Reconhecimento social ou vaidade oficial?
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
MUTLEY! FAÇA ALGUMA COISA!...
Em alguma fase da vida, por sorte ou merecimento, nos deslumbramos com nosso próprio protagonismo.
Achamos, por vaidade, ser merecido todo afago ao ego inflado... ainda que seja um mero grampo colado a uma lustrada medalha. Nos orgulhamos e, também, nos fragilizamos com isso.
A vaidade é mesmo um sentimento com efeitos pecaminosos sinérgicos. Cobre de culpa quem a sofre, de inveja quem ambiciona tê-la, de tristeza quem não teve motivos para experimentá-la e de orgulho aqueles que, por vaidade, ostentam não senti-la.
O ato mais corajoso, no entanto, é o de reconhecer o mérito de outrem. Algo cada vez mais raro.
A interação desses fenômenos ocorre nos momentos em que recebemos um título ou honraria. Passados os anos, olhando para a foto, nos sentimos parte daquele velho desenho animado do cãozinho Mutley ("Medalha! Medalha! Medalha!) e... também, um pouco vítimas das travessuras do "vilão" Dick Vigarista... na "Corrida Maluca" que representa os tempos atuais...
A vaidade é mesmo um sentimento com efeitos pecaminosos sinérgicos. Cobre de culpa quem a sofre, de inveja quem ambiciona tê-la, de tristeza quem não teve motivos para experimentá-la e de orgulho aqueles que, por vaidade, ostentam não senti-la.
O ato mais corajoso, no entanto, é o de reconhecer o mérito de outrem. Algo cada vez mais raro.
A interação desses fenômenos ocorre nos momentos em que recebemos um título ou honraria. Passados os anos, olhando para a foto, nos sentimos parte daquele velho desenho animado do cãozinho Mutley ("Medalha! Medalha! Medalha!) e... também, um pouco vítimas das travessuras do "vilão" Dick Vigarista... na "Corrida Maluca" que representa os tempos atuais...
A ideia aqui é convidar o leitor à reflexão sobre a utilidade e a validade das honrarias na crise de valores do mundo em que vivemos.
Todo mundo tem seu mérito. Na vida, porém, cuidamos de reconhecer méritos e, também, premiar quem possivelmente não os tenha.
HONRA COMO EXPRESSÃO BUROCRÁTICA
Platão dizia na República, que “a mais grave das injustiças é não ser justo e, todavia, parecê-lo”.
Platão dizia na República, que “a mais grave das injustiças é não ser justo e, todavia, parecê-lo”.
Um peito cheio de medalhas é motivo de orgulho. Porém, por si só, isso não tem significado algum. Pode apenas revelar conexões políticas do homenageado, ou expressar seu status funcional.
O mérito dificilmente se expressará tão somente pela figura.
O mérito dificilmente se expressará tão somente pela figura.
Dom Quixote de la Mancha recomendara a um interlocutor candidato a um premio de literatura: "se são de justa literária, procure Vossa Mercê alcançar o segundo prêmio, porque vos será dado por mérito. O primeiro lugar, decerto já estará reservado para algum fidalgo".
Dom Quixote, "O Engenhoso Fidalgo" de Miguel de Cervantes , mostrava compreender o complexo mundo das honrarias civis e governamentais.
A propósito cito aqui um velho amigo que muito admiro, o arquiteto Júlio Neves, histórico presidente do Museu de Arte de São Paulo e grande idealizador das Operações Urbanas, o qual, apontado como o melhor arquiteto de sua era, respondeu ser apenas "o segundo melhor arquiteto". Indagado do porquê da segunda colocação, respondeu: "em primeiro lugar, têm uns dez mil..."
Reconhecimentos á parte, de fato, ordens de comendas, medalhas, colares, cordões, diplomas, graus, faixas e títulos sempre foram honrarias presentes na história da humanidade. Têm origem na nobreza, e sempre foram determinadas também pela honra militar. Distinguiam o mérito pessoal, a coragem, e representavam os valores do guerreiro e sua lealdade.
