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quinta-feira, 24 de novembro de 2022

300 DE ESPARTA, SEM LEÔNIDAS, E A DÚZIA DE TOGADOS



Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro


O leão nunca ataca o touro se ele tem seu chifre em postura de ataque. Ele ataca quando o touro se põe em fuga. 

Essa lição parece caber integralmente na coreografia das nossas instituições nacionais na presente crise política, derivada da notória falta de legitimidade da coligação que elegeu Lula da Silva, da imensa polarização no ambiente social e da sombra cada vez maior que se abate sobre o sistema eleitoral "eletrônico" brasileiro - utilizado aqui, na Venezuela e no Butão...

A reação do Tribunal Eleitoral Brasileiro - uma jabuticaba carésima cujo comportamento ficará registrado na história... foi antecipar decisões de maneira sintomática, sem notoriamente conhecer as impugnações apresentadas com laudos técnicos, sobre falhas no sistema das urnas. A jurisdicidade em todo o conflito é nula. Aliás, uma caixa preta protojudicializada foi erguida, ampliando ainda mais o clima de desconfiança.

Para piorar, a péssima judicatura em exercício nos tribunais superiores dedica-se agora a criminalizar críticas, dúvidas e questionamentos... até mesmo o ato de peticionar em juízo contra suas decisões.

O avanço da censura e da perseguição política, protagonizado por decisões judiciais atrabiliárias, é fato, põe em risco o Estado de Direito, sob o frágil pretexto de "salvá-lo".

A propósito, o General Paulo Chagas, exercendo crítica às ações literalmente arrogantes do Ministro Alexandre de Morais, que tudo investiga e a todos pune... com ou sem processo,  escreveu em seu twitter:

"Convido Alexandre de Moraes a assistir ao filme "300 de Esparta" na cena em que Leônidas, ao final da luta nas Termópilas, em um último gesto, atira sua lança em direção a Xerxes e o fere no rosto lembrando-o de que ele não era imortal.
Os persas venceram a batalha mas não a guerra!"

A manifestação é sintomática. Porém, em nossas Termópilas, a esmagadora maioria de populares mobilizados é que está sendo sacrificada por uma dúzia de togados, sem que haja um único Leônidas a liderá-la.

Guardo um profundo respeito por toda mobilização popular. Ainda que haja equívocos, a ação voluntária guarda um traço profundo de humanidade.

Talvez por isso, sempre tenha desprezado o transporte de gente paga para "inchar" manifestações... e a distribuição do kit "R$50+pão-com-mortadela" - transformando ato político em show de torcida organizada.

Isso nunca foi mobilização popular, embora contemple o que há mais miserável na natureza humana.

Porém, há algo mais trágico que isso: o sacrifício contido numa mobilização perdida pela covardia atribuída à liderança.

Enquanto a coragem prevalece na imagem da mobilização de protesto na Praça da Paz Celestial, em 1989, na China (e é óbvio que o reflexo disso, na década que se seguiu, foi o imenso processo de modernização do Estado Chinês), a sensação de desperdício por falta de coragem de quem deveria assumir a liderança, aparece estampada nos protestos contra Maduro, na Venezuela - e o reflexo do desperdício e sacrifício de vidas humanas... se reflete no miserável "estado de coisas" que ali vigora.

É o que agora parece ocorrer no Brasil. Palco das maiores manifestações pacíficas de massa ocorridas na história da humanidade, desde a libertação da Índia, sob a liderança de Gandhi.

Essas manifestações, iniciadas em junho de 2013, num primeiro momento apontaram para a perspectiva de reformas profundas no carcomido Estado Brasileiro.

No entanto, a covardia, a pusilanimidade, a corrupção de quem deveria assumir uma liderança, ou foi pelo povo incumbido disso,  em todo o processo... permitiu essa recomposição do establishment - no pior formato imaginado.

Milhões de pessoas se mobilizaram... centenas de milhares se sacrificaram nas ruas... sem qualquer perspectiva de resposta das instituições permanentes da República - acomodadas, cooptadas e acovardadas. Pior: a desmoralizada mídia convencional, simplesmente ignora o fenômeno, quando não o distorce (matando de vez a liberdade de imprensa  e a dignidade do jornalismo brasileiro).

