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quarta-feira, 22 de março de 2017

SKYNET DIRIGINDO AS ESTRADAS PAULISTAS?

Grupo Financeiro  vencer licitação para concessão de rodovias é algo como  a Cyberdyne Systems criar uma Skynet para operar concessão de defesa e dispensar os humanos que deveria apoiar...





Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro


O que esperar quando o banco, ao invés de financiar o empreendimento, assume sua direção diretamente?

É o que ocorreu na recente licitação de rodovias paulistas. Não foi empreiteira, não foram escritórios de projeto de engenharia, não foram grupos de concessionárias tradicionais ou internacionais. A proposta vencedora para concessão de um grupo de rodovias em São Paulo foi encabeçada por um fundo de investimentos e participações - o Banco Pátria.

Conforme anunciado pela Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp), o grupo Pátria Infraestrutura - Fundo de Investimentos em Participações, apresentou a proposta vencedora para a concessão das Rodovias do Centro-Oeste Paulista -  o chamado "Eixo Norte-Sul". Com um lance de R$ 917 milhões, o Pátria Investimentos venceu o leilão do lote de rodovias do Centro-Oeste Paulista, um trecho de 570 km quilômetros entre o município de Florínia (na divisa de São Paulo com o Paraná) e Igarapava (limite com Minas Gerais).

A oferta superou 130,89% o valor mínimo de R$ 397,2 milhões estabelecido para a disputa e marcou a estreia de uma gestora de investimentos no segmento de estradas.

Agora, o Banco deverá criar uma outra companhia para administrar os novos ativos. Com a inclusão da concessão das rodovias, o portfólio do fundo III de infraestrutura do Pátria passará a contar com seis empresas, incluindo Argo, Pare Bem (de estacionamentos), Odata (de data centers), Tecnogera (de geradores de energia) e Vogel (de telecomunicações).


"Skynet" assume a operação da rodovia?


Bancos financiarem a infraestrutura é histórico e natural. É dessa forma que bancos cumprem sua função social no capitalismo financeiro, dentro da expectativa de lucro do capital investido. Mais que isso: os bancos investem no conhecimento - razão dos organismos financeiros multilaterais financiarem projetos e análises par aos Estados nacionais.

Porém, bancos disputarem a concessão da infraestrutura para operar o sistema diretamente... é para acender a luz vermelha.

A assunção pelo banco, do papel do empreendedor no capitalismo financeiro, equivale à do governo-provedor no capitalismo de Estado, em ambos os casos, a livre concorrência desaparece e o empreendedorismo morre esmagado pela desproporção do concorrente.

O banco extermina o empreendedor e elimina o risco da livre iniciativa.

Não dá para não fazer o paralelo. Seria algo a  Cyberdyne Systems criar uma "Skaynet" para operar, ela própria, o sistema digital de defesa militar no lugar dos humanos. Ou seja, ao invés de dar suporte, o aportador do suporte resolve assumir a empreitada.

Vamos batizar o fenômeno como o EFEITO CYBERDYNE: o banco assume a concessão, elimina o risco e extermina o empreendedor.


O resultado da escolha da Skynet pela Cyberdyne podemos observar na obra prima cinematográfica “O Exterminador do Futuro”. Já o futuro da escolha do Grupo Pátria pelo governo do estado de São Paulo… o futuro dirá.


Exterminando a livre iniciativa e livre concorrência 


A garantia de proposta pelo trecho, no valor de R$ 4,7 milhões - correspondeu a 1% do valor de contrato, de R$ 4,7 bilhões - englobando investimentos de R$ 3,9 bilhões (sendo R$ 2,1 bilhões nos primeiros oito anos de concessão) e outorga mínima de R$ 795 milhões. As condições de financiamento  foram oferecidas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Elas incluem a participação do banco em até 80% dos itens financiáveis, via emissão de debêntures. Também poderão ser financiados  os investimentos de "Conservação Especial" referentes ao 1º ciclo de recapeamento e restauração de obras de arte especiais do sistema existente. O prazo máximo para parcela do financiamento a custo de mercado pode ser de 10 anos, caso não realizado via emissão de debêntures.

Dadas as circunstâncias do negócio, o espectro resultante chega a ser assustador: BANCO FINANCIANDO BANCO NA DISPUTA COM GRUPOS QUE AMBOS DEVERIAM FINANCIAR...

A desigualdade na engenharia financeira dos projetos é absoluta. Mais grave ainda é verificar que o financiamento público será direcionado para um financiador privado, que se encarregará, com seus parceiros, de diretamente gerenciar uma atividade estruturante, o que praticamente ZERA  riscos financeiros.

Fica praticamente impossível a participação de empresas empreendedoras em certames públicos, se não estiverem estrategicamente associadas a um fundo de investimentos engajado diretamente na operação. Não um fundo que financie - mas que também assuma o risco de operar o empreendimento.


Rodovias paulistas - importante infraestrutura para o cidadão não deveria ser gerida apenas em função do lucro...


Infraestrutura virou atrativo financeiro?


Como o objeto social e a finalidade de um banco é... dinheiro, a preocupação, por outro lado, será com as dúvidas quanto à rentabilidade do negócio e... o custo do mesmo para o cidadão contribuinte, usuário do sistema a ser gerenciado.

