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terça-feira, 16 de janeiro de 2018

PROJETO PRESIDENCIAL COM LUCIANO HUCK É A "MORTE EM VENEZA" DO TUCANATO

Uma parábola política com final funesto



Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro

Thomas Mann, na clássica obra "Morte em Veneza", restringe o enredo nas  divagações de um homem em crise com seu envelhecimento,  que hospeda-se em um hotel veneziano e sofre um impulso de atração pela beleza estética e a juventude de um adolescente polaco, que lá se encontrava com sua família. O personagem "apaixona-se" platonicamente, deprime-se e morre, sem trocar uma única palavra com o objeto de sua atração.

O que pode aparentar ao leitor descuidado tratar o romance do relato de uma atração homosexual, é na verdade a exploração literária de uma viagem profunda ao próprio interior, entre a "perfeição" e a realidade, a imagem que se constrói de si mesmo e a terrível comparação ideal com o outro. A decadência física própria, sentida, e a lufada do explendor da juventude observada no outro - uma eterna busca pela projeção e a perenidade. 

Tal qual o personagem decadente e decaído do romance de Thomas Mann, o tucanato esnobe,  representado pelo ex presidente da República Fernando Henrique Cardoso, busca desesperadamente um modelo de perfeição que lhe sirva de espelho narcisístico,  onde possa perenizar seu projeto de poder - já perdido.

Tentaram o fenômeno com o sessentão recauchutado João Dória. Mas o botox, nesse caso, claramente superou o conteúdo. O vôo dos tucanos com Dória pode tornar-se curto (como de fato já está),  e a "Morte em Veneza" corre o risco de se projetar, politicamente, no próprio objeto da admiração, não no personagem principal...

Não. Parece claro que o modelo deverá vir de fora da estrutura partidária.  A busca pela beleza estética na política das aparências tucanas demanda a figura de alguém "bem sucedido", simetricamente simpático e midiaticamente bem situado.  Para certos tipos culturalmente colonizados, a solução sempre virá de fora...

Vende-se essa expectativa como única solução para o projeto de poder do tucanato esnobe, sob a liderança do ex-presidente FHC. 

Seria, para muitos, "o resgate do projeto de FHC, implementado com a reforma do estado nos anos 90".  

O "projeto de FHC", porém, nunca foi dele, nem do tucanato que ele representa. 

Explico. 

Tal qual o personagem que morre no romance de Thomas Mann, FHC e seus seguidores representaram, em algum momento, o melhor modelo para a execução de um projeto econômico internacional que os antecedia e há muito os suplantou. 

Não por outro motivo, hoje, cientes de estarem postos à margem do processo de transformação desse projeto internacional, os tucanos buscam "se apaixonar pelo hóspede de ocasião" no hotel veneziano, qualquer um que se lhes apresente e lhes dê oportunidade para sublimar sua própria crise de meia idade na mitificação de uma figura salvacionista... como eles igualmente mauricinha. 

O projeto econômico internacional, no entanto, dispensa o romance e seus personagens. Possui história própria. 

O sistema foi aplicado pelo mercado financeiro a partir dos anos 70 e 80, no Chile. Posteriormente se introduziu na Ásia e produziu os tigres asiáticos. Replicou na Costa Rica.  Depois, entre os anos 80 e 90, foi aplicado na França, Inglaterra e Itália. Seguiu para o México e veio para o Brasil. Só agora, na segunda década do século XXI, chega ao Paraguai e à Argentina. 

No Brasil, o projeto foi acordado com Collor. Mas o desastre político de sua gestão impediu a continuidade. 

Itamar Franco, é fato, reagiu e impôs medidas nacionalistas. No entanto, liberou sua equipe econômica para aplicar uma reforma monetária vitoriosa, que nos legou o sistema bancário mais forte do mundo (e cartelizado também).

Fernando Henrique Cardoso, ministro da fazenda de Itamar (aliás, o quarto daquele governo), foi o implementador do Plano Real.  Escolhido pelo incondicional comprometimento com o sistema, foi o sucessor de Itamar na presidência da República, surfando na onda do sucesso de seu plano. 

Coube a FHC, então, implementar a reforma do Estado, nos mesmos moldes europeus,  e o fez com muito sucesso.  Na verdade, FHC ganhou justamente o status de estadista pela forma com que estruturou e implementou a reforma do estado, no seu primeiro mandato presidencial. 

