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sexta-feira, 14 de abril de 2023

A BANALIZAÇÃO DO MAL E NOSSAS ESCOLAS

O grande vilão dessa violência é a hipocrisia





Em março de 2019, uma dupla de adolescentes armados, após matar um comerciante parente de um deles, invadiu a Escola Estadual Professor Raul Brasil, da qual eram ex-alunos e mataram friamente cinco estudantes e duas funcionárias da escola, em meio ao tumulto provocado pela ação violenta. Em 2023, escolas e creches tornaram a sofrer atentados sangrentos, integrando um ciclo crescente de episódios de violência, desrespeito, assédio e abusos registrados no cotidiano escolar brasileiro.




Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro


O nazista Adolf Eichmann - um dos administradores nazistas do holocausto judeu,  foi sequestrado na Argentina e transferido para Israel em uma operação cinematográfica ocorrida em 1960. Embora se declarasse "inocente no sentido das acusações",  Eichmann  foi  julgado e condenado por crimes contra a humanidade que praticara durante a Segunda Grande Guerra,  e finalmente enforcado em 1962.

Hannah Arendt - enviada como correspondente da Revista The New Yorker, para acompanhar aquele julgamento,  publicou suas impressões em um livro chamado "Eichmann em Jerusalém". Nele, a filosofa analisa o personagem, procurando compreender como um indivíduo metódico, racional, sem traços de psicopatia ou caráter distorcido e sem traços antissemitas, pôde cometer tamanhas atrocidades agindo para cumprir o que  acreditava ser o seu dever, seguindo ordens superiores e imbuído da ambição de ascender na carreira dentro da mais perfeita ordem burocrática.

Arendt ficou impressionada com "o zelo e a eficiência" de Eichmann, que agiu "administrativamente", compreendendo o mal causado sem se sentir responsável por ele.

Em sua obra, Arendt usou o mal radical kantiano,  sem se ater às razões morais ou religiosas para buscar apenas a razão política para  a maldade se instalar em grupos sociais ou no próprio Estado.

Arendt, discípula de Heidegger, afirmou que  o mal não é uma categoria ontológica, não é natureza, nem metafísica. É  um fenômeno político e histórico produzido pelo homem.  Ele se manifestará se encontrar "espaço institucional", em razão de uma escolha política.

É nesse sentido que ocorre no seio da sociedade a apatia ante a violência, pois ela decorre do vazio de pensamento, onde a banalidade do mal se instala.


A banalidade da tirania

A lição de Hannah, nunca esteve tão atual como neste início de século. Porém, remanesce esquecida na sucessão de ciclos históricos ditados pela mediocridade, como o que hoje tragicamente somos obrigados a lidar.  

Ciclos como esses não se iniciam do nada. São ardilosamente construídos pela desonestidade intelectual e pela hipocrisia. Atendem à ambição política e giram em torno do eixo das pequenas tiranias.

Como diz Esopo, "todo tirano usa de um pretexto justo para exercer sua tirania". 

É na busca de pretextos que surgem tiranias, alimentadas por ideologias que parecem se opor, quando na verdade se completam. Uma simbiose  do mal. 

Essa simbiose do mal justifica o ódio, a transgressão, o vitimismo militante e a licença moral para a barbárie. Clima farsesco  que torna o mal banalidade. 


A cultura do vazio

No atual ciclo, o vazio de pensamentos é preenchido pela escatologia - apocalíptica ou culturalmente obscena. 

Com a razão esvaziada pela ignorância, surgem os ideólogos do ressentimento, os teóricos do rancor.   Uma vez instalados no establishment - dominam as finanças, os meios de comunicação,  partidos políticos, atividades culturais e as universidades. Eles abraçam a transgressão que lhes convém da mesma forma como repelem a que não lhes é útil, ainda que possam amanhã praticá-la.  

Não há valor, somente transvaloração.

A lógica do mal banalizado é um produto lucrativo - explorado nos noticiários, nos filmes, na web e nas músicas sexistas. Essa cultura induz à violência, degrada a figura feminina e demoniza a autoridade. O Funk e o RAP, os canais de recrutamento de organizações terroristas, narrativas belicistas contra tudo... alimentam a indústria armamentista clandestina, as ditaduras e o crime organizado.

