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quarta-feira, 29 de março de 2017

A RAVE DO MEIO AMBIENTE

Balada da discórdia inclui secretaria de meio ambiente, animais do zoo, trilhos da Moóca e ambientalistas 


Jardim Botânico – onde a secretaria de meio ambiente autorizou uma rave de música eletrônica…


Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro


Só podia ser no 1º de Abril…


A Secretaria de Meio Ambiente do Governo do Estado de São Paulo, autorizou o uso do  Jardim Botânico de São Paulo para uma Rave de fim de semana. o Jardim é vizinho e integrante do sistema do Parque Estadual Fontes do Ipiranga (chamado PEFI), uma unidade de conservação de proteção integral.

A balada  autorizada foi a  “Tropical Tunes 2 anos”, que pretendeu reunir milhares de pessoas  no primeiro de abril, ao som de música eletrônica ao longo de toda a noite de sábado e madrugada de domingo. o Evento é uma rave de grandes proporções – ou seja, um megaevento.

A falta de transparência – que parece ser a marca dos conflitos envolvendo a atual gestão da secretaria  – marcou mais esse embrulho ritmado em bits.

A reação violenta de ambientalistas e funcionários da Secretaria de Meio Ambiente não tardou a ocorrer e o evento, bem como a autorização do secretário, foram parar “nas nuvens” do ciberespaço, sem qualquer definição.

Na página do Tropical Tunes não consta mais o local do evento, informando apenas um “em breve” ao invés do endereço. O endereço, no entanto, ainda consta em várias outras referências da Rave, nada indicando que ela irá se produzir em outro local.

Há mapas do Tropical Tunes indicando um galpão na região da Av. Faria Lima, outro na Mooca… e há também, um texto na página do evento, no Facebook, para lá de ambíguo, nos seguintes termos:

“Munidos das melhores intenções possíveis, buscando valorizar e trazer recursos para o Jardim Botânico, optamos por realizar a Tropical Tunes no local, em um espaço que já recebeu diversos eventos antes do nosso. Seguimos todos os tramites legais e estamos amparados por um termo de permissão de uso de área púbica firmado com a Secretaria do Meio Ambiente.
Ainda assim, em respeito as manifestações contrárias à realização do evento no Jardim Botânico, e principalmente por termos nos aprofundado e tomado ciência dos temas abordados, em especial aos que dizem respeito aos macacos Bugios, que vivem no local, optamos por MUDAR DE ESPAÇO.
Saber que os macacos Bugios vivem livremente em seu habitat natural, nos dá o dever de ajudar a protegê-los.
Diante disso, manteremos o conceito que nos motivou a idealizar esse projeto “Salve a Mata Atlântica”, porém levaremos a Tropical Tunes para o espaço ‘Nos Trilhos’.”
Com certeza, “nos trilhos” o evento já deveria ter sido organizado desde o início… ainda mais pelo detalhe constante no logo da Rave, que não quer calar: “salve a mata atlântica”.

O evento é absolutamente incompatível com a destinação do bem público  onde foi autorizado a ocorrer e impactante para todo o entorno: um Jardim Botânico – destinado ao descanso e à contemplação. Com relação ao entorno, então, a autorização de uso  do Jardim Botânico e a própria licença da atividade configuram óbvio conflito.

Assim, a indefinição de local, a autorização dada e não revogada e o “engajamento” ambiental dos organizadores (decidindo pôr a rave nos trilhos), virou mais uma “pegadinha de 1º de abril”.

Mas o mundo da não verdade de Donald Trump, parece contaminar a "nova direita" incrustada no gabinete da Secretaria do Meio Ambiente. Procurados por jornalistas, o dirigentes informam que não deram autorização nenhuma, embora os organizadores da Rave informem mantê-la sobre a mesa e o diário oficial não mentir a respeito.

Não é questão "de direita" ou "de esquerda" e  sim de Direito...

Secretaria, ambientalistas, organizadores, animais silvestres e consumidores baladeiros entraram todos na dança da falta de transparência…


Ricardo Salles, o cultivador de conflitos, mais uma vez privatizando o uso dos parques...



Balada incompatível


Não bastasse o fato do plano de manejo do PEFI  deixar claro a incompatibilidade do “putch putch” de uma rave com o local,  o segundo vizinho do evento, a Fundação Jardim Zoológico, por si só já seria motivo para que o órgão tutor do meio ambiente paulista negasse, não concedesse a licença.

Seria mesmo uma “pegadinha” alusiva à data, não  estivesse hoje à frente da secretaria de meio ambiente o  Secretário Ricardo Salles – um colecionador de conflitos sem qualquer ambiente na secretaria que comanda.

