento da cooperação bilateral na área de desenvolvimento sustentável, proteção ambiental e mudança climática", escreveu. 

De acordo com relatos das organizações, o embaixador foi amigável, procurando manifestar uma posição de abertura para o diálogo com a sociedade civil em temas como Amazônia e clima, buscando oportunidades para aproximação entre o Brasil e os EUA nesses temas. Não reconheceu os problemas e fez propaganda das ações do atual governo, como era de se esperar...

Com base nesta notícia, a Rádio Sputnik  (Voz da Rússia) e o site Sputnik Brasil - mídias da agência russa internacional de notícias Rossyia Segodnya (Rússia Hoje) - RT, sediada em Moscou e direcionadas ao Brasil, resolveram entrevistar o advogado e consultor  Antonio Fernando Pinheiro Pedro, especialista em Direito Ambiental, para  comentar o fato, que deverá ter desdobramentos para a  política ambiental do Brasil.

A entrevista foi concedida ao jornalista Arnaldo Risemberg, da Rádio Sputnik. 

Ouça a gravação clicando aqui: 




Leia a seguir, o inteiro teor da entrevista: 


Arnaldo Risemberg: Amigos da Rádio Sputnik, o jornalista Leonardo Sakamoto, do site UOL, noticia que o embaixador brasileiro em Washington, Nestor Foster, teve uma reunião, classificada de amistosa, com diretores de Organizações Não Governamentais voltadas para a área ambiental. Segundo os participantes do encontro, o objetivo do encontro do diplomata com os diretores das ONGs era colher subsídios com vistas à preservação ambiental. 

É sobre este assunto e suas implicações nas áreas política e jurídica que conversamos agora com o advogado Antonio Fernando Pinheiro Pedro, especialista em Direito Ambiental e profundo conhecedor dos bastidores do governo do presidente Jair Bolsonaro.

Boa tarde, prezado amigo Dr. Antonio Fernando Pinheiro Pedro. Prazer enorme em voltar a recebê-lo na Rádio Sputnik.

Pinheiro Pedro: O prazer é meu, Arnaldo e amigos da Rádio Sputnik


Arnaldo Risemberg: Dr. Antonio Fernando Pinheiro Pedro, bastou Donald Trump deixar o governo dos Estados Unidos e ser substituído por Joe Biden para que o governo brasileiro sugerisse estar refletindo sobre suas posições em relação à política ambiental?

Pinheiro Pedro: O Itamarati - ministério das relações exteriores, no governo Bolsonaro, pareceu estar anestesiado com a ilusão trompista de um mundo restaurado nos moldes da Doutrina Monroe, autocentrado e protegido pelos valores norte-americanos incensados na guerra  fria.  Essa ilusão, ao que tudo indica, transferiu-se para o anedotário internacional e para as páginas policiais. Tanto os Estados Unidos como o Brasil, acordaram para o mundo policentrado, multilateral, economicamente globalizado  e diverso,  no que tange à própria concepção de Estado e Nação. 

Nesse quadro, a política externa brasileira, perdeu  dois anos de evolução, presa a um alinhamento automático típico de uma república de banana... e como tal o governo brasileiro foi tratado – encaminhando-se para a figura de pária internacional. 

Ocorre que o Brasil não é isso,  é um país continental possuidor de um invejável patrimônio natural e estratégico – rico em recursos hídricos, florestas, biodiversidade, e dono de um enorme patrimônio agrícola,  energético e minerário.  Também é uma potência financeira com enorme facilidade de superar crises econômicas – só não concluindo o salto para o status de potência regional por possuir o mais despreparado, irresponsável e dilapidador establishment do continente americano. 

Nesse sentido, a eleição de Biden permitiu que ressurgisse do caos governamental brasileiro, a velha escola pragmática de relações exteriores, à qual o embaixador em Washington sempre foi vinculado.

Esse ressurgimento se materializa na agenda de atração do chamado aparato ambientalista-indigenista – que sempre representou no exterior a porta de entrada para o questionamento da soberania nacional,  sobre os recursos amazônicos e marítimos  do Brasil.  Esse aparato tem como ponta de lança as Organizações Não Governamentais e como suporte os organismos multilaterais.  Esses atores precisam ser atraídos para a interlocução, o quanto antes, pois na mudança de comportamento da política norte-americana, a posição do governo brasileiro, por óbvio, tornou-se frágil. 


Arnaldo Risemberg: Com Donald Trump fora da presidência dos Estados Unidos e Joe Biden ameaçando retaliar a política ambiental brasileira, o Ministério das Relações Exteriores pode estar adotando uma nova postura em relação ao tema? 

