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segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

CHICO MENDES - O FATO, O CRIME E A HISTÓRIA

 Sincronicidade fez a tragédia e promoveu a justiça

Chico Mendes


Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro


22 de dezembro de 1988.

Exatamente uma semana após completar 44 anos, Chico Mendes foi assassinado.

Os tiros de escopeta, calibre 12, acertaram Chico Mendes no peito, quando ele saía pela porta dos fundos de sua casa para tomar banho.  Típica tocaia rural, das mais óbvias e conhecidas e, mesmo assim, não prevista ou evitada pelos que faziam a segurança do seringueiro.

Chico Mendes já estava jurado de morte. A situação era de tal forma crítica que o governo do Acre disponibilizou policiais para fazer escolta. Eles se encontravam na casa, na cozinha, de onde saia a porta que dava para as edículas de banho e do assento sanitário, postadas nos fundos da casa, como em qualquer ponto do sertão brasileiro.

O Jornal do Brasil havia editado uma entrevista com Chico Mendes, perto de uma semana antes da sua morte. Mas, publicou a matéria como um obituário, após a tragédia - o assunto era desconhecido, politizado demais. Chico não era conhecido do grande público no Brasil, candidato derrotado em várias eleições, só tinha interesse para a mídia especializada...

A morte do seringueiro, no entanto, rendeu manchetes e editoriais. Chico Mendes era respeitado no exterior, mas  surgiu como figura popular, no Brasil, após morrer na tocaia... no quintal de sua casa.

Como em tudo no Brasil, após o assassinato, surgem personalidades, entidades, mídia, políticos... etc.

Mais de trinta entidades — sindicalistas, religiosas, políticas, de direitos humanos e ambientalistas — se reuniram para formar o Comitê Chico Mendes, exigindo a punição dos autores do crime.

E... quem eram os autores do crime bárbaro?

Uma leitura atenta do processo crime promovido contra Darly Alves e seu filho, Darcy, os homicidas,  deixa evidente que entre  Darly e Chico Mendes, havia um embate complexo. Era algo praticamente pessoal e o acirramento disso foi o Seringal Cachoeira.

O Darly fez uma espécie de compra do seringal - não se sabendo até hoje se a compra era verdadeira ou simulada, como ocorre nas grilagens em toda a região fundiariamente confragrada no Brasil.

O fato é que havia uma escritura e, quando Darly ocupou a área, passou a desmatá-la, o que provocou o embate com os seringueiros, liderados por Chico Mendes. Chico organiza uma ocupação pacífica do seringal, iniciando um movimento que chamou a atenção da política no estado.

Darly, inicialmente vai a juízo, obtém uma reintegração de posse do Juiz de Direito Jerônymo Borges, homem bastante conservador e rígido, que era casado com a viúva de um capataz de fazenda. O falecido fôra assassinado pelos trabalhadores sem terra no período de agitação política ocorrido logo após a visita do então sindicalista Luis Inácio da Silva, o Lula, ao Acre - cujo discurso, então,  afirmava que "havia chegado a hora da onça beber água".

Há nisso tudo, uma sincronicidade só explicável por Carl Jung...

Munido do mandado, em junho de 1988, Darcy, filho de Darly, desembarca com um caminhão de policiais militares no Seringal Cachoeira. Há forte entrevero que só não termina em massacre pela intervenção a tempo do governador do Acre, que paralizou a reintegração e iniciou os estudos para indenizar Darly e demarcar a reserva extrativista.

Ocorre que Xapuri era uma terra sem lei. A polícia não tinha forma de controlar a família de Darly, que dominava a região e que, por conta do conflito, acabou chamando a atenção das autoridades de outros estados.
Darly e Darcy - atores em uma terra sem lei

Darly tinha antecedentes... Localizado pela justiça do estado do Paraná,  esta tratou de enviar um mandado de prisão por conta de crime cometido anteriormente ao deslocamento do fazendeiro para o Acre.

Avisado, Darly empreende fuga. No entanto, não sai da região. Homiziados na mata, absolutamente cegos pelo ódio pessoal a Chico Mendes, Darly e seu filho Darcy protagonizaram a tragédia - cujo espectro político transcendeu Xapurí, o Estado do Acre e o Brasil.

Condenados a 19 anos de prisão, pela morte de Chico Mendes, os fazendeiros ainda tentaram um novo julgamento pelo tribunal do Júri, em 1992 -  ano da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente no Rio de Janeiro.  Novamente a sincronicidade entra em ação - desta vez em apoio à Justiça.

Por todas as circunstâncias, incluso a política,  o júri manteve a condenação.

Após uma fuga, em 1993, e recaptura três anos após, os acusados cumpriram a pena.

A morte de Chico Mendes, no entanto, não foi em vão. Trouxe apoio mundial à causa dos seringueiros. Chamou a atenção para a tragédia fundiária na região amazônica. Alavancou novas lideranças na região.

Devido, em parte, à cobertura do assassinato pela mídia internacional, a Reserva Extrativista Chico Mendes foi criada na área onde ele morava. Outras 20 reservas, semelhantes às propostas por Mendes, cobrem hoje mais de 32.000 km² do território nacional.

O espectro de Chico Mendes é muito maior que a figura humana.

A trajetória do homem e a ascenção do que ele representa, devem  ser respeitados  por aqueles que nutrem amor pela humanidade, pela natureza e pelo trabalho humano.

  
Antonio Fernando Pinheiro Pedro


Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.  É  Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.




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