A economia disparou e, consolidada a hegemonia tucana no cenário brasileiro, o segundo mandato de FHC foi obtido por folgada maioria no eleitorado. 

O segundo mandato, porém, apresentou problemas de transição. Crises palacianas, brigas de cozinha, escândalos sistematicamente abafados pela maioria obtida no Congresso Nacional e metodicamente arquivados por uma procuradoria da república indigna de qualquer maiúscula, e um judiciário idem, borraram a biografia tucana. 

Os bancos, senhores de tudo, no entanto, se capitalizaram com o PROER. FHC, montou um sistema que, se antecipava à crise da bolha financeira que viria explodir no final do seu segundo mandato e ... repicar na "marolinha-tsunami" de 2008.

O primeiro governo de FHC, portanto, não foi dele, foi do sistema. Já o segundo, foi deixado aos tucanos... e o resultado medíocre,  sabemos qual foi.

Passada a embriaguez lulo-dilmo-petista, testemunhamos as dificuldades enfrentadas por Temer, para corrigir os rumos deste mesmo projeto. 

Com o grande boi de piranha, na crise de transição, Temer sofre com as piranhas que o devoram e segue com a cartilha do sistema. Anotem: Temer é o salvador da República... e deixará saudade.

Na verdade, estão todos sem saída, à esquerda e à direita, por justamente terem falhado na única coisa que lhes restava fora da cartilha ditada pelo sistema financeiro internacional: a- formar, capacitar e incentivar as novas lideranças; b- estruturar, promover e implementar uma política séria de educação para a cidadania; c- incentivar a livre iniciativa, criar uma política industrial nacional e modernizar os serviços e a estrutura das relações sociais e trabalhistas. 

Não foi o que aconteceu, porque a mediocridade dos medíocres prevaleceu. 

Os canalhas partidários, à esquerda e á direita,  cortaram as asas de todos os jovens líderes. Decidiram se apropriar do cenário político nacional, por dinheiro... para ficar com o butin do fundo partidário, para comprar a ilusão de grandeza pela riqueza aparente - algo de gente miserável...que só tem dinheiro. 

No fim, sobrou o fenômeno "Cristiane Brasil": quadros partidários que pensam, substituídos por familiares sem mérito e assessores que não pensam... 

É só observar.

Agora, ainda assustados com os movimentos de protesto de junho de 2013, derrubados pela pressão popular e pelo impeachment de Dilma Rousseff, cientes da debacle partidária vislumbrada nas últimas eleições municipais, os líderes se dividiram. 

À esquerda, acuados, os líderes apodrecidos insistem em mais do mesmo com os mesmos - não têm outra saída. 

Surgido à direita, o fenômeno Bolsonaro assombra o centro e a tucanagem. Nessa seara, líderes tentam "importar", da mídia,  algum novato, que sirva como "poste com luz própria".  Querem aproveitar o efeito-mariposa.

Triste jogo manipulado.  Mas o final era previsível. 

O esmagamento de novas líderanças vinha ocorrendo desde os anos 90. Não envolvia apenas os líderes políticos mediocres. A mídia burra e o Ministério Público também têm culpa nisso. Serviram de ferramenta para caçar quem aparecesse como se bruxas fossem. Jogaram na fogueira da inquisição novos prefeitos, novos vereadores, jovens secretários, administradores promissores, lideranças que despontavam com postura mais crítica, cidadãos plenos de boa vontade, projetos reformistas, programas de infraestrutura, reformas urbanas, processos de enxugamento da máquina pública, etc., etc, etc. 

A ditadura da caneta, que se seguiu à hegemonia da mediocridade na Administração Pública, terminou por favorecer a velharia. Todos os novos ucumbiram, menos as "rolhas de cortiça" - lideranças "que não afundam nunca" (há outro material orgânico com a mesma característica...).

Agora, na curva descendente de sua parábola, a velharia política se dedica a procurar um "pato novo". 

Na busca pela estética da beleza midiática, o personagem do tucanato, pego em sua crise de meia idade na "Morte Política em Veneza",  passou a admirar a juventude promissora de Luciano Huck. 

Uma parábola com Huck, em tese, daria um bom romance. Mas o final, como na obra de Thomas Mann, seria (e será), sem dúvida, funesto. 


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Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa - API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.




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