No mundo cravado pela recessão econômica, o mal se instala onde a ociosidade impera. 

Estatísticas apontam para um crescimento em larga escala de indivíduos desolados, sem perspectivas, que desistiram de estudar e procurar emprego.  desolação torna o mal, um meio de sobrevivência.

Chega a ser paradoxal. No momento em que o conhecimento está na palma da mão, na tela de um dispositivo celular, indivíduos mal preparados ignoram conteúdos de qualidade para acompanhar apenas a mediocridade. 

Fosse a opção pelo ruim excepcional, ainda que socialmente numerosa, poder-se-ia atribuir o fenômeno a disfunções ocasionais, sociais e familiares. No entanto, parece se tratar de um comportamento cultural maciço, hegemônico, ditado por padrões transgressores e intelectualmente imbecis - martelados pela mídia com o beneplácito do Estado, em prol da criminalidade.  

O radicalismo  pulula com a permissividade praticada em nome da liberdade de expressão e da tolerância politicamente correta.  Não se trata de alienados, mas de celerados que adquiriram traços esquizoides por pura permissividade do Estado. 

A moda da arrogância travestida de vitimismo, integra o script de programas de televisão, reality shows e outras baboseiras produzidas pela mídia mainstream. Assediar e intimidar, na convivência de um reality show, no parlamento, numa sessão judiciária ou na entrevista televisiva, virou norma de etiqueta.


Transtorno de personalidade  coletivo

Ressentidos comandam empresas jornalísticas, parlamentos  jusburocracia e universidades. Se  apoiam na permissividade "conquistada" por meio de uma jurisprudência do mal,  produzida pela filial togada de ativistas da Constituição de 1988 e implementada por um establishment que parasita todo o organismo nacional. 

Essa permissividade tem método.  Praticamente oficializou o Transtorno de Personalidade Esquizoide como padrão cultural da juventude. 

Primeiro, querem "libertar" crianças e adolescentes dos laços e controle da família. Em seguida, intentam jogá-los, sem qualquer cuidado, aos cuidados de um sistema educacional esfacelado. 

Alunos sem controle, são despejados em depósitos de crianças e adolescentes. Ali, são submetidos a um currículo desprovido de civilidade, ministrado por esforçados profissionais igualmente desprovidos de autoridade - diminuídos dentro e fora da sala de aula. Professores são  proletarizados e aprisionados numa teia de limitações intelectuais.

O transtorno de personalidade é  caracterizado por falta de afetividade, interesse em relações sociais, tendência a um estilo de vida egocêntrico, frieza emocional e apatia. Indivíduos afetados pelo transtorno podem simultaneamente demonstrar alienação da atividade social, desenvolver isolamento, agregarem-se em guetos e  manipular parcos conhecimentos valorativos, gerando um mundo interior de rancores e preconceitos. Esse comportamento poderá evoluir para a introspecção ou extravasar em redes... sempre apontando para o desprezo aos valores, à convivência familiar, ao respeito e ao próximo.   

Hoje, há bolsões em nosso tecido social que parecem tomados pela  esquizofrenia,  comunidades lotadas de indivíduos funcionalmente pouco dotados, desmotivados, distantes e afetivamente embotados.  

Basta frequentar por algum azar da vida um "baile funk", acompanhar jovens empenhados em jogar "counter strike" em uma lan house, prestar atenção á conversa "grunhida" nas lojas de conveniência ou ir a uma baladinha chic, movida a carrões, roupas de grife - caras, bocas e cabeças absolutamente vazias. 

Também é possível ver a mesma coisa em manifestações onde palavras de ordem e insultos constituem a única sequência racionalmente orientada no diálogo possível de ser elaborado entre os militantes. 

Do outro lado, crianças e jovens, desassistidos por pais desatentos e professores envolvidos na própria rotina,  buscam refúgio no ensimesmamento da internet, nos vídeo jogos, na troca de informações fracionadas nas redes sociais, desenvolvendo comportamentos e atitudes periculosas, dissimuladas pelo ensimesmamento na família e na escola. 

Cultivamos um jardim de disfuncionais, onde floresce a intolerância. 


