Uma análise estrutural e funcional da organização
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Polícia não é guarda
Como dito no artigo precedente * , a polícia municipal, uma vez reconhecida como tal e aparelhada para tanto, não é mais uma mera guarda de próprios municipais e apoio a fiscalizações da Administração local. Ela demanda autonomia administrativa para tomar decisões inerentes ao ciclo de polícia - ainda que na esfera ostensiva-administrativa.
Como parte do sistema de segurança pública - a Polícia Municipal passa a agir com investidura, para preservar a ordem pública, a incolumidade das pessoas e o patrimônio, de acordo com as necessidades locais.
Essa autoridade policial é jurisdicionada à Administração Municipal. Porém, de forma alguma compete à figura do Prefeito ou seu secretário fazer as vezes de chefe de polícia. Não há competência constituional para tal. Estes atores, por óbvio, ditam normas e políticas, fiscalizados pela Câmara Municipal, mas não comandam as atividades típicas, que competem a uma autoridade de polícia. Para tal, há necessidade de um agente típico, indicado legalmente - eventualmente um comissário, um chefe ou comandante da Guarda, administrativamente alocado no topo da estrutura de policiamento e responsável pela supervisão e coordenação hierárquica das ações de segurança pública.
Como já dito, essas atividades locais devem seguir em estreita cooperação com as polícias Civil e Militar - titulares do exercício pleno da atividade de segurança pública - em especial no que tange ao dever de investigar, determinar e realizar buscas e diligências na esfera de polícia judiciária e exercer o difícil controle policial-militar de choque, no controle de multidões.
Assim, cumprirá à Lei Municipal estruturar as guardas em organismos funcionais, para o exercício da atividade de polícia ostensiva e administrativa.
A autoridade de polícia judiciária civil - na figura do Delegado, acolherá a atividade policial municipal, como a prisão e impulsionamento da atividade do ciclo investigativo. O delegado poderá, inclusive, recorrer à corporação local, para reforço de suas próprias diligências.
Cumprirá à Polícia Militar, por sua vez, organizar meios de integração e comunicação interterritorial, para evitar conflitos de atribuições.
Vamos detalhar os aspectos constitucionais relevantes para a estruturação da polícia municipal nas cidades brasileiras, com ênfase na necessidade de uma autoridade policial local.
Aspectos Estruturantes da Polícia Municipal
Não adianta apenas alterar a denominação da Guarda Municipal e armá-la para, dessa forma, constituir uma autoridade policial local. Muito menos se pode cometer a leviandade de rechear uma guarda local com aposentados de corpos de polícia militar e equivalentes... como se a função fosse um "bico" ou atividade sujeita ao chamado regime de "atividade delegada".
A atividade policial é extensão da investidura intransferível da Administração Direta do Estado. No caso da Polícia Municipal - só poderá ser exercida por agente contratado regularmente, em regime de dedicação exclusiva - seguindo as regras do corpo funcional regular. Trata-se de investidura, não de mera delegação.
Dessa forma, é fundamental que os agentes de polícia municipal recebam capacitação adequada, para o exercício de controle territorial, do controle social, do exercício regular da autoridade, do exercício de abordagem, perseguição, apreensão, detenção e prisão.
Deve haver firme orientação para o uso da documentação adequada, para relatar ocorrências, autos de multa, apreensão e prisão - a serem encaminhadas às autoridades destinatárias, etc.
Hierarquia e disciplina são institutos que necessitam de submissão a um código disciplinar adequado, com procedimentos claros e objetivos de apuração de conduta, defesa adequada e comunicação blindada - a fim de não expor inocentes e fragilizar a corporação.
Academia de Polícia
Posto isso, é de fundamental importância que as cidades que pretendam estatuir uma Polícia Municipal, tratem de criar, organizar e instituir uma Academia de Polícia - responsável pela formação dos quadros policiais, e, também, encarregada de promover as provas, cursos de aperfeiçoamento e avaliações necessárias para a promoção nos quadros de carreira.