 O PEFI possui um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica de Planalto, dentro da cidade de São Paulo e na divisa com o Município de Diadema, e é o único abrigo para diversos animais  migratórios e ameaçados de extinção – fonte de alimentos e possibilidade de sobrevivência no meio da urbanização paulistana. Como unidade de conservação de proteção integral,  seu objetivo básico é a “preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico” (Artigo 11 da Lei Federal  9.985/2000).

Não por outro motivo, talvez para gaudio do Secretário Salles, que não economiza energia para cultivar conflitos, a grita ambientalista  atingiu os mesmos decibéis da “balada forte” (e cara…) autorizada na unidade de conservação e, aparentemente, desviada para Os Trilhos.

O drama é complexo. Mistura reacionarismo conservador e discurso natureba com a constatação efetiva de que alguém na área técnica comeu barriga no processamento das licenças devidas pelo evento.

Não se trata de “bla bla bla” natureba – como querem os rapazes da “nova direita” – facção do Secretário Salles que comanda a cúpula da secretaria. A construção dos palcos e pistas de dança  para as dezenas de milhares de participantes no evento não condiz absolutamente com a finalidade institucional do bem público em causa e, para piorar, há um problema geográfico inafastável: a proximidade com local de confinamento de fauna – que não pagou ingresso para ouvir o “putch putch” do ritmo bate-estaca da rave.

O episódio envolvendo a “Tropical Tunes” não é novo. Já houve precedente tratado aqui mesmo neste Portal*, na cidade do Rio de Janeiro. Lá, após a prefeitura ter autorizado  uma rave eletrônica no Jardim Botânico carioca, o Ministério Público federal não hesitou em solicitar, e a Justiça embargar, o evento, obrigando seus organizadores a promoverem a balada onde ela deveria desde o início ter ocorrido – em lugar apropriado.

No caso carioca, a solicitação da liminar foi baseada em laudo do IBAMA, de que o evento musical acarretaria danos e até possíveis mortes por stress aos animais do zoológico, que ficava a 500 metros do local do festival. No caso paulista, além da vizinhança do zoológico, ainda há o Parque de Preservação Integral e o  Zoo Safári, conhecido com o nome original de “Simba Safari” – entidade particular que guarda em áreas abertas uma infinidade de animais soltos para visitação por automóveis…

Convite para a Rave... Salvar o que?


Mais uma vez, aprovações no rolo compressor


A falta de transparência, mais uma vez, como em conflitos anteriores envolvendo a mesma autoridade,  constituiu o modus operandi da questão.  A autorização do secretário para a balada foi “informada” aos que trabalham e estudam na Unidade de Conservação às pressas e com poucos detalhes.  Sem análise da compatibilidade legal, ambiental ou mesmo estrutural.

Segundo técnicos ouvidos em off  (represália administrativa, na SMA, virou norma…),  nem mesmo se sabia se haveria capacidade de suporte à quantidade esperada de participantes.

Para se ter uma ideia do contraste, fragmentos de vegetação e lagos intensamente e historicamente estudados por pesquisadores e alunos da pós‐graduação do Instituto de Botânica de São Paulo, teriam sua integridade exposta a risco face ao comportamento idiossincrático ocorrente a vários dos frequentadores nesse tipo de evento.

Na verdade,  o  Jardim Botânico de São Paulo é somente uma das 9 unidades administrativas presentes no interior do PEFI, nenhum deles compatível com os altos decibéis relacionados ao evento, que foi autorizado sem  um estudo dos impactos potenciais à fauna e, até o momento do fechamento deste artigo, ainda está em vigor.

Segundo o organismo AVAAZ, que hospeda abaixo-assinado com milhares de assinaturas contra a realização da balada, “não há notícia de a realização da rave ter sido aprovada pelo CONDEPEFI”- o Conselho de Defesa do Parque das Fontes do Ipiranga, composto por representantes de todas as unidades administrativas que compõe a unidade.

O impressionante e perverso em todo esse conflito, foi a  privatização do uso de bens públicos incompatíveis para atividades rentáveis dessa espécie quando há, não apenas na própria cidade de São Paulo como nas cidades vizinhas – a exemplo de Itú, locais públicos e privados, de uso consolidado para eventos dessa natureza, constantemente avaliados pela própria agência ambiental paulista, a CETESB.

Por tudo isso, nada, absolutamente nada, justifica a autorização fornecida pela Secretaria de Meio Ambiente para a RAVE em questão, a não ser a atração fatal do Secretário Salles pelo “putch puch” do conflito…

A "síndrome de Jellystone" - o parque que o caricato Prefeito Brown quer de toda forma privatizar, no filme do Zé Colmeia, atingiu mesmo a Secretaria. Mas a cura tem se dado pela reação do organismo, da sociedade e do Ministério Público.

Que tudo, agora, entre Nos Trilhos…




Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e das Comissões de Política Criminal e Infraestrutura da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É Vice-Presidente da Associação Paulista de imprensa - API, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.



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