Permissividade é violência

Vamos nos ater à tragédias dos massacres em ritmo de videogame, ocorridos no Brasil e fora dele recentemente.  

Patente que para muito além dos discursos de ódio político, a personalidade dos assassinos transborda um perfil esquizoide. 

O comportamento até agora apurado desses agentes, mostra que agiram às claras em seu meio. Não eram alienados mentais. No entanto, o comportamento deles deveria de há muito ter chamado a atenção, não fosse a sociedade atual absolutamente esgarçada e desatenta. 

Historicamente, essa profusão de imbecis tem origem justamente na progressiva tolerância imposta pelo establishment permissivo, sob o justo pretexto de cultivar-se a tolerância na sociedade.  

Tornou-se óbvio que esse "programa" foi manipulado para não apenas extirpar a segregação social e familiar dos loucos - considerando  praticamente um crime a internação psiquiátrica, mas, também elevar o comportamento esquizoide à categoria de padrão a ser seguido pelas pessoas normais. 

Esquizoides de todo tipo são hoje tolerados socialmente, a ponto de se tornarem arrogantes no trato com o entorno - pois não há mais possibilidade legal de inibição. Na verdade, a nova cultura do politicamente correto trata comportamentos transgressores  ("queer", obsessivos ou esquizoides),  como  típicos de vitimizados pela sociedade...

Crianças, desde cedo, são reprimidas por não aceitarem  gente "diferente", ou "com problema", na sua convivência.  

O pretexto da tolerância para com o "diferente" é correto. No entanto, o programa é outro. Por óbvio que o combate ao preconceito não pode transformar tolerância em obrigação de conviver com esquisitos. Na verdade, todo o trabalho anti-bullying é perdido, quando direcionado à coação... Isso, em crianças, pode levar ao ódio. 

Posto isso, constato que o  "politicamente correto", de fato,  potencializou o ódio e o rancor social, favoreceu a atitude liberticida dos "ofendidos", priorizou conflitos identitários e  transferiu paradoxalmente a responsabilidade irrestrita pelos sentimentos e atitudes agressivas, à estrutura social e familiar construída com valores morais,  cristãos plurais, tolerantes e democráticos. 

A reatividade também produz indivíduos violentos. Potencializa reacionários e induz comportamentos fascistoides sob o manto do "conservadorismo" ou do protesto comportamental ante a ditadura do "politicamente correto".  

Assim, é costume se observar, também dentro da nova onda conservadora, atos odiosos como abusos cometidos contra afrodescendentes por policiais racistas, nos EUA, e atitudes de opressão explícita contra favelados no Brasil, sob a mesma batuta do "combate duro á criminalidade". 

Os extremos, de fato se atraem.


Bandidolatria

A mídia esquerdista e seus formadores de opinião, eleitos por ela como ditadores de regras de falso consenso, abriram todos os canais para tornar a "bandidolatria" uma forma hegemônica de cultura. Aliás, foram os próprios aparelhos ideológicos de Estado os geradores dessa estética de violência,  baseada no rancor contra a moral e o tecido social.

Do ensino "crítico" da história contemporânea à destruição dos padrões familiares, o Estado politicamente correto sentenciou que "herói" é aquele que transgride. E que polícia é sinônimo de violência. 

O ataque esquerdista à estrutura familiar, transferiu para as escolas a atribuição de resolver conflitos de atenção e afetividade, obviamente sem que essas instituições tenham qualquer condição estrutural ou humana de resolução desses conflitos. 

A escola, então,  passou a ser alvo da contestação identitária e dos ressentimentos dos esquizoides. 

Para piorar, as administrações politicamente corretas, reprimem a autoridade de professores e questionam a autoridade dos pais presentes, enquanto vitimiza e prioriza justamente os ausentes. 

Se impôs a regra de considerar toda família desagregada como credora do tecido social.

Por sua vez, na outra curva de pressão, como uma pinça, cresce o reacionarismo, a cultura da radicalização violenta contra tudo o que representa "o lixo que aí está". 

Por sua vez,  a idolatria pelos "troubleshooters", incensados pelos filmes de ação e caracterizados em qualquer videogame sanguinário, incentiva os chamados "lobos solitários" a praticarem o terror justiceiro. 

O reacionarismo é parasita do desconforto causado pelo abalo sistemático dos valores médios da sociedade - pátria, família, moral e religião. Essa disfunção acrescenta à reação natural elementos distorcidos, como o ódio, o preconceito (de toda ordem), o anti-intelectualismo, a postura liberticida, a intolerância e a ignorância. 

Essa serpente banaliza de fato o mal, e seus ovos eclodem nos "movimentos sociais", "facções libertárias-liberticidas", estamentos militares, organismos paramilitares,  gangues e movimentos populistas. Prato cheio para alimentar sociopatas.

As tragédias nas escolas possuem esse traço.


Moedor de mentes

A ciberecologia em que estamos inseridos - redes sociais, jogos eletrônicos e comunicação por dispositivos, absorve o componente esquizoide. Porém, mais esquizóide é a repressão imposta nas redes sociaiss, que em qualquer crise, se empenham em reprimir a livre manifestação "dos outros", que com as esquisitices politicamente corretas não concordem...

Adolescentes foram postos no sistema digital, isolados e à mercê dos esquizoides, que atuam fortemente nas redes sociais, agindo e também reagindo, em igual proporção de raiva, numa espécie de neofascismo desprovido de manada - onde a raiva guia a produção de impropérios contra conhecidos, desconhecidos, autoridades, colegas de escola próximos e mesmo os distantes.  Isso é potencializado na prática sequencial de jogos eletrônicos interativos - que se não guardam, em si, qualquer nocividade para indivíduos normais, podem sim, tornarem-se verdadeiros centros de treinamento para psicopatas violentos. 

Assim, se não há problema em jogar, há problema em pais não cuidarem de ver o que fazem os filhos nesses momentos de interação. Em especial - ainda que à distância, observar com quem eles se relacionam.

A sucessão de políticas desarmamentistas no Brasil - pobres de boas intenções e plenas de desonestidade intelectual, manietou o Estado e desarmou as pessoas de bem.  

Uma poderosa muralha, de discursos e normas imbecis, foi erigida para obrigar o desarmamento civil.  Porém, arsenais permaneceram à inteira disposição de quem queira transgredir.  

A sociedade desarmada tornou-se o grande repasto para covardes homicidas. E só hipócritas  ainda insistem em negá-lo.

Mesmo nos países onde a defesa do cidadão é possível, a proliferação de "zonas livres de arma" tornou-se um convite à ação dos covardes. E é nelas que as tragédias quase sempre ocorrem - para "gaudio" dos desarmamentistas.

O resultado é traumático.  Massacres como o ocorrido na escola estadual em Suzano - SP, na creche  no sul do Brasil e na mesquita muçulmana na Nova Zelândia  não podem ser atribuídos à  ideologias apregoadas pelos celerados agentes assassinos e, sim, à política politicamente correta, que permitiu que estes se alimentassem do ódio, se armassem e desenvolvessem a ação sem qualquer temor de serem barrados ou impedidos - seja pela segurança do Estado, seja pelos próprios cidadãos, manietados e indefesos. 

Pior é a reação do establishment - que busca desonestamente reforçar seus equívocos, atribuindo a tragédia justamente à reação que começa a se organizar em defesa dos cidadãos de bem. 


O que fazer

O essencial em qualquer governo decente, deveria ser de pronto instalado:

1- policiamento escolar dedicado;

2- um quadro de assistência social, instalado  em cada unidade escolar, com profissionais qualificados;

3- um quadro de psicólogos, instalado em cada escola, para acompanhar o estado de professores, alunos e funcionários;

4- Professores de educação física, ministrando atividade OBRIGATÓRIA, para tornar sã a mente e o corpo das crianças e adolescentes.

No entanto, o que se vê... é apenas proselitismo.

A banalização do mal, tal qual já apregoava Hannah Arendt, é  hoje fruto de pura política. 

O grande vilão dessa violência, portanto, é a hipocrisia.
 









Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados, CEO da AICA - Inteligência Corporativa,  Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da API - Associação Paulista de Imprensa.  É  Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.

NOTA: Artigo revisado em 2023.




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