EUA usaram Cúpula do Clima como ‘armadilha’ para mudar discurso do Brasil sobre o clima, diz Pinheiro Pedro
Bolsonaro discursa na Cúpula do Clima |
Da redação
Na cúpula do Clima, realizada sob o comando do Presidente Norte Americano Joe Biden, o Brasil seguiu a promessa dos EUA de zerar as emissões até 2050 - dez anos antes do previsto no Acordo de Paris, de 2015. Com isso, o Brasil sinaliza uma meta que parece, de fato, não querer ter seguido ou pretender seguir - dado aos seus atos e ações adotados nos últimos dois anos de governo.
O Acordo de Paris é o foco principal da Cúpula do Clima. Uma espécie de "termostato de papel" *, de complexa implementação, que demanda profundo engajamento dos países aderentes ao compromisso - neles incluindo o Brasil.
Se em 2019, o Governo Bolsonaro iniciou pretendendo adotar uma via alternativa - buscando um destaque inovador e independente no cumprimento das metas traçadas pelo Acordo do Clima de Paris, inclusive ensaiando uma reestruturação da política nacional de Gestão do Clima** - já a partir do final do final do mesmo ano, tratou de travar absolutamente todo o sistema de gestão nacional do clima.
Esse processo foi descrito e analisado pelo advogado Pinheiro Pedro, antes do evento mundial da Cúpula - já prevendo a "armadilha" armada por Biden, e antecipada pelo ultimato dado pelo Embaixador Americano Chapman.
Antecipando a Cúpula do Clima, embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman, afirmou em um encontro com políticos e jornalistas brasileiros, no dia 11 de abril, que o país teria a “última chance” de mostrar compromisso com o meio ambiente. Sobre isso, a mídia russa Sputnik Brasil ouviu o advogado Antonio Fernando Pinheiro Pedro, especialista no tema, que alertou para a “situação delicada” que o Brasil enfrenta.
A cúpula convocada pelo presidente norte-americano, Joe Biden iniciou-se neste dia 22 de abril, reunindo cerca de 40 líderes mundiais. Sem exceção, todos os países incrementaram suas metas de redução de emissões e neutralização de carbono até o prazo dado pelo Acordo de Paris (2060).
Com relação às declarações dadas antes da reunião por Chapman, o embaixador americano, foi taxativo ao dizer que o meio ambiente será o ponto mais importante da relação entre Washington e Brasília, apontando que esse elemento influenciará acordos comerciais e também a possível entrada do Brasil na OCDE.
Para Antonio Fernando Pinheiro Pedro, o embaixador norte-americano expressou um “ultimato” dos EUA, refletindo a mudança de postura da Casa Branca em relação ao tema climático.
“Brasil e Estados Unidos têm que buscar obrigatoriamente, por meio dos seus chefes de Estado, uma aproximação e uma integração, isso sem dúvida nenhuma. Por outro lado, a missão do embaixador norte-americano é de dar esse ultimato, porque há uma patente necessidade também do Brasil retomar a sua posição chave no cumprimento do tratado de mudança do clima, em especial agora com o Acordo de Paris”, afirma o advogado em entrevista à Sputnik Brasil.
Reunião entre o presidente Jair Bolsonaro e Todd Chapman, embaixador dos Estados Unidos no Brasil. (foto twitter oficial do embaixador Todd Chapman) |
O advogado Pinheiro Pedro acredita que os EUA estão usaram a Cúpula do Clima como uma espécie de “armadilha”, cujo gancho seria o discurso do presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que serviria de teste para sinalizar uma aproximação com a atual política ambiental norte-americana. De fato, parece que a previsão se concretizou no discurso expressado pelo presidente brasileiro, cujas metas ousadas contrastam com atos e posturas adotadas até a véspera do evento.
“É patente que os Estados Unidos estão fazendo o famoso jogo do morde e assopra, e nesse morde e assopra, eles percebem que precisam atrair para uma armadilha, digamos assim, internacional, o governo brasileiro, e buscar uma confirmação de um comprometimento a partir do chefe de Estado”, avalia.
O especialista ressalta que o governo Bolsonaro não tem agido para cumprir compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e tem trabalhado internamente contra a proteção ambiental. Dessa forma, ele acredita que o país atualmente pouco tem para apresentar em termos de preocupação com o meio ambiente.
“O governo brasileiro simplesmente demoliu a estrutura de cumprimento da política nacional de mudanças climáticas no Brasil. E, só agora, aos poucos, está recompondo as peças para fazer a implementação da política de mudanças climáticas. Até pouco tempo sequer o conselho do clima interministerial estava montado. E, hoje, se por um lado está montado, não está agindo”, aponta o advogado.
Acesse a entrevista clicando aqui ou na imagem abaixo:
Segundo Pinheiro Pedro, essa falta de compromisso do país foi percebida pelo atual governo dos EUA, que agora passa a pressionar o Brasil nesse sentido em um momento em que o país está em uma situação internacional “delicada”.
“Isso com certeza não escapou da observação atenta da política externa norte-americana. Nós falamos, mantemos uma posição, no entanto, essa posição não é seguida pelo discurso do chefe de Estado, mas, também, em que pese estarmos falando, mantendo essa posição, tratamos de destruir os instrumentos que seriam as instituições encarregadas de implementar o acordo do clima em território nacional”, avalia Pinheiro Pedro.
