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sábado, 25 de março de 2017

GOVERNANÇA CORPORATIVA NO ESPETO

Das precipitações das autoridades que investigam à covardia reinante nas empresas investigadas, a má qualidade da governança impressiona...


photo by AFPP



Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro


Da lama de Mariana à picanha fatiada "com papelão" é de impressionar a péssima governança praticada por alguns - senão todos, dirigentes brasileiros.

Se apresentam performance  aparentemente eficiente nas rotinas realizadas dentro da zona de conforto, o desastre se revela  quando o assunto é gerenciamento de crise.


Imoralidade e arrogância

O problema, por óbvio, está na base: a crise moral reinante nas relações corporativas públicas e privadas no Brasil.

Dirigentes e assessores encontram-se desprovidos de cidadania. O foco na crescente qualificação profissional parece ser inversamente proporcional à pífia formação ética, cívica e moral. 

Direções cartelizadas e lideranças sem mérito buscam legitimidade na ousadia. No entanto, a ousadia é a arma do ignorante. E todo ignorante, ao praticar ações temerárias no rol das ousadias, arrisca-se não apenas a conspurcar a imagem da sua corporação como do setor econômico em que se insere.

Quando a corda esticada para além do limite da ética e da legalidade se rompe,  a resposta devida à sociedade decepciona. Geralmente ocorre por meio de campanhas de marketing,  jamais com ações concretas para sanar os danos provocados.

O preço da arrogância é o vexame. Nesse duro momento, costuma ocorrer uma reação sintomática de cumplicidade e des evidente impassibilidade: ninguém é demitido.

Isso tem sido uma constante nas crises observadas no cenário nacional. Não há demissões sumárias ou renúncia a cargos. Ninguém é removido de função. Processos administrativo-disciplinares se arrastam na área pública, enquanto na área privada  todos se encolhem atrás de campanhas de marketing.

Com efeito, se nada é feito, fizeram todos o que fizeram muito bem feito...



O escárnio dos "yes men"


Muitos parecem ignorar que as corporações devem permanecer enquanto as direções se sucedem. Confundem interesses sociais corporativos com interesses da diretoria. Pagam pelo erro a sociedade e a corporação, que a ela deve servir.

Daí a importância da adoção de medidas transparentes e às vezes duras, com relação ao corpo funcional diretamente envolvido em um desastre de governança.

O problema, no entanto,  é o hábito de governantes e líderes empresariais tupiniquins cercarem-se de "yes men" - assessores inúteis pagos para concordar e louvar o seu líder.

Essa massinha de modelar corporativa preenche conselhos inaconselháveis, assessorias e padarias jurídicas cheias de "pãezinhos com brometo" embrulhados em ternos bem cortados, consultorias econômicas turbinadas com ácido ascórbico, assessorias de imprensa vituperantes, departamentos de comunicação social que nada comunicam e um lote enorme de palpiteiros de tendências óbvias.  "Yes men" para todos aqueles que primam pelo que é obviamente errado.

Não se pode esquecer também da nova moda: os "compliances de formulário", apêndices burocráticos inócuos que não previnem nem impedem a corrupção, embora atormentem fornecedores e executivos incautos que com eles se envolvam.

Ninho de celerados de grife, alimentados pelo pássaro da vaidade, a praga dos "yes men" é a desgraça da governança corporativa, no setor público e no setor privado.   

É a tragédia humana do mundo corporativo que já batizei de  "Pirâmide da Arrogância". 

A pirâmide da arrogância é expressão do egocentrismo corporativo. Substitui o valor moral pelo utilitarismo amoral,  focado no resultado financeiro. Retira conteúdo à ética, tornando-a elemento decorativo para campanhas de marketing -  isca para os incautos. 

Nessa espiral em direção à entropia, o vértice da pirâmide só vislumbra o que quer - não o que há. Relações corporativas e contratos com terceiros, nesse diapasão,  refletirão apenas o que  o vértice dita,  não o que a realidade apresenta.  Assim, o talento é substituído pela bajulação.  

"Compromisso com o meio ambiente",  SGA (governança social e ambiental), "responsabilidade sócio ambiental" e compliance, tornam-se termos vazios, meras pirotecnias gerenciais. 

É nesse “autismo social” que se produz a miragem da impunidade.

Com a crise da Operação Carne Fraca, no entanto, os celerados de grife terminaram assados no espeto e servidos fatiados na mesa do consumidor brasileiro. 

Os comensais internacionais, no entanto, não os engoliram, e isso está causando um prejuízo incomensurável à economia brasileira.