Seguindo a lógica do capital financeiro,  o negócio estruturado deverá sem mais vantajosa que o financiamento puro e simples do projeto. O resultado é evidente: a infraestrutura paulista tornou-se financeiramente atrativa e sua rentabilidade pode superar juros bancários.

A lógica é absurda, pois a lógica do ganho pela gestão não segue a lógica do capital financeiro. Por isso mesmo a gestão do bem é perene e sua lucratividade é proporcional ao investimento e ao interesse público em causa, enquanto a operação do capital é ocasional e pode gerar lucro desproporcional ao credor em função das circunstâncias - amortizado com o tempo pelo tomador.

O lote Florínea-Igarapava possui cerca de 570 quilômetros de rodovias, englobando, além da SP-333, trechos da SP-266, SP-294, SP-322, SP-328, SP-330 e SP-351. A disputa se deu pela maior oferta de outorga, sendo o valor mínimo R$ 397,2 milhões relativo à primeira parcela da outorga.

Para suportar essa infraestrutura, a concessão prevê a instalação de oito praças de pedágio ao longo da extensão do lote. Vale dizer, serão construídas mais quatro praças de pedágio além das quatro já existentes - resultando no dôbro de arrecadação.

Por mais que se imagine o interesse estruturante de um fundo de investimentos na administração de uma rodovia, não há como não desconfiar que o foco da atividade, doravante, não mais será a gestão da infraestrutura mas, sim, sua pura rentabilidade. Afinal, o negócio de um banco... é dinheiro.


O  "Efeito Cyberdyne" da Operação Lava-Jato


O Fundo de Investimentos, em nota, afirmou que o setor de concessões no Brasil atravessa "uma fase de mudanças 'muito positivas' e que a rodovia arrematada representa uma 'excelente porta de entrada' no setor".

O "efeito cyberdyne" parece ser a tendência, e representa mesmo a dominação dos grandes grupos financeiros no teatro de operações da infraestrutura, antes comandado pelas empresas de engenharia e departamentos estatais.

O próprio Banco assume o fato. De acordo com o presidente da consultoria BF Capital, Renato Sucupira a intensificação dos fundos de investimento na área de infraestrutura é uma tendência no mercado brasileiro que deverá se fortalecer nos próximos meses em decorrência da Operação Lava Jato, que tirou as grandes empreiteiras das concorrências.   “Acabou a fase das construtoras como protagonistas”, disse Sucupira.

Para Sucupira, os fundos, incluindo o Pátria, entrarão com força também nos leilões de aeroportos e redes de saneamento. “São companhias com visão financeira que contratarão os prestadores de serviço. E deverão formar grandes empresas, como a Arteris - grupo de concessão de rodovias da gestora canadense Brookfield”, afirma entusiasmado.

Óbvio que o despreparo, a baixeza moral e a corrupção sistêmica contaminaram o universo das empreiteiras – um setor que já enfrentava de há muito a cartelização. No entanto, não se combate um cartel contaminado, substituindo-o por outro cartel mais robusto ainda, que prima pela ausência de “riscos” e busca desenfreada pelo lucro financeiro.

A segurança aparente dessa nova engenharia poderá resultar na morte da regulação social, esmagada pelo crédito e pelos juros na outra ponta do sistema.


Ignorância e paralisia


O silêncio na mídia e no governo paulista, quanto ao ineditismo da coisa, é sintomático. Resulta da surpresa e do natural deslumbramento com a performance do grande capital, típicos da submissão ideológica desses dois segmentos. Resulta também da absoluta ignorância do mecanismo que está se erguendo SOBRE a infraestrutura nacional e, principalmente, do encolhimento covarde dos atores políticos em face da indefinição política.

Talvez tenha sido este o motivo da timidez oficial quanto à divulgação do resultado do leilão...

Nesses tempos de reprivatizações e redefinições econômicas, a repaginação imposta no programa de investimentos do governo de São Paulo significa uma grande divisor de águas:
1-  Poderá  reacender as luzes da infraestrutura  sob uma nova dimensão do capital - e nesse sentido a Cyberdyne poderá ter acertado ao ligar o Skynet financeiro para operar o sistema; ou
2- Poderá entregar a infraestrutura nacional à lógica perversa do capitalismo financeiro, transformando o lucro sinérgico em objetivo primário, reduzindo a soberania nacional e o aporte à vida dos cidadãos em objetivo secundário - o cenário ideal para o exterminor do futuro.
Lógico que uma ação tão importante para o futuro decente da nação, como é o caso da operação lava-jato, não pode ser apontada como geradora de danos para a economia nacional. No entanto, os governos esfacelados pela falta de liderança e de pessoas competentes nas áreas estruturantes, pode sim, em função do medo, do envolvimento pretérito de seus quadros com o que hoje se investiga... descuidarem  da condução correta dos rumos de toda essa alteração na engenharia de gestão privada da coisa pública.

Sobretudo, o que nos falta é a regulação. E sem regulação não há como frear a busca pelo lucro sem causa.

Devemos, portanto,  nos preparar. Muito em breve, a Skynet irá mesmo dirigir não apenas as rodovias paulistas, mas a estrutura que suporta o Brasil...





Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e das Comissões de Política Criminal e Infraestrutura da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É Vice-Presidente da Associação Paulista de imprensa - API, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.




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