Pinheiro Pedro: Assim, acredito que o governo Bolsonaro ensaia uma mudança de postura quanto à interlocução em face das demandas ambientais nos Estados Unidos. Precisa fazê-lo, pois no mundo as chamadas assimetrias, cos conflitos de caráter híbrido, o componente ambiental e indigenista tem potencial significativamente explosivo. 


Arnaldo Risemberg: O governo brasileiro ensaia uma mudança de postura na área ambiental? 

Pinheiro Pedro: Sem dúvida que sim! Não se tratou de uma “ação”. Toda essa alteração de posições e resgate aparente do pragmatismo... foi reativo. 


Arnaldo Risemberg: Este encontro do embaixador Nestor Foster com diretores de ONGs é um reflexo das críticas que Joe Biden e sua vice, Kamala Harris, fizeram ao presidente Jair Bolsonaro durante a campanha presidencial de 2020 nos Estados Unidos? 

Pinheiro Pedro: De fato, todo o gabinete do novo presidente americano é francamente hostil ao posicionamento negacionista e desconstrutivista da política de clima e de preservação ambiental – até aqui adotada pelo Brasil bolsonarista.  Dessa forma, por não ter o atual ministro do meio ambiente qualquer interlocução com o setor, muito menos podendo fazê-lo diretamente o nosso escalafobético presidente – cumpre ao Itamarati formar uma camada de amortecimento – evitando, por hora, um choque que parece ser inevitável.  


Arnaldo Risemberg: A pressão externa contra a política ambiental brasileira, com a chegada ao poder de Biden, ameaça a imagem do governo e dos produtos brasileiros? 

Pinheiro Pedro: Não tenho dúvida, conhecendo o estilo de Joe Biden, que a cobrança de posições, do governo norte-americano junto ao governo brasileiro,  quanto à questão ambiental será dura, expressa e objetiva.  Implicará em apresentar no horizonte sanções comerciais e represálias que poderão afetar nossos mercados. 

Nesse caso, estaríamos fragilizados – e essa fragilização poderia  sim, atingir nosso patrimônio agrícola, tão bem dirigido pela atual Ministra Tereza Cristina. 


Arnaldo Risemberg: As pressões contra o governo brasileiro podem levar à mudanças no primeiro escalão com as tão cogitadas substituições dos ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo?

Pinheiro Pedro: O Presidente Jair Bolsonaro é hoje uma icógnita dentro do seu próprio governo. Parece estar isolado em relação à parte da máquina estatal que ainda trata de exercer a governança. No entanto, é o titular da caneta bic – com a qual nomeia e demite.  Se ele ouvir o seu corpo de ministros palacianos – com certeza promoverá mudanças. Se ele, no entanto, continuar a ouvir os filhos... poderá nos levar a uma posição de confronto... e conflito. 

Sem nos ater a nomes – entendo que a saído do governo brasileiro será adotar uma doutrina que há anos tenho apregoado por artigos e conferências: a doutrina da soberania afirmativa. **

É preciso que o brasil AFIRME  sua soberania por atos e realizações – o que implica em implementar, por exemplo, o macro zoneamento ecológico- econômico  - já decidido e baixado por ato legal há dez anos – e ainda não executado. Estabelecer uma política concreta, visível, para além do bla bla blá – de construção de uma bioeconomia e arranjos produtivos sustentáveis na Amazônia – mas também de iniciar um processo de desenvolvimento regional planejado – envolvendo inclusive o uso do potencial energético da região e o potencial agrícola.  

O segredo está, e sempre foi, o planejamento e execução responsável.  E isso parece nos faltar. 

 

Arnaldo Risemberg: Dr. Antonio Fernando Pinheiro Pedro, muito obrigado por mais esta entrevista para a Rádio Sputnik Brasil.

Pinheiro Pedro: O prazer é todo meu, Arnaldo e amigos da Rádio Sputnik. 



Veja a reportagem do Site Sputnik


O Site Sputnik Brasil produziu matéria analítica com base na entrevista, que pode ser acessado no seguinte link:

https://br.sputniknews.com/brasil/2021012716853592-para-especialista-chegada-de-joe-biden-e-a-ultima-chamada-para-o-pragmatismo-no-itamaraty/



Notas:

*https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2021/01/26/embaixador-nos-eua-tem-reuniao-com-ongs-chamadas-de-cancer-por-bolsonaro.htm

** https://www.theeagleview.com.br/2013/09/soberania-afirmativa-sobre-nosso.html



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