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sábado, 18 de fevereiro de 2017

JELLYSTONE NÃO É AQUI

Crise  envolvendo Ricardo Salles lembra o Filme do Zé Colmeia

Ações da secretaria de meio ambiente lembram passagens do filme Zé Colmeia



Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro




Não surpreende


O Ministério Público paulista anunciou abertura de inquérito de improbidade administrativa arrolando o Secretário do Meio Ambiente do Estado, Ricardo Salles e duas outras funcionárias da Secretaria. A suspeita é de interferência indevida no processo de elaboração do plano de manejo da APA da Várzea do Tietê. O imbróglio, no entanto, pode ser a ponta de um iceberg - celeumas na gestão  de um secretário sem ambiente no local que administra.

Uma indicação complicada trilha por caminhos piores. Essa lição já deveria ter sido aprendida por Geraldo Alckmin.

Já havíamos alertado para a possibilidade de problemas meses atrás, em outro artigo premonitório*. Assim, o que agora noticiam os jornais não surpreende politicamente o governador.

A questão investigada pelo MP inclui organismos privados, como a FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e envolve  a adulteração dos mapas e minutas do zoneamento da área de proteção ambiental da várzea do Rio Tietê, que corta a Região Metropolitana de São Paulo. 

Ao que noticia o órgão do Ministério Público paulista, o gabinete da secretaria teria tratado de "compatibilizar" o zoneamento proposto para a Várzea, com atividades minerárias e industriais - contrariamente às justificativas técnicas já constantes do procedimento. Para tanto teria ocorrido adulteração de mapas e minutas  após terem sido os documentos originais aprovados pelo Conselho Gestor da APA (Área de Proteção Ambiental) do Tietê. Executadas as mudanças, o gabinete teria encaminhado os documentos à aprovação do Conselho Estadual do Meio Ambiente - CONSEMA, consolidando administrativamente a fautoria.

Muitas das áreas definidas como ZCM  no mapa original, foram modificadas para ZONA DE REORDENAMENTO SOCIOAMBIENTAL E DA PAISAGEM (ZRAP). Ao contrario da ZCM, a ZRAP permite a expansão urbana. Ou seja, enquanto  é cediço que há necessidade de parar a expansão urbana no leito do Rio Tieté e restaurar áreas  verdes visando recuperar o mínimo de permeabilidade e evitar as grandes enchentes que ali ocorrem, Salles, segundo a denúncia, ignora tudo para beneficiar empresários locais e  até especuladores imobiliários. 

A manobra, ao que apurou o MP,  envolveria assédio à funcionários e pressão para que as alterações não fossem reveladas antes de aprovadas no CONSEMA.  A pressão motivou pedido de demissão do coordenador do Setor de Geoprocessamento e Cartografia da Fundação Florestal, Victor Godoy da Costa. 

O MP apresentou emails trocados e relatos de reuniões dos agentes públicos com representantes da FIESP, indicando que as alterações foram esboçadas atendendo a demandas de associados da federação. Os esboços foram entregues  aos técnicos da Fundação Florestal - mapas anotados a caneta e post-it indicando o que deveria ser alterado.

O Secretário nega interferência e reivindica a prerrogativa de decidir sobre os assuntos complexos e não seus subordinados. Afinal, o cargo de secretário é de Salles, não da burocracia da Secretaria.

Como já dito antes, o Secretário é jovem, impulsivo e convicto de suas ações no campo ideológico. Por óbvio que iria, está e continuará batendo de frente com uma burocracia  cuja afinidade ideológica com ele é zero.  A visão privatista que transparece no secretário, não coaduna com a visão de comando e controle do aparato ambiental paulista.  De tal forma que um choque de gestão como o pretendido por Salles pode resultar, como de fato já resulta, em profundos equívocos de conduta ou intenções. 

É o caso do  conflito em tela. O relato dos fatos no inquérito parecem ter sido extraídos do roteiro do filme "Zé Colmeia", tamanha a sucessão de fautorias executadas em cima de áreas de preservação, visando favorecer o capital privado - seja para o bem ou para o mal.

O fato revela  o divórcio do secretário com o organismo que deveria dirigir. 


Secretário preside sessão do CONSEMA em São Paulo
(foto de Ricardo Anderáos)


Um Secretário sem ambiente


Os atritos do indicado político do PP com a área técnica da Secretaria de Meio Ambiente  não são gratuitos. Decorrem do que parece ser o cumprimento de uma operação de desmonte do sistema de gestão ambiental paulista. Não é pouco, pois a estrutura  de gestão ambiental paulista é considerada a quinta maior do mundo em abrangência e eficiência.  

Há método nesse desmonte. Essa batalha do governo paulista contra suas instituições de gerenciamento ecológico só  é comparável ao pretendido pelo governo de Donald Trump, em relação à Agência de Proteção Ambiental norte americana.

A questão, portanto, não parece ser de improbidade - como querem os que reagem às mudanças pretendidas, mas sim um choque de posturas ideológicas. Salles é um privatista convicto. Não tolera (talvez com alguma razão) uma máquina burocrática retro-alimentada por ciclos repetitivos de medidas administrativas que não levam a lugar algum.  Talvez por essa razão, Salles já havia tentado interferir na cereja do bolo ambiental paulista, a CETESB. Deslocou gabinetes e misturou departamentos da agência pelos andares do prédio que a ela pertence, do qual a secretaria é mera inquilina.

A rede de intrigas levou o presidente da companhia a pedir demissão. Porém, o governador não permitiu ao secretário que se envolvesse na indicação do sucessor, preservando a a autonomia da agência.