O espetáculo dantesco, psicopata, de um punhado de deslumbrados forjando uma ditadura da toga,  rasgando o Estado de Direito, impondo uma verdade ditada como a "novilíngua" do drama de George Orwell,  aponta que iremos mergulhar numa espécie de "venezuelização" da política nacional - jamais para uma pacificação conciliatória do Brasil. 

Um judiciário que se assenhorou do sistema partidário, e mantém na coleira as organizações políticas - eternamente organizadas de forma provisória, com a chave do cofre do fundo partidário, destrói qualquer harmonia entre os poderes. Isso deixa o eleitor à margem da estrutura daquilo que deveria representar sua soberania.
 
Sem soberania popular, permanece no ar a ameaça de represália a quem manifestou apoio à maior lisura e transparência do pleito eleitoral.

O silêncio omisso e a falta de liderança, aumentou a sensação de desperdício  do esforço popular. 

No caso da mobilização em frente aos quartéis - parece ter servido de mero "lastro" para algum "salvo conduto" de lideranças em fuga.

Já a pantomima de 8 de janeiro, claramente autorizou a somatória de escárnios e violações a garantias constitucionais caras à democracia, inaugurando o processo de venezuelização, de desmoralização institucional e censura ao livre pensar... no Brasil.

A falta de resposta do Legislativo, de um pronunciamento firme e conclusivo das forças armadas,  levou a uma reação histórica de profunda frustração, um corrosivo desprezo por todas as instituições que alimentam o que ainda resta de nosso tecido social. Um retrocesso cívico-cultural aos tempos de colônia.

Bolsonaro, de fato abandonou os que se imbuíram de figurar como patriotas e que se sacrificaram nas ruas. Virou as costas para milhões de eleitores frustrados, centenas milhares de cidadãos e famílias que derreteram na frente dos quartéis, se perderam nas estradas; cidadãos mobilizados nas Ruas por meses, antes, durante e depois da campanha eleitoral. Inocentes inutilizados e destruídos por uma repressão cega protagonizada por gente que faz da justiça pretexto para exercer tiranias. Famílias cindidas que hoje permanecem sem qualquer pronunciamento oficial  decente - e ainda são achincalhados com um "perdeu mané, não amola"...

O potencial de manipulação e mau direcionamento do inconformismo até agora demonstrado, caso permaneça orfão, poderá servir de bucha de canhão para a pantomima dos que buscam um pretexto para exercer tiranias - ou tentar se legitimar com a vitimização. 

O pior ocorrerá com as instituições permanentes. As já corrompidas seguirão recobertas pelo opróbrio... mas   a instituição das Forças Armadas cairá também no descrédito e no desprezo.

As FFAA seguirão para o poço do opróbrio pela omissão... e pelo desmonte que sofrerão dos canalhas populistas, que não hesitarão em subjugá-las.

Não bastará arremessar a lança contra Xerxes...


Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado e consultor ambiental, jornalista e editor. 



 

8 comentários:

  1. Sensacional. Um retrato perfeito do Brasil de hoje. Parabéns. Ainda há gente com coragem de falar a verdade nua e crua, sem rodeios. O que significa que talvez ainda haja esperança !

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  2. Excelente texto. Parabéns.

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  3. Meu mestre, fiquei sem fôlego ao ler. SENSACIONAL!

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  4. Excelente explanação, com claro e nítido aviso do que vem pela frente.
    Lamentavelmente, mesmo a contra gosto, só nos restara uma forte intervenção da nossa gloriosa Forças Armadas, como já ocorreu mo passado, já que os personagens são os mesmos.

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  5. Entendo muito muito exagerada, exacerbada e emocional essa crítica ao Presidente. Ele não fugiu. Tudo faz parte do Plano. Sua live na mídia deixou claro que estava falando forçado e tentando falar coisas que não são do momento. O momento é de prudência e segurar o fôlego.

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  6. Que texto monumental! E não basta criticar seu texto sem motivação. Ele é coerente e verdadeiro, infelizmente.

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  7. Texto monumental, coerente e, infringente, verdadeiro.

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