A governança nacional pagou o pato e entrou literalmente no espeto.


Governança no espeto

Em trinta e sete anos de profissão poucas vezes pude presenciar gestão de crise tão mal conduzida como a relacionada à gestão dos efeitos da Operação Carne Fraca. 

Embora a seleção não se esgote, vale a pena enumerar a sucessão de erros que puseram a governança no espeto a partir da Operação: 

1- A Polícia Federal e o Ministério Público, após anos de investigação, deflagraram a operação contra frigoríficos e funcionários públicos, sem no entanto cuidar de organizar comunicação condizente com os efeitos econômicos das ações empreendidas. Embora cumprisse com seu dever, precipitaram-se em divulgar informações imprecisas, beirando a leviandade.

2- Em verdade, a questão só foi esclarecida com o pronunciamento do magistrado encarregado do processo, que delimitou o objeto em causa, que nunca foi a má qualidade dos produtos e sim a corrupção envolvendo fiscais e dirigentes.

3- O governo foi atingido no seu primeiro escalão - com o próprio Ministro da Justiça, que jurisdiciona a PF, apontado nas gravações criminosamente divulgadas. No entanto, ao invés de afastar o Ministro (e isso não indicaria assunção de culpa), tratou o governo de informar que dita autoridade "não iria interferir nas investigações", paralisando a ação disciplinar sobre os agentes policiais. A hesitação inicial só não foi pior porque o Ministro da Agricultura tomou a frente da situação, seguido do próprio Presidente Temer.

4- No esforço de "marketing institucional", o chefe do executivo federal, visando conferir confiabilidade à carne brasileira, leva embaixadores e empresários para comer em uma churrascaria que se orgulha de só servir carne URUGUAIA e AUSTRALIANA... e não demite o assessor palpiteiro que sugeriu a lambança;

5- Os maiores grupos frigoríficos do país, com diretores sob a mira da ação policial, por sua vez, deram um show de ausência de credibilidade, incapacidade de reação comercial e covardia institucional, pois:
A) Limitaram-se a divulgar notas para a imprensa (obviamente redigidas por advogados). Não fizeram, de cara, o recall de produtos como prova de confiança - assumindo o prejuízo inicial para  evitar os gravíssimos efeitos sinérgicos;
B) Os dirigentes não mostraram a cara. Assumiram a carapuça de covardes e arrogantes pois não tiveram a dignidade de olhar nos olhos do público consumidor, para reconhecer o problema, informar providências e pedir a confiança da população. Ignoraram que a humildade é a maior prova de coragem;
C) Esconderam-se todos nas barras da calça do governo, como fazem crianças travessas quando denunciadas na presença dos pais. Não buscaram os parceiros, articularam com distribuidores ou montaram linha direta - usando call centers, para esclarecer os consumidores. Não fizeram o que deviam e obrigaram o Presidente da República bancar seu garoto-propaganda. Transformaram  o Ministério do Exterior em "SAC - serviço de atendimento ao consumidor" - e quem paga a conta é o cidadão;
D) Usaram seus funcionários e colaboradores como "escudo humano". Expuseram na TV a face de gente inocente, ameaçada de demissão, em propagandas piegas com fundo musical infantilóide, lendo um texto tipo "conversa mole para boi dormir" - o que irritou ainda mais a população exposta ao risco do consumo de produtos inadequados.
6- A classe política e a mídia perderam-se nas indefinições quanto a vitimizar frigoríficos fraudadores, glamorizar autoridades levianas, acusar complôs internacionais e discorrer sobre as maravilhas do ácido ascórbico.

7- Ninguém, absolutamente, observou que o Presidente viu-se obrigado a agir por ter à sua retaguarda um governo em frangalhos, à frente o descrédito, abaixo uma assessoria incompetente e ao seu lado um empresariado covarde.

Pior que identificar carne estragada, portanto, foi verificar como é podre de ruim a assessoria dessa turma...

Portanto, se a gestão da crise foi "de vomitar"... está na hora de vomitar a má governança e tirar grandes lições do episódio da sucessão de erros. 

Humildade é a chave do aprendizado.






Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e das Comissões de Política Criminal e Infraestrutura da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É Vice-Presidente da Associação Paulista de imprensa - API, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.









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Um comentário:

  1. Realmente a crise de governança se dá em todos os âmbitos.Humildes esforços não trarão mudanças. É preciso investimento institucional a favor da moral, ética e integridade. Só assim poderemos falar em sustentabilidade. Ponto de vista de águia!

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