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sexta-feira, 7 de março de 2025

POLÍCIA MUNICIPAL - ORGANIZAÇÃO E PREPARO

Uma análise estrutural e funcional da organização





Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro



Polícia não é guarda


Como dito no artigo precedente * , a polícia municipal, uma vez reconhecida como tal e aparelhada para tanto, não é mais uma mera guarda de próprios municipais e  apoio a fiscalizações da Administração local.  Ela demanda autonomia administrativa para tomar decisões inerentes ao ciclo de polícia - ainda que na esfera ostensiva-administrativa. 


Como parte do sistema de segurança pública - a Polícia Municipal passa a agir com investidura, para preservar a ordem pública, a incolumidade das pessoas e o patrimônio, de acordo com as necessidades locais. 


Essa autoridade policial é jurisdicionada à Administração Municipal. Porém, de forma alguma compete à figura do Prefeito ou seu secretário fazer as vezes de chefe de polícia. Não há competência constituional para tal. Estes atores, por óbvio, ditam normas e políticas, fiscalizados pela Câmara Municipal, mas não comandam as atividades típicas, que competem a uma autoridade de polícia. Para tal, há necessidade de um agente típico, indicado legalmente - eventualmente um comissário, um chefe ou comandante da Guarda,  administrativamente alocado no topo da estrutura de policiamento e responsável pela supervisão e coordenação hierárquica das ações de segurança pública.


Como já dito, essas atividades locais devem seguir em estreita cooperação com  as polícias Civil e Militar - titulares do exercício pleno da atividade de segurança pública - em especial  no que tange ao dever de investigar, determinar e realizar buscas e diligências na esfera de polícia judiciária e exercer o difícil controle policial-militar de choque, no controle de multidões.


Assim, cumprirá à Lei Municipal estruturar as guardas em organismos funcionais, para o exercício da atividade de polícia ostensiva e administrativa. 


A autoridade de polícia judiciária civil - na figura do Delegado, acolherá a atividade policial municipal, como a prisão e impulsionamento da atividade do ciclo investigativo. O delegado poderá, inclusive, recorrer à corporação local, para reforço de suas próprias diligências. 


Cumprirá à Polícia Militar, por sua vez, organizar meios de integração e comunicação interterritorial, para evitar conflitos de atribuições. 


Vamos detalhar os aspectos constitucionais relevantes para a estruturação da polícia municipal nas cidades brasileiras, com ênfase na necessidade de uma autoridade policial local.



Aspectos  Estruturantes  da Polícia Municipal


Não adianta apenas alterar a denominação da Guarda Municipal e armá-la para, dessa forma, constituir uma autoridade policial local. Muito menos se pode cometer a leviandade de rechear uma guarda local com aposentados de corpos de polícia militar e equivalentes... como se a função fosse um "bico" ou atividade sujeita ao chamado regime de "atividade delegada". 


A atividade policial é extensão da investidura intransferível da Administração Direta do Estado. No caso da Polícia Municipal - só poderá ser exercida por agente contratado regularmente, em regime de dedicação exclusiva - seguindo as regras do corpo funcional regular.  Trata-se de investidura, não de mera delegação. 


Dessa forma, é fundamental que os agentes de polícia municipal recebam capacitação adequada, para o exercício de controle territorial, do controle social, do exercício regular da autoridade, do exercício de abordagem, perseguição, apreensão, detenção e prisão.  


Deve haver firme orientação para o uso da documentação adequada, para relatar ocorrências, autos de multa, apreensão e prisão -  a serem encaminhadas às autoridades destinatárias, etc. 


Hierarquia e disciplina são institutos que necessitam de submissão a um código disciplinar adequado, com procedimentos claros e objetivos de apuração de conduta,  defesa adequada e comunicação blindada - a fim de não expor inocentes e fragilizar a corporação. 



Academia de Polícia


Posto isso, é de fundamental importância que as cidades que pretendam estatuir uma Polícia Municipal, tratem de criar, organizar e instituir uma Academia de Polícia - responsável pela formação dos quadros policiais, e, também, encarregada de promover as provas, cursos de aperfeiçoamento e avaliações necessárias para a promoção nos quadros de carreira. 


A integração com outras Forças de Segurança deve ser exercida habitualmente. Unidades especiais devem ser desenvolvidas para promover cooperação com as polícias federal, civil e militar,  garantindo uma atuação coordenada e eficaz no combate ao crime.


