Páginas

sábado, 26 de janeiro de 2019

DESASTRE EM BRUMADINHO - PONDO PINGOS NOS IS...

Hora usar a experiência do passado para analisar o caso presente



Presidente Bolsonaro sobrevoa área afetada pelo rompimento da barragem de Brumadinho




Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro


O desastre de Brumadinho deve ser dissecado, á medida em que os desdobramentos ocorrem.

Falar em "punição exemplar", é tecer loas ao óbvio e estimular o ceticismo face ao ocorrido no passado.  

Vamos, portanto,  por alguns pingos nos is, usando a experiência do passado no caso presente:

Atuei como advogado no  grande desastre ocorrido em 2003, com o rompimento da barragem do reservatório de lixiviados  da antiga indústria de Papel e Celulose, em Cataguases, cujo impacto varreu o Rio Pomba e formou uma mancha anaeróbica, escura, que contaminou o Rio Paraíba e desembocou no Oceano Atlântico, em Campos dos Goytacazes.  Era o maior desastre em uma bacia hidrográfica no Brasil, até ser superado pelo rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, mais de uma década depois. 


Quando assumi o conflito, com outros valorosos colegas, a empresa estava com as atividades paralisadas, um diretor preso e os governos de Minas e Rio de Janeiro trocando farpas políticas na mídia. Para piorar, havia uma "disputa de protagonismo" entre promotores, procuradores e  judiciário, IBAMA e FEAM.

Foi um grande aprendizado, para todos os envolvidos. 

Nossa primeira tarefa foi justamente vencer a arrogância. Introduzir sangue frio na fervura emocional institucionalizada e conferir racionalidade ao processo de implementação da lei aos fatos. 

Na ocasião, em acordo obtido com o ministério público, reduzimos os danos dividindo a interação interinstitucional em quatro momentos: 
a- ações conjuntas de atendimento às emergências;
b- feitura de um TAC emergencial com estado e união - que permitiu à própria empresa assumir as ações de reparação da barragem e tratamento dos resíduos remanescentes;
c- apoio às propriedades atingidas pela enxurrada, na Bacia do Rio Pombo e 
d- envio de caminhões-pipa às cidades atingidas pela interrupção do abastecimento, ao longo do Rio Paraíba do Sul.
Não houve vítimas fatais. Os danos imediatos foram mitigados. 


As ações civis, porém,  arrastam-se até hoje, embora, pela natureza do material vazado - 500 milhões de litros de lixiviado orgânico, a regeneração natural nas margens e terrenos afetados foi favorecida.

O evento serviu para que a legislação mineira fosse modificada, estabelecendo-se no ano seguinte uma nova estrutura de licenciamento e fiscalização, cadastramento e avaliação de risco das barragens (Lei 15.056/ 2004)

Em 2015 ocorre o gigantesco desastre em Mariana-MG, com o rompimento da barragem do Fundão, da Mineradora Samarco, pertencente à Vale e à BHP Bilinton. 

No entanto, a lição aprendida em Cataguases pareceu ter sido esquecida por todos os envolvidos na tragédia de Mariana - que comprometeu a bacia do Rio Doce, a mais importante bacia hidrográfica da Região Sudeste do Brasil. 

A arrogância prevaleceu. A somatória de atitudes emocionais comprometeu toda a racionalização que deveria ter sido imprimida na resolução das ações emergenciais e na resolução dos conflitos.


A guerra de protagonismos entre os Ministérios Públicos se acentuou. A Companhia Samarco, ao contrário da Indústria Cataguazes, em 2003, optou por uma estratégia "evasiva" e "reativa".  A dissimulação deixou entrever que a legislação em vigor era cumprida apenas no papel...

A comunicação da companhia era inconfiável - chegou-se ao cúmulo de se produzir propaganda promocional da empresa, tecendo loas à adoção de medidas que não constituíam mais que uma obrigação ante o desastre que ela mesma provocara. 

O atendimento ás emergências sociais tornou-se proselitista e pouco transparente, resultando na protelação de ações e em momentos de pura insensibilidade para com a tragédia humana. Houve uma sucessão de fatos midiáticos e inócuos. 

O poderio econômico se fez presente. Lideranças políticas simplesmente "desapareceram". A grande mídia - comprometida com o poderio econômico, evitou investigar ações e razões da empresa poluidora e autoridades. Comunidades inteiras foram  reduzidas ao silêncio. 

Enquanto isso, os danos se alastraram. O mar de lama seguiu rio abaixo, enquanto "otoridades" acumulavam pronunciamentos contraditórios. A onda poluente seguiu à jusante por dezoito dias, até o oceano atlântico, destruindo quase toda a bacia, sem que uma obra de contenção ou derivação emergencial fosse efetuada - visando retardar o avanço da pluma ou reduzir sua letalidade para o rio, a fauna e a flora.  Um desastre de governança.

