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quinta-feira, 30 de julho de 2020

AUTOMEDICACÃO

                        Cloroquina é o "Tetrex" do passado                                


Bolsonaro, Cloroquina e a Ema. Foto: Reuters/Adriano Machado



Por Marco Aurélio Arrais
  
                  
Era lá pelos idos de 1965.  Tinha meus dezessete anos, já embarbado  e com tamanho de gente, podendo fazer as primeiras explorações  nas  casas de puta em Campinas, nas Avenidas Bahia  e Pernambuco, onde era a ZBM.  Essa sigla se traduzia por Zona do Baixo Meretrício, referindo-se aos puteiros mais populares, que prestavam serviço de chamegação aos membros da baixa classe média e outros mais fracos de numerário.
                      
Eram casas simples, que ocupavam uns quatro quarteirões dessas ruas, frequentadas por centenas de clientes fiéis e assíduos.  Minha geração deve ter sido uma das últimas a frequentar tais ambientes, pois com o advento da pílula anticoncepcional as moças de família, antes donzelas zelosas na guarda e proteção dos respectivos cabaços desandaram a fazer concorrência desleal com essas profissionais de labuta horizontal, entregando aos felizes e esfomeados namorados aquilo que por modernagem, desvaloração moral ou incômodo  físico já não valia um vintém, o que por coincidência era um dos apelidos desse courame comprovador da invictude de cada então donzela.
                      
Para nos precavermos de qualquer perigo de contrair uma doença de rua, passávamos numa farmácia na Av. Anhanguera e comprávamos uma caixa de Tetrex, tido como grande exterminador de gonorréia, cancro mole e duro, mula, crista de galo ou outra qualquer malinesa que pudesse nos atacar quando da praticância dessas demandas  pecaminosas e desprovidas da moral e santidade estabelecidas pelas normas da Santa Madre Igreja, a quem confessávamos regularmente esses atos condenados pelas  leis  canônicas.  

O remédio era repartido entre nós e imediatamente engolido, pois críamos que com ele derretendo no bucho e absorvido pelo organismo, se algum microbão venéreo se atrevesse a nos contaminar, encontraria na corrente sanguínea a tropa do antibiótico em formação de combate, pronta para dizimar quaisquer invasores que viessem ameaçar as nossas respectivas estrovengas.
                    
Como não existia banheiro nos quartos dos bordéis,  após a função era comum limpar  a ferramenta com papel higiênico.  Quando chegássemos em casa, cada um que tomasse seu banho.
                    
Tínhamos um amigo que morria de medo de contrair   “doença de rua”, como eram chamadas as doenças sexualmente transmissíveis naquela época. Para seu azar, após o exercício de um entrevero de labutagem sexual,  ocorreu ficar preso na sua "ferramenta", pedaços do papel higiênico utilizado na precária limpeza das partes comprometidas na agradável demanda de fuleragem pecaminosa.
                     
Já na rua, numa roda de mijação, ele percebeu aquele corpo estranho de cor cinzenta, emergindo da estrovenga.  Apavorado, pensando haver contraído uma doença horrível, quem sabe um cancro, mula ou crista de galo, desesperado, aprontou o maior berreiro. E só quando, tomando um pouco de coragem, resolveu arrancar aquelas protuberâncias que assomavam na pele da sua estrovenga, num puxão só arrancou a "ameaça" que, em poucos segundos, transformou-se em restos de papel higiênico barato.
                      
Éramos totalmente ignorantes, e não tínhamos a menor ideia como era o desenvolvimento, no organismo, de qualquer doença venérea. Médico era um profissional caro e raro,  e só procurado depois que a desgraça acontecia e farmácia aceitava palpite no lugar da receita.
                  
Essa introdução foi para entrar no assunto que titula essa crônica.  