A outorga da honraria expressava historicamente uma forma de reconhecimento social. Um título de nobreza era conferido àquele que tivesse mérito reconhecido pelo soberano. Assim, um plebeu tornava-se cavaleiro, o cavaleiro barão, o barão visconde, o visconde, conde e o conde, duque. Nos regimes republicanos as comendas, nos graus de cavaleiro, oficial, grã-cruz, colar etc., correspondem aos antigos graus monárquicos.
A propósito cito aqui um velho amigo que muito admiro, o arquiteto Júlio Neves, histórico presidente do Museu de Arte de São Paulo e grande idealizador das Operações Urbanas, o qual, apontado como o melhor arquiteto de sua era, respondeu ser apenas "o segundo melhor arquiteto". Indagado do porquê da segunda colocação, respondeu: "em primeiro lugar, têm uns dez mil..."
Reconhecimentos á parte, de fato, ordens de comendas, medalhas, colares, cordões, diplomas, graus, faixas e títulos sempre foram honrarias presentes na história da humanidade. Têm origem na nobreza, e sempre foram determinadas também pela honra militar. Distinguiam o mérito pessoal, a coragem, e representavam os valores do guerreiro e sua lealdade.
A outorga da honraria expressava historicamente uma forma de reconhecimento social. Um título de nobreza era conferido àquele que tivesse mérito reconhecido pelo soberano. Assim, um plebeu tornava-se cavaleiro, o cavaleiro barão, o barão visconde, o visconde, conde e o conde, duque. Nos regimes republicanos as comendas, nos graus de cavaleiro, oficial, grã-cruz, colar etc., correspondem aos antigos graus monárquicos.
Porém, na era moderna, a honraria tornou-se uma expressão burocrática. O mérito parece ter abandonado a cerimônia e o critério de "celebridade" passou a independer dos valores tradicionalmente apostos para o reconhecimento oficial, tornando-o secundário.
MUTLEYS GOVERNAMENTAIS
No Brasil, um país cartorial por natureza, os "mutleys governamentais" confirmam a burocratização das honrarias.
Em terras "tupiniquens" todos os ramos do serviço público convivem com sistemas burocráticos de honrarias - Poder Executivo, Legislativo e Judiciário. Centenas de instituições privadas também seguem a mesma fórmula.
Na Administração Pública, no Brasil e em muitos outros países, algumas honrarias tornaram-se "de distribuição compulsória" - ou seja: não importando o mérito, devem ser outorgadas em datas legalmente previstas e constar obrigatoriamente do paramento do funcionário público investido em determinado cargo. Nada expressam, portanto, de honrado, a não ser a impessoalidade do cargo burocrático do outorgado.
Em tese, sempre poderia haver quem se negasse a participar da pantomima. O problema das honrarias, porém, é que dificilmente um indicado recusará a homenagem, seja por vaidade ou por polidez.
No Brasil, o espetáculo é de impressionar. Há condecorações a rodo, instituídas pela Presidência da República, Ministérios, Senado, Câmara dos Deputados, assembleias legislativas, câmaras municipais, Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Militar, polícias civis, guardas municipais, Tribunais de Contas, Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, tribunais dos estados, tribunais militares, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunais Regionais do Trabalho e Ministério Público.
As indicações, não poucas vezes são inacreditáveis. Algumas, de tão polêmicas, já chegaram a suspender a distribuição posterior da honraria.
Se há honrarias subdivididas em classes - tal qual rezava a tradição das antigas ordens de cavalaria, no caso da risível Administração Pública tupiniquim essas ordens tornam-se objeto de conflitos burocráticos e ferrenhas disputas políticas. Chega-se ao limite do absurdo de se estabelecerem critérios aristocráticos de mérito.
Por exemplo: em alguns casos, os outorgados, por mais dignos que sejam da mais alta honraria, serão sempre homenageados com uma "comenda de 3ª classe", por conta de seu status subalterno no escalão burocrático, enquanto outros, sem qualquer mérito, receberão ordens de classe superior, estabelecidas por critérios eminentemente políticos ou de conveniência.