Sempre haverá um prefeito metido a rambo, querendo promover "tropas de elite" entre policiais municipais.  Essas unidades de armas e táticas especiais são fruto do amadurecimento e ganho de experiência da própria corporação. Não se fazem do dia para noite, muito menos por decreto. 



Corpo de apoio jurídico


A Polícia Municipal deverá possuir um corpo de apoio jurídico especializado, pois haverá fatalmente demandas que requeiram domínio da Constituição Federal, legislação infraconstitucional, como leis complementares e ordinárias, decretos e regulamentos. 


A lista é extensa, mas vale aqui mencionar a Lei nº 13.022/2014 (Estatuto Geral das Guardas Municipais), que dispõe sobre as atribuições, competências, direitos e deveres das guardas municipais, estabelecendo diretrizes para sua atuação. O Decreto nº 5.123/2004, que regula o Sistema Nacional de Armas (SINARM), e o porte de armas de fogo por guardas municipais, sem tirar também de vista o Estatuto dos Militares e o Código de Honras e Continência das Forças Armadas - isso porque o caráter  ostensivo e preventivo das polícias municipais, via de regra, adota a estética militar de conduta. 


O Corpo de apoio jurídico, poderá, também, contribuir junto aos comandos de área, para analisar sua atuação e garantir a transparência das ações - reportando-se à chefia da Corporação. Poderá, também, proporcionar a revisão legal de medidas de segurança pública, como prisões e mandados de busca, e oferecer um canal adequado de comunicação para que os cidadãos possam denunciar abusos e irregularidades.



Corpo de Ação Comunitária e Resolução de Conflitos


Outro ponto importante na formação da Polícia Municipal é sua maior e melhor proximidade e integração comunitária. 


Nesse sentido, investida na função de atuar na prevenção e repressão de crimes em âmbito municipal, a corporação deve, também, desenvolver mecanismos de mediação de conflitos e órgãos de  investigação preliminar para detecção e prevenção  de crimes de menor potencial ofensivo.


As sedes locais de policiamento municipal, de fato, devem estar aparelhadas com mediadores de conflitos locais, assistentes sociais e psicólogos - elementos importantes para o trato de prevenção e atenção a ocorrências civis, incluso aquelas que podem ser resolvidas sem a tipificação penal. 


O Artigo 37 da Constituição Federal, ao estabelecer os princípios que regem a administração pública, como legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, abrangem diretrizes específicas para a administração da polícia municipal, garantindo a esta agir com transparência, eficiência e respeito aos direitos humanos, na atuação dos agentes municipais - daí a necessidade da abordagem em retaguarda e no pronto atendimento, de profissionais de disciplinas essenciais à administração dos conflitos. 


Um Departamento de Mediação de Conflitos, assim, teria a função de atuar na  prevenção de distúrbios e resolução de atritos comunitários e interpessoais, promover programas de prevenção à violência e integração social, realizar campanhas de conscientização sobre a importância da mediação e da solução pacífica de conflitos e, assim, desenvolver um eficiente mapa de inteligência da área de jurisdição. 



Corpo de Policiamento Ostensivo


Outro departamento, importante,  aliás o mais importante, em face da função do corpo de policiamento local, será o  de Polícia Administrativa-Ostensiva, com a função de realizar patrulhamento ostensivo e preventivo nas áreas urbanas e rurais do município, garantir a presença policial em eventos públicos, áreas de grande circulação e  atuar na prevenção de crimes e manutenção da ordem pública.


Por óbvio que o corpo estaria subdividido em especialidades, desde o de apoio à fiscalização de posturas municipais até o de repressão a infrações ambientais. Assim, a divisão das atividades irá variar conforme a complexidade da mancha urbana a ser policiada. 


O primeiro gestor territorial do Estado é o policial. Assim, o inventário e mapeamento da área de operação, coleta de dados estatísticos e processamento cruzado de informações constituem atividades inerentes à ação de policiamento ostensivo.



Uma breve análise PESTAL  da corporação de polícia


Sugiro, por fim, que se organize uma análise Política, Econômica, Social, Tecnológica e Legal,  denominada pelo acrônimo PESTAL, visando um enquadramento de fatores  políticos e macroambientais,  como uma ferramenta  funcional na gestão estratégica da nova organização.

 

O Plano de Ação para Estruturação da Polícia Municipal, segundo esse sistema, poderia se dar da forma seguinte: 


1- O Plano:

 

a- Político:

Objetivo: Garantir o apoio político necessário para a implementação do plano, e base legal segura.