Muito mais que hoje, a tal automedicação corria solta. De antibióticos a injeções das mais diversas, tudo era consumido sem controle.  O único remédio desconsiderado era o tal do supositório, medicamento de  uso imoral e despropositado, que ofendia a macheza de quem o usasse sem a devida prescrição médica.
                       
Vemos hoje o Presidente da República receitando, de maneira irresponsável e  inconsequente, o uso da hidroxicloroquina no combate  à COVID-19, como se fosse um raizeiro lá dos cafundós do fim do mundo que, municiado com uma caixa do tal medicamento, persegue até as emas do Palácio da Alvorada.
                
Naquela época, quando da vigência da ditadura militar, nenhum general jamais se arvorou em receitar remédio algum.  Já pensou Castelo Branco receitando às mulheres que tomassem a “Saúde da Mulher” para regular a menstruação?  Até imagino o dito, de vidro em punho, na porta do Palácio da Alvorada, pela manhã, a instruir suas fãs a controlarem os respectivos paquetes.
                     
Pensem no general Costa e Silva com um vidro do “Licor de Cacau Xavier”,  instruindo os pais a extinguirem as lombrigas da prole.  
                       
Quando assumiu o triunvirato,  teriam  que organizar a coisa para não dar  confusão.  Talvez dividissem entre eles as indicações  para tratamento de prisão de ventre, hemorroidas e flatulência.
                         
Assumindo Médici, o mais linha dura dos militares, bem que poderia encampar  a cura gay.  Naquela época poderia ser denominada  “reversão machística”, que transformaria  os então denominados pederastas, tão ao gosto militar, em cabras femeeiros e apreciadores da deliciosa fruta que o Criador colocou entre as pernas femininas para nossa felicidade, prazer e afirmação procriatória.
                         
Foi então empossado Ernesto Geisel. Como afirmou o menestrel Juca Chaves, sendo ele neto de um pastor alemão luterano, poderia sugerir com racionalidade germânica os medicamentos para tratamento das doenças contraídas nas labutâncias  meretriciais onde, no exercício de um aprendizado contínuo e praticância ilimitada  da labuta horizontal, nos preparávamos para um futuro  de demonstração capacitatória, que conforme a competência  de cada um, faria a fama ou a desgraça daquele que pudesse pôr em prática, de maneira pessoal e objetiva o que fora aprendido.
                      
Já o Figueiredo, o  último dos generais como ele próprio confessara, preferia  a companhia de cavalos a estar em meio ao povo.  Ficaria na prescrição de suplementos  veterinários,  atendendo aos marombeiros porra-loucas das  academias musculatórias,  dados ao uso de injeções para  o desenvolvimento físico.
                        
Mas os generais eram militares circunspectos, homens  sérios e sem qualquer tendência para o deboche, palavrões e canalhices baratas. Não vomitavam expressões chulas e impropriedades diversas no exercício do decoro do cargo, como o capitão presidente, vomitador de expressões chulas e impropriedades diversas, sem formação, escolaridade, cultura nem credibilidade.  
                         
Os ilustríssimos generais, como todos os homens, tinham seus defeitos, mas nunca foram personagens de acontecimentos transformados em peças de mau gosto. Não sairiam por aí batendo boca com médicos para vender cloroquina. Não fariam o papel de curandeiros ou boticários itinerantes, com enredo primário e sem qualquer sentido, onde um “talquei?”  final  pretende explicar o inexplicável e onde o “porra!” encerra toda e qualquer  argumentação desprovida de sentido e lógica.











Marco Aurélio Arrais, natural de Goiânia, advogado (PUC-GO), contador de causos, é pesquisador da história do Brasil ou, como ele mesmo se denomina, “um curioso de nossa história”. Cronista, é colunista do Portal Ambiente Legal e colaborador do Blog The Eagle View.












Um comentário:

  1. Querendo ou não o autor, essa sua crônica retrata muito bem a zbm que é o atual governo brasileiro, para infelicidade da maioria do nosso povo que, ainda bem, não endossa os seus desvarios

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