O especialista aponta que a política ambiental no Brasil retrocedeu no atual governo, ressaltando o avanço do desmatamento na gestão Bolsonaro. Para o advogado, o discurso apresentando pelo Brasil na Cúpula de Líderes sobre o Clima será uma espécie de teste de fogo e pode desmoralizar “de vez” o país.
“É óbvio que estamos diante de uma necessidade de confirmação, por parte do chefe de Estado [Bolsonaro], de que realmente ele vai seguir os termos do Acordo de Paris, ou não. Tenho para mim que ou o Brasil agora adota uma posição independente, se engaja, mas com as reservas necessárias, ou ele pode se desmoralizar de vez”, afirma.
De fato, a posição brasileira foi tida por "ousada" no discurso proferido por Bolsonaro na abertura da Cúpula do Clima. Mas, nas atuais condições de "temperatura e pressão" em que se insere a gestão de Bolsonaro e por conta da verdadeira "gangorra" discursiva do idiossincrático líder populista brasileiro, a possibilidade da meta ser alcançada ou "dobrada" (no estilo Dilma), ao final do prazo, é mais factível que seu cumprimento.
Aliás, o detalhe da baixa credibilidade do chefe de estado brasileiro em relação a seus compromissos, ficou expresso na forma como esse discurso foi proferido - seja pela ordem de falas (21º inscrito, após inclusive o presidente da Argentina) e pela atenção dispensada (Biden se ausentou da sala de conferências antes que Bolsonaro se pronunciasse).
O curioso é que o governo Bolsonaro, sem abandonar o Tratado de Paris, havia iniciado um processo de inovar na implementação da política ambiental e ganhar certa independência nessa atuação, no ano de 2019 - seguindo orientações firmadas na transição do governo Temer e articuladas por meio de conselhos de vários técnicos, incluso de Pinheiro Pedro***. O problema é que, já no final do ano de 2019 e durante todo o ano de 2020, o governo Bolsonaro efetuou um verdadeiro divórcio entre o que propalara e o que fizera. O resultado foi o engajamento em um processo muito ruim de descrédito internacional.
Dessa forma, o que busca agora o governo brasileiro informar, de maneira discursiva, na Cúpula do Clima... nada mais é o que já deveria ter buscado no seu primeiro ano de gestão. Um atraso, portanto, de dois anos no cronograma (se é que irá seguir, de fato, algum cronograma).
Mas há um detalhe grave, aduzido por Pinheiro Pedro em nota nas redes sociais, com relação ao discurso do Presidente e sua repercussão disfuncional dos que apenas enxergaram a superfície da questão:
"O fato é que os bodes expiatórios entraram em extinção e não há mais barranco para jogá-los em sacrifício. A hora da verdade já chegou e os populistas se recusam a conferir o relógio - isso vale para os saudosistas de ontem... e para os de anteontem - à esquerda e à direita. Vemos uma turba aplaudir o discurso de Bolsonaro na Cúpula do Clima... e outra turba apupar o orador e seu discurso - e ambas as plateias não perceberam que o governo e seus técnicos não se preocuparam em fazer a lição de casa em nome da soberania do Brasil. Não perceberam que a Europa RETIROU os biocombustíveis dos protocolos de investimentos sustentáveis - intentando nos fazer engolir caríssimos carros elétricos ao custo da perda de uma commodity fulcral para nossa soberania agro-energética. Não perceberam que a regularização fundiária NADA TEM A VER com o desmatamento ilegal - pelo contrário, é um remédio contra o fenômeno, e que GARIMPO não é solução para problema social na exploração da riqueza mineral e não se confunde com a sustentável mineração industrial e controlada. Esqueceram que o Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia (que inclui o Pantanal) já possui os macroeixos necessários para mostrar ao mundo o quanto podemos estar adiantados em nosso controle territorial planejado e, pior, NÃO IMPLEMENTAM OS INSTRUMENTOS QUE TÊM À MÃO simplesmente porque desconhecem sua existência."
Posto isso, é de se esperar desdobramentos complexos e cobranças duras, antes que os aportes solicitados pelo Brasil, de fato sejam carreados.
Notas:
*PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro - "Mudanças Climáticas - O Acordo-Termostato de Paris", in "The Eagle View", 2015, in https://www.theeagleview.com.br/2015/12/mudancas-climaticas-o-acordo-termostato.html
**PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro - "Reposicionamento da Gestão do Clima no Governo Bolsonaro - Uma Proposta", in "The Eagle View", 2019, in https://www.theeagleview.com.br/2019/06/reposicionamento-da-gestao-do-clima-no.html
***PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro - "Governo Age Certo: A Saída para o Desmatamento está na Economia e na Mudança de Atitude em Relação ao Clima". in "The Eagle View", 2019, in https://www.theeagleview.com.br/2019/11/governo-age-certo-saida-para-o.html
Referências:
Baseado em matéria do site Sputnik Brasil: https://br.sputniknews.com/brasil/2021041517335511-com-ultimato-eua-usam-armadilha-para-mudar-discurso-do-brasil-sobre-o-clima-diz-especialista/
Baseado em matéria do site Ambiente Legal: http://www.ambientelegal.com.br/com-ultimato-eua-usam-armadilha-para-mudar-discurso-do-brasil-sobre-o-clima-diz-especialista/
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