A integração com outras Forças de Segurança deve ser exercida habitualmente. Unidades especiais devem ser desenvolvidas para promover cooperação com as polícias federal, civil e militar, garantindo uma atuação coordenada e eficaz no combate ao crime.
Sempre haverá um prefeito metido a rambo, querendo promover "tropas de elite" entre policiais municipais. Essas unidades de armas e táticas especiais são fruto do amadurecimento e ganho de experiência da própria corporação. Não se fazem do dia para noite, muito menos por decreto.
Corpo de apoio jurídico
A Polícia Municipal deverá possuir um corpo de apoio jurídico especializado, pois haverá fatalmente demandas que requeiram domínio da Constituição Federal, legislação infraconstitucional, como leis complementares e ordinárias, decretos e regulamentos.
A lista é extensa, mas vale aqui mencionar a Lei nº 13.022/2014 (Estatuto Geral das Guardas Municipais), que dispõe sobre as atribuições, competências, direitos e deveres das guardas municipais, estabelecendo diretrizes para sua atuação. O Decreto nº 5.123/2004, que regula o Sistema Nacional de Armas (SINARM), e o porte de armas de fogo por guardas municipais, sem tirar também de vista o Estatuto dos Militares e o Código de Honras e Continência das Forças Armadas - isso porque o caráter ostensivo e preventivo das polícias municipais, via de regra, adota a estética militar de conduta.
O Corpo de apoio jurídico, poderá, também, contribuir junto aos comandos de área, para analisar sua atuação e garantir a transparência das ações - reportando-se à chefia da Corporação. Poderá, também, proporcionar a revisão legal de medidas de segurança pública, como prisões e mandados de busca, e oferecer um canal adequado de comunicação para que os cidadãos possam denunciar abusos e irregularidades.
Corpo de Ação Comunitária e Resolução de Conflitos
Outro ponto importante na formação da Polícia Municipal é sua maior e melhor proximidade e integração comunitária.
Nesse sentido, investida na função de atuar na prevenção e repressão de crimes em âmbito municipal, a corporação deve, também, desenvolver mecanismos de mediação de conflitos e órgãos de investigação preliminar para detecção e prevenção de crimes de menor potencial ofensivo.
As sedes locais de policiamento municipal, de fato, devem estar aparelhadas com mediadores de conflitos locais, assistentes sociais e psicólogos - elementos importantes para o trato de prevenção e atenção a ocorrências civis, incluso aquelas que podem ser resolvidas sem a tipificação penal.
O Artigo 37 da Constituição Federal, ao estabelecer os princípios que regem a administração pública, como legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, abrangem diretrizes específicas para a administração da polícia municipal, garantindo a esta agir com transparência, eficiência e respeito aos direitos humanos, na atuação dos agentes municipais - daí a necessidade da abordagem em retaguarda e no pronto atendimento, de profissionais de disciplinas essenciais à administração dos conflitos.
Um Departamento de Mediação de Conflitos, assim, teria a função de atuar na prevenção de distúrbios e resolução de atritos comunitários e interpessoais, promover programas de prevenção à violência e integração social, realizar campanhas de conscientização sobre a importância da mediação e da solução pacífica de conflitos e, assim, desenvolver um eficiente mapa de inteligência da área de jurisdição.
Corpo de Policiamento Ostensivo
Outro departamento, importante, aliás o mais importante, em face da função do corpo de policiamento local, será o de Polícia Administrativa-Ostensiva, com a função de realizar patrulhamento ostensivo e preventivo nas áreas urbanas e rurais do município, garantir a presença policial em eventos públicos, áreas de grande circulação e atuar na prevenção de crimes e manutenção da ordem pública.
Por óbvio que o corpo estaria subdividido em especialidades, desde o de apoio à fiscalização de posturas municipais até o de repressão a infrações ambientais. Assim, a divisão das atividades irá variar conforme a complexidade da mancha urbana a ser policiada.
O primeiro gestor territorial do Estado é o policial. Assim, o inventário e mapeamento da área de operação, coleta de dados estatísticos e processamento cruzado de informações constituem atividades inerentes à ação de policiamento ostensivo.