Da confusão, resultou a constituição de uma fundação capitalizada por fundos oriundos das empresas imputadas, cujas ações de reparação e mitigação, infelizmente, até hoje soam cosméticas. 

Na verdade, a fundação tornou-se uma entidade "cítrica", que serviu de anteparo jurídico e meio de protelação do cumprimento de obrigações. Caras e bocas, declarações performáticas, e... comunidades inteiras mergulhadas na miséria, até hoje. 


O quadro geral, é fato,  frustrou e frustra qualquer implementador da lei ambiental. Não ocorreu qualquer sanção efetiva - civil, administrativa e criminal. Dois projetos de lei - um de iniciativa popular, permaneceram mofados no trâmite em marcha lenta do legislativo mineiro - igualmente no parlamento nacional.  

Mariana resultou em um monumento à arrogância empresarial, corporativista e burocrática, e à impunidade dos grandes poluidores.


Mas o destino parece ter sido irônico. O preço da arrogância, da insensibilidade,  agora, foi pago com a vida de inúmeros seres humanos. Centenas de vítimas são funcionários da própria companhia. A contagem de corpos promete ser macabra. 


A tragédia ainda se desenrola. 

A solidariedade é o foco principal de todos os esforços. Porém,  a ocorrência do rompimento da barragem de Brumadinho, da Cia. Vale (a mesma proprietária da companhia mineradora Samarco, de Mariana), já permite entrever aspectos importantes. 

Desmoralizados, os ministérios públicos ainda não surgiram no cenário midiático. A discrição, de fato, é diretamente proporcional á eficácia das ações adotadas. Assim, o silêncio operoso, desta vez, seria mais que recomendável. 

O governo federal, contrariamente às vezes anteriores, agiu prontamente no cenário do desastre, oferecendo meios e recursos humanos para atendimento às emergências. O presidente da república foi até o local, com sua equipe, bem como o governador do Estado. Atos louváveis.

Porém, autuar para apenas multar... não esgota a caixa de ferramentas postas pela lei à disposição das autoridades administrativas. Há, portanto, uma sensação de pouca efetividade na atuação dos gestores públicos ambientais no episódio. 

A busca pelos desaparecidos, o restabelecimento das comunicações locais, a conjugação de esforços, incluso com a empresa responsável pelas barragens, visando mitigar os danos e atender às emergências, devem constituir o foco principal da atividade integrada dos poderes da república.

Depois... investigar a fundo os fatos e identificar os  responsáveis. 


Lei e meios de implementação para isso, não faltam. O que se deve buscar agora, é gente competente para fazê-lo. 

A Vale, desta vez, parece ter adotado a estratégia saudável da TRANSPARÊNCIA, apresentando um pronunciamento de primeira hora do presidente da Companhia e prometendo divulgar as informações on time. mesmo porque foi atingida na própria carne. Mas é preciso partir para a realização material do que se diz.

Isso, no entanto, não poderá livrar a companhia e seus dirigentes de uma eficaz e definitiva ação repressiva do Estado - nos campos administrativo, civil e criminal. A sucessão de fatos, por si só, exige a reprimenda exemplar e um sancionamento efetivo. 

A sombra da impunidade decorrente de Mariana ainda desmoraliza qualquer boa intenção da empresa. Isso praticamente obriga à mudança de atitude e à eliminação da arrogância. Desta forma, o resultado das ações corporativas na presente tragédia deverá ser marcadamente proativo -  algo a ser ainda conferido. 


Por sua vez, desmoralizadas pela omissão protagonizada no episódio de Mariana, as ditas "entidades ambientalistas", sem espaço no atual governo, limitam-se agora a vociferar contra "a flexibilização do licenciamento ambiental", atacar a "falta de fiscalização" ou   bradar contra os governos Zema-Bolsonaro... cuja gestão soma  apenas vinte dias. As ONGs fazem, enfim, uma triste figura perante a mídia perdida entre  transmitir os fatos e divulgar palpites de "especialistas".

O direito ambiental brasileiro, mais uma vez, restou soterrado no lamaçal ferruginoso. 

Vociferar contra mudanças e flexibilizações necessárias da legislação, é mesmo um equívoco. Com efeito, se a legislação atual, complexa e burocratizada, funcionasse, o desastre não ocorreria. 

Mudanças nos textos legais são necessárias, e o governo federal deverá implementá-las. É preciso sobretudo modernizar tecnologicamente o aparato de licenciamento e fiscalização ambiental. 

Mas há várias outras pontas soltas e constatações de ordem cultural que reclamam atenção. O fato é que a ocorrência de agora precisa ser analisada a fundo. 