Com o Instituto Florestal e Fundação Florestal, no entanto, o caso foi diferente. Salles, após vistoriar as sedes das entidades e constatar "a total falta de controle sobre as atividades ali realizadas", dizimou a estrutura dessas organizações - transferiu funcionários e sedes, de forma a deixá-los literalmente sob suas vistas. Visando conter gastos, baixou normas de restrição orçamentária e designou seu secretário adjunto como "guarda de trânsito", monitorando o tráfego de serviços por meio da aprovação de pequenas verbas.

O conflito começa, agora, a produzir seus efeitos.


Detalhe da mensagem deixada pelo Secretário em seu Instagram.
Comentário público desairoso de uma autoridade em conflito com a máquina que administra...




Mais uma improbidade?


Em socorro das instituições, os ex-diretores do Instituto Florestal  encaminharam ao Governador Geraldo Alckmin uma dura manifestação contra o Secretário, requerendo fossem anulados os atos de Ricardo Salles e nomeada uma comissão de notáveis para praticamente intervir na Secretaria de Estado do Meio Ambiente.

Ante a gravidade e seriedade do fato, o Secretário agiu com agressividade. Declarou na sua rede social predileta que "quando a gente abre a tampa do bueiro e joga inseticida, sai barata correndo para todo lado".  A manifestação anexava uma foto do manifesto dos ex-diretores do Instituto Florestal. 

A reação dura, entretanto, não parou no Instagram. A Secretaria encaminhou e tratou de articular abertura de inquérito policial contra os ex-diretores do IF, acusando-os de "falsificação de selo ou sinal público", relacionado ao uso de um carimbo em uma carta nitidamente particular, endereçada à mais alta autoridade do Estado.

A ação da secretaria, no fragor do conflito, foi precipitada - pois o "selo" em questão, contido no manifesto, se resume a um carimbo histórico do IF, que não representa mais o selo oficial da autarquia há décadas. Ou seja, além de arbitrária, a atitude oficial ignorou os símbolos em uso no sistema de gestão ambiental paulista.

O esforço para abrir inquérito policial, por si só, fez a festa dos que reagiam às mudanças pretendidas e já poderia justificar, segundo estes, nova investigação do Ministério Público por improbidade administrativa contra a atual gestão na secretaria.

Porém, o pior não está nos atritos funcionais. Está no choque de visões ideológicas. 


 Semelhança coincidente? Os vilões de "Zé Colmeia" - o Prefeito Brown (Andrew Daly) e seu assessor puxa-saco (Nathan Corddry), são privatistas caricatos.

"Jellystone" é aqui?


No final de 2016,  a Secretaria de Meio Ambiente baixou  o CHAMAMENTO PÚBLICO Nº 01/2017/GS - PROCESSO 10.108/2016, contendo Termo de referência visando a prospecção de interessados emn concessão de uso ou aquisição de áreas, no todo ou em parte  de unidades administradas pelo Instituto Florestal.

O edital afirmava que as áreas de proteção ambiental poderiam "ser melhor manejadas por meio de sua concessão de uso ou alienação ao setor privado". 

Informava ainda o Termo: 

"Com bases nas autorizações legislativas, a Secretaria do Meio Ambiente busca parcerias para concessão de uso destas unidades, visando a exploração comercial madeireira ou de subprodutos florestais associada a melhoria de gestão, manejo florestal e conservação ambiental, ou ainda, interessados para sua aquisição, no todo ou em parte. "
O Termo, para os técnicos do IF soou algo como rifar as áreas e eliminar o IF. 

Segundo uma importante autoridade que não quis se identificar, "o que deveria ser a base para um sistema sólido de proteção da biodiversidade paulista vai, inconstitucionalmente, ser destruído".

De fato, a "autorização legislativa" para o "Termo" em referência, não possui o alcance pretendido no documento emitido pela secretaria. Tanto assim é que ditas "autorizações legislativas" sequer constam enumeradas e nominadas - fato obrigatório, tratando-se de um termo de referência para chamada pública de interessados.

A "rifa" de áreas florestais do Estado de São Paulo, levando em consideração o choque ideológico provocado pelo gestor da Secretaria, segue uma parábola cinematográfica similar á do filme do "Zé Colmeia".

O filme, aliás, parece ter se alimentado da base doutrinária do governo privatista de Donald Trump - igualmente em choque profundo com o sistema de proteção ambiental norte-americano.

A comédia cinematográfica, pelo visto, e por isso mesmo, resume de forma farsesca a crise de gestão do governo do estado - ou pelo menos serve para demonizar a visão privatista de seu secretário, como se ele fosse daqueles que assistem o filme e, no entanto, vibram com a performance do vilão...

A sinopse do filme Zé Colmeia é reveladora:

O parque Jellystone, casa de Zé Colmeia e Catatau, há dez anos não trazia "lucros". Devido a isto, o prefeito Brown resolve fechar o parque e vender suas terras para especuladores e madeireiras, de forma a incentivar sua campanha para governador. Ao saber disto, Zé Colmeia e Catatau unem forças com o guarda Smith e Rachel - uma cineasta que está rodando um documentário no parque, na tentativa de encontrar uma saída para salvar Jellystone.

O filme é hilário. Já a versão paulista... não é comédia e, sim, drama.

Para os técnicos do sistema, atingidos diretamente pelas medidas  pretensamente saneadoras e claramente privatizantes de Salles, é hora de acabar com o "show" e remover o secretário "Brown", antes que o conflito ganhe proporções a ponto de atingir o próprio Governador Geraldo Alckmin.

São Paulo, de toda forma, não é "Jellystone".



* Leia também Sem Ambiente na Secretaria do Meio Ambiente




Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, das Comissões de Política Criminal e de Infraestrutura e Sustentabilidade da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É membro do Conselho Consultivo da União Brasileira de Advocacia Ambiental, Vice-Presidente Jurídico da Associação Paulista de Imprensa - API,  Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.


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