Uma breve análise PESTAL da corporação de polícia
Sugiro, por fim, que se organize uma análise Política, Econômica, Social, Tecnológica e Legal, denominada pelo acrônimo PESTAL, visando um enquadramento de fatores políticos e macroambientais, como uma ferramenta funcional na gestão estratégica da nova organização.
O Plano de Ação para Estruturação da Polícia Municipal, segundo esse sistema, poderia se dar da forma seguinte:
1- O Plano:
a- Político:
Objetivo: Garantir o apoio político necessário para a implementação do plano, e base legal segura.
Ações:
Estabelecer parcerias com governos estaduais e federais para obter apoio e recursos.
Promover a importância da segurança pública municipal junto aos legisladores e autoridades locais.
Participar de fóruns e debates sobre segurança pública para influenciar políticas públicas.
b- Econômico:
Objetivo: Assegurar recursos financeiros para a estruturação e manutenção da polícia municipal.
Ações:
Identificar fontes de financiamento, como fundos governamentais, parcerias público-privadas nas ações de infraestrutura e doações.
Elaborar um orçamento detalhado para a implementação e operação da polícia municipal.
Desenvolver estratégias de captação de recursos e gestão financeira eficiente.
c-Social:
Objetivo: Fortalecer a relação entre a polícia municipal e a comunidade.
Ações:
Realizar campanhas de conscientização sobre a importância da polícia municipal e seu papel na segurança pública.
Promover programas de integração comunitária, como reuniões, palestras e eventos.
Estabelecer canais de comunicação diretos entre a polícia municipal e os cidadãos para ouvir suas demandas e sugestões.
d- Tecnológico:
Objetivo: Utilizar tecnologias avançadas para melhorar a eficiência e eficácia da polícia municipal. Montar uma central de controle sofisticada.
Ações:
Investir em sistemas de monitoramento e vigilância, como câmeras de segurança e drones.
Implementar sistemas de gestão de ocorrências e análise de dados criminais.
Capacitar os agentes da polícia municipal no uso de tecnologias e ferramentas digitais.
e- Ambiental:
Objetivo: Garantir que as ações da polícia municipal sejam sustentáveis e respeitem o meio ambiente.
Ações:
Adotar práticas sustentáveis, como o uso de veículos híbridos e a redução do consumo de energia.
Promover a conscientização ambiental entre os agentes da polícia municipal.
Integrar a polícia municipal em ações de proteção ambiental e combate a crimes ambientais.
f- Legal:
Objetivo: Assegurar que a estruturação da polícia municipal esteja em conformidade com a legislação vigente.
Ações:
Revisar e atualizar as leis e regulamentos municipais relacionados à segurança pública.
Garantir que os agentes da polícia municipal recebam treinamento adequado sobre direitos humanos e legislação.
Estabelecer mecanismos de supervisão e controle para garantir a transparência e a legalidade das ações da polícia municipal.
2. Implementação
Fase 1: Planejamento
Realizar reuniões com stakeholders para definir metas e prioridades.
Elaborar um cronograma detalhado para a implementação das ações.
Fase 2: Execução
Iniciar as ações conforme o cronograma estabelecido.
Monitorar o progresso e fazer ajustes conforme necessário.
Fase 3: Avaliação
Avaliar os resultados das ações implementadas.
Coletar feedback da comunidade e dos agentes da polícia municipal.
Revisar e atualizar o plano de ação com base nos resultados e feedbacks.
Conclusão
A estruturação da polícia municipal nas cidades brasileiras deve ser realizada em conformidade com a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional, garantindo a presença de uma autoridade policial local que coordene as atividades de segurança pública, devidamente investida. Isso envolve a capacitação dos agentes, a integração com outras forças de segurança e a observância dos princípios constitucionais e legais.
Espero que este plano de ação seja útil para a estruturação da polícia municipal nas cidades brasileiras.
Voltarei ao assunto em breve.
Nota:
* PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro - "Polícia Municipal - Análise da Decisão do STF", in Blog The Eagle View, in https://www.theeagleview.com.br/2025/02/a-policia-municipal-analise-da-decisao.html
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