Há também casos em que são distribuídas medalhas, comendas e colares por simples acúmulo de tempo de serviço ou natural promoção. Ou seja, por aqui há o "mérito por decurso de prazo".
Pior espetáculo é o da bajulação oficial ostensiva à investidura.
Há medalhas conferidas a cidadãos, pelo simples fato de se encontrarem ocasionalmente em determinado cargo no momento da indicação. Assim, ministros, comandantes, magistrados, secretários, deputados e senadores, são condecorados com pompa e circunstância por serem... "ministros, comandantes, magistrados, secretários, deputados e senadores" (sic).
Há medalhas conferidas a cidadãos, pelo simples fato de se encontrarem ocasionalmente em determinado cargo no momento da indicação. Assim, ministros, comandantes, magistrados, secretários, deputados e senadores, são condecorados com pompa e circunstância por serem... "ministros, comandantes, magistrados, secretários, deputados e senadores" (sic).
É o caso de se questionar quantas vezes a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, ou o Ministério da Justiça, por exemplo, receberam uma mesma medalha, conferida por uma mesma autoridade, variando apenas o ocupante eventual do cargo na entidade outorgada.
Convenhamos, não há qualquer traço de republicanismo no festival de outorgas de medalhas e honrarias burocraticamente estabelecido em território brasileiro, nessas circunstâncias.
Trágico, então, são as nomeações para "panteões de heróis", de políticos sem qualquer heroísmo, ou mesmo de marginais convenientemente ideologizados, conspurcando o panteão indicado, como já observamos no Brasil tucano ou lulopetista...
COMENDAS NÃO GOVERNAMENTAIS
Me afeiçoo, por tudo isso, às condecorações no âmbito privado - Igreja, Maçonaria, Lions, Rotary, Associações Comerciais, Culturais, Industriais dentre um sem número de outros órgãos e entidades não governamentais - muitas das quais já me outorgaram honrarias que polidamente recebi ou nelas tratei de conferir a outros.
Organizações não governamentais também possuem seu rol de honrarias a distribuir, várias delas oficializadas, ou seja, reconhecidas pelo próprio Poder Público como tal.
Claro que, no campo privado, o mercado de vaidades, a bajulação e interesses menores também vigoram. Em meio aos méritos, há quem também receba e até "pague a joia" pela honraria recebida.
Porém, constrangimentos à parte, ao contrário do Poder Público, não é o contribuinte quem paga a conta da festa. Os pecados sociais em causa são privados.
Porém, constrangimentos à parte, ao contrário do Poder Público, não é o contribuinte quem paga a conta da festa. Os pecados sociais em causa são privados.
QUAL O SENTIDO DA HONRARIA?
As honras militares sempre são melhor compreendidas quando obtidas pelo mérito auferido no campo de batalha.
Na vida civil, porém, os atos de bravura mais expressivos, fora do "teatro de operações", até mesmo reconhecidos, dificilmente tornam-se objeto de honrarias, justamente por conta da poluída forma burocrática com que decidida a indicação.
Não por outro motivo, em meio à crise de valores que vivemos, confesso que ostentar condecorações nada mais representa senão ostentação.
Isso não deslustra quem mereça - é apenas uma expressão dos tempos nada meritórios em que vivemos.
Entre dezenas de honrarias que recebi na vida civil, não renego nenhuma das que recebi - e assim o digo talvez por vaidade, talvez por polidez.
Nunca deixei de reconhecer méritos alheios, e me orgulho disso. E já me entristeci por são ser reconhecido quando julgava merecê-lo - vaidade ferida que dificilmente cicatriza.
Nunca deixei de reconhecer méritos alheios, e me orgulho disso. E já me entristeci por são ser reconhecido quando julgava merecê-lo - vaidade ferida que dificilmente cicatriza.
O fato é que, afinal, todo mundo tem seu mérito. Mas, nos dias confusos que hoje vivemos, a prudência recomenda ser melhor não ostentar...
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa - API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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