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terça-feira, 22 de abril de 2014

A TRISTE BATALHA PELA ÁGUA DO PARAÍBA DO SUL

A LEI É A PRIMEIRA VÍTIMA, NA BATALHA PELA ÁGUA ENTRE RIO E SÃO PAULO 
 



O Rio Paraíba do Sul é abençoado, nasce no Estado de São Paulo, banha a Cidade de Aparecida (em cujas águas a figura de Nossa Senhora apareceu para se tornar a Padroeira do Brasil, abrigada na Basílica - observada na foto), abastece a Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro e deságua quase na divisa com o Espírito Santo. À espera de um milagre de São Pedro...






Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro



As guerras, num futuro próximo, serão pela água.

A ONU prevê que oitenta países entrarão em conflito armado em função desse recurso precioso nos próximos anos.

O Brasil, no entanto, como sempre, inova:  permitiu iniciar um conflito intergovernamental federativo, por conta do uso da água. 

O motivo aparente seria a escassez. No entanto, a razão do conflito decorre da incúria e incompetência gerencial dos governos envolvidos.

A região Sudeste sofre, nos últimos meses, com a falta de água nos reservatórios que abastecem suas cidades. São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, já estão disputando pelo uso da água de seus principais rios.

Com o reservatório da Cantareira funcionando abaixo do nível mínimo, sem previsões positivas de aumento de sua capacidade a curto prazo, o governador paulista, Geraldo Alckmin, propôs o desvio das águas da Represa Jaguari (Bacia do Paraíba do Sul), para dar suporte ao reservatório da Cantareira (Transposição da Bacia do Piracicaba para a Bacia do Tietê).  A proposta foi ferozmente rebatida pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, porque o Jaguari é afluente do Rio Paraíba do Sul, que abastece quase que a totalidade do Estado do Rio.


Reservatório da Cantareira - SECO
Cabral chegou a dizer que "jamais cederá um milímetro".  Alckmin respondeu que o rio "é paulista".

O diretor da ANA, Vicente Andreu, disse que Alckmin e Cabral, precisam sentar e conversar, a fim de evitar uma “guerra das águas” desnecessária e improdutiva em ano eleitoral. De fato, a batalha não trará nenhum benefício à população dos dois estados.


AFINAL DE QUEM É O RIO?


O Rio Paraíba do Sul nasce em São Paulo, segue por Minas Gerais e Rio de Janeiro, abastecendo os reservatórios de cidades por onde passa. 

Reza a Constituição Federal constituir bens da União: 
“Art. 20 – (...) 
III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais”.

Legalmente, a ANA- Agência Nacional de Águas, é responsável pela gestão de captação de águas dos rios federais.  Ela seguirá o que for estatuído pelos planos elaborados pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos e pelo Respectivo Comitê de Bacia Federal afeto ao recurso.

Isso é o que diz a Lei que instituiu a Agência – Lei Federal 9.984/2000, art. 4º. IV e XII, seguindo os ditames da Política Nacional de Recursos Hídricos -  Lei Federal 9.433/1997, que ainda acrescenta cumprir ao Comitê da Bacia Hidrográfica “arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos” (art.38, II) competindo ao Conselho Nacional decidir o conflito em última instância (art. 35, II).

O governador de São Paulo não precisa do aval da Agência para projetar o uso das águas do Paraíba do Sul, visando a dessedentação da população paulista. Porém irá se sujeitar à outorga e regime de reservação da Agência, como condição para implementar o sistema.


QUAIS OS LIMITES LEGAIS DO CONFLITO?


Na verdade, o governo de São Paulo já enfrenta problemas na renovação da outorga do Sistema Cantareira, junto ao Comitê Federal da Bacia do Rio Piracicaba – que deverá ser resolvido ainda neste ano de 2014.

Projetado há mais de cem anos, o Sistema Cantareira, que abastece mais de 60% da Região Metropolitana de São Paulo, foi sendo implantado progressivamente como um sistema de captação no século XIX e primeira metade do século XX. Evoluiu para um colosso de obra de engenharia – dos mais admiráveis em todo o mundo, permitindo a transposição das águas da bacia do Rio Piracicaba para a Bacia do Alto Tietê, por meio de uma série de barragens e uma elevatória – a partir dos anos 1980. 

A transposição em si já vem causando uma série de conflitos por conta do aumento da demanda da Região Metropolitana, par e passo com a ampliação vertiginosa da demanda das cidades servidas pela Bacia do Piracicaba – uma bacia FEDERAL.

O projeto de transposição das águas do Rio Paraiba do Sul para o Sistema Cantareira, por outro lado, também não é recente.  Esse conflito vem sendo administrado desde 2008. Porém, como a situação estava aparentemente confortável, o governo paulista não deu andamento a ele. Uma inércia que hoje mais parece uma incúria. Mais grave ainda, por ter estado a cargo de quadros do Partido Verde a gestão do sistema no Estado de São Paulo...

O pool de entidades que integram a Bacia do Paraíba do Sul
È preciso considerar que um projeto desse porte duraria anos para ser implementado. 

Por se tratar de rio federal, sujeito a outorga e reservação autorizada da ANA, demanda licenciamento ambiental do IBAMA, manifestação dos Comitês de Bacia interessados, e oitiva dos estados afetados pelos impactos do projeto. Isso leva tempo.

Muitas nascentes que abastecem a bacia estão em situação de risco, como a nascente do próprio Rio Paraíba do Sul, situada no município de Cunha, que já vem dando sinais de diminuição do nível de água devido à falta de chuva que atinge a região.

Ademais, por absoluta improvidência (seria o caso de dizer que estamos no campo das “