Ações:

Estabelecer parcerias com governos estaduais e federais para obter apoio e recursos.

Promover a importância da segurança pública municipal junto aos legisladores e autoridades locais.

Participar de fóruns e debates sobre segurança pública para influenciar políticas públicas.


b- Econômico:

Objetivo: Assegurar recursos financeiros para a estruturação e manutenção da polícia municipal.

Ações:

Identificar fontes de financiamento, como fundos governamentais, parcerias público-privadas nas ações de infraestrutura e doações.

Elaborar um orçamento detalhado para a implementação e operação da polícia municipal.

Desenvolver estratégias de captação de recursos e gestão financeira eficiente.


c-Social:

Objetivo: Fortalecer a relação entre a polícia municipal e a comunidade.

Ações:

Realizar campanhas de conscientização sobre a importância da polícia municipal e seu papel na segurança pública.

Promover programas de integração comunitária, como reuniões, palestras e eventos.

Estabelecer canais de comunicação diretos entre a polícia municipal e os cidadãos para ouvir suas demandas e sugestões.


d- Tecnológico:

Objetivo: Utilizar tecnologias avançadas para melhorar a eficiência e eficácia da polícia municipal. Montar uma central de controle sofisticada.

Ações:

Investir em sistemas de monitoramento e vigilância, como câmeras de segurança e drones.

Implementar sistemas de gestão de ocorrências e análise de dados criminais.

Capacitar os agentes da polícia municipal no uso de tecnologias e ferramentas digitais.


e- Ambiental:

Objetivo: Garantir que as ações da polícia municipal sejam sustentáveis e respeitem o meio ambiente.

Ações:

Adotar práticas sustentáveis, como o uso de veículos híbridos e a redução do consumo de energia.

Promover a conscientização ambiental entre os agentes da polícia municipal.

Integrar a polícia municipal em ações de proteção ambiental e combate a crimes ambientais.


f- Legal:

Objetivo: Assegurar que a estruturação da polícia municipal esteja em conformidade com a legislação vigente.

Ações:

Revisar e atualizar as leis e regulamentos municipais relacionados à segurança pública.

Garantir que os agentes da polícia municipal recebam treinamento adequado sobre direitos humanos e legislação.

Estabelecer mecanismos de supervisão e controle para garantir a transparência e a legalidade das ações da polícia municipal.


2. Implementação 


Fase 1: Planejamento

Realizar reuniões com stakeholders para definir metas e prioridades.

Elaborar um cronograma detalhado para a implementação das ações.


Fase 2: Execução

Iniciar as ações conforme o cronograma estabelecido.

Monitorar o progresso e fazer ajustes conforme necessário.


Fase 3: Avaliação

Avaliar os resultados das ações implementadas.

Coletar feedback da comunidade e dos agentes da polícia municipal.

Revisar e atualizar o plano de ação com base nos resultados e feedbacks.



Conclusão


A estruturação da polícia municipal nas cidades brasileiras deve ser realizada em conformidade com a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional, garantindo a presença de uma autoridade policial local que coordene as atividades de segurança pública, devidamente investida. Isso envolve a  capacitação dos agentes, a integração com outras forças de segurança e a observância dos princípios constitucionais e legais.


Espero que este plano de ação seja útil para a estruturação da polícia municipal nas cidades brasileiras. 


Voltarei ao assunto em breve.




Nota:

* PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro - "Polícia Municipal - Análise da Decisão do STF", in Blog The Eagle View, in https://www.theeagleview.com.br/2025/02/a-policia-municipal-analise-da-decisao.html



Leia também:


PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro - "Pacificar e Reformular a Segurança Pública - Notas para uma reforma eficaz e mais que nunca necessária", in Blog "The Eagle View", in https://www.theeagleview.com.br/2024/12/pacificar-e-reformular-seguranca-publica.html  

PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro - " Inteligência de Estado, Segurança Pública e , in Blog "The Eagle View", in https://www.theeagleview.com.br/2023/08/o-momento-e-da-seguranca-publica.html






Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista, consultor institucional e ambiental. Sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Diretor da Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental - AICA,  Integrou o Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, foi professor da Academia de Polícia Militar do Barro Branco e Consultor do UNICRI - Interregional Crime Research Institute, das Nações Unidas. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa. Coordena o Centro de Estudos Estratégicos do think tank Instituto Iniciativa DEX.  É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.



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