Ainda é ignorada a razão do rompimento da barragem. E os esforços de investigação deverão se concentrar nesse ponto, essencial para o deslinde dos fatos. 

Certo é que a disposição física do cenário da tragédia mostrou absoluto desprezo da companhia com todos os itens básicos de segurança e contingenciamento. Alarme que não toca, é porque foi levado de roldão pelo acidente - o que  por si só representa conduta desleixada. 

Outra nota de arrogância que se refletiu na própria disposição das edificações da empresa, construídas no leito potencialmente impactável por um eventual acidente - que veio enfim ocorrer.  

O lema da gestão atual da companhia, "Mariana Nunca Mais", por sua vez, externa a soberba que imperou e impera na governança da Vale, desprezível e criminosa, que marcou e marcará os gestores envolvidos nos dois desastres. 

No Brasil, as tragédias se repetem, ás vezes com os mesmos personagens, porque ninguém realmente parece cobrar eficácia, embora gaste muito dinheiro ostentando eficiência (coisas bem diferentes).

No fundo, há uma coreografia de faz de conta,  chamada síndrome do time-sheet , que acomete pirâmides corporativas como a Vale, e pode ser diagnosticada pela relação contratual exercida com grandes padarias de prestação de serviços de auditoria, consultoria, engenharia e assessoria jurídica, que voam como mariposas em torno dessas empresas. 

Em meio a um luxo dispensável, condutas afetadas e subserviências desprezíveis, uns fornecem o de sempre, outros consomem a mesmice, e todos fingem que atingiram os respectivos objetivos.  No fundo, conselhos terminam não aconselhando, consultorias são contratadas para informar só aquilo que o consulente já sabia e advisers são admitidos apenas para escrever o que o contratante quer ler e dizer somente aquilo que ele quer ouvir.  Um completo autismo administrativo e social. 

Esbanja-se dinheiro em coquetéis, seminários com autoridades, eventos de bajulação explícita, mídia contratada e propaganda.  Quando a barragem rompe, pessoas morrem, danos ocorrem... e o cronômetro do time-sheet volta á estaca zero.

Com efeito, é preciso dar um basta a essas vitrines de ostentação e maquiagem verde. Pois foi isso que se tornaram as "gestões ambientais" corporativas e públicas, todos esses anos.

De todo modo, não há outra saída.  A engenharia, agora,  deve estar empenhada em derivar e obstruir o fluxo da lama de Brumadinho, evitando que atinja reservatórios de água potável à jusante. As tecnologias, a médio prazo, deverão ser repensadas e o sistema de barragens com segregação hídrica será abandonado. 

Voltando à cena trágica... As buscas pelos corpos deverá se intensificar. 

Deveriam ter o apoio de drones, com equipamentos de detecção de anormalidades que indiquem presença de vítimas sob os escombros - tarefa dificílima, face à natureza da lama de rejeitos que tomou conta de toda a área. 

A perícia médica deverá identificar corpos e a polícia civil apurar os desaparecidos.

Assistência social e postos de atendimento médico necessitarão se multiplicar. A demanda será grande, principalmente aos familiares dos desaparecidos.

Uma equipe de elite, incluso polícia técnica, já deveria estar em campo, vistoriando cuidadosamente o local do rompimento da barragem, à procura de todos os indícios que revelem causas da ruptura.

Tudo isso com toda transparência, exceção feita à perícia estrutural, que deverá seguir com toda a discrição, visto às características intrigantes do acidente.

Do exposto, resta decretar a morte da arrogância - a soberba que contamina líderes na área pública e privada e que é responsável pela sucessão de desastres corporativos e ambientais que matam. 

O resto... fica para depois.



LEIA TAMBÉM:


PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, "TRAGÉDIA EM BRUMADINHO - O QUE FAZER 
Hora de vencer a sensação de impotência e arregaçar as mangas!", in https://www.theeagleview.com.br/2019/01/tragedia-em-brumadinho-o-que-fazer.html

"TV CULTURA DEBATE DESASTRE AMBIENTAL DE MARIANA  - O Impacto Ambiental do rompimento da barragem da mineradora Samarco em Mariana - MG, debatido em todos os seus aspectos", in  https://www.theeagleview.com.br/2015/12/tv-cultura-debate-desastre-ambiental-de.html

PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, "CRIME AMBIENTAL - RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA - Natureza econômica do delito e sua investigação", in https://www.theeagleview.com.br/2013/06/crimes-ambientais-afericao-da.html







Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB.  É  Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seja membro do Blog!. Seus comentários e críticas são importantes. Diga quem é você e, se puder, registre seu e-mail. Termos ofensivos e agressões não serão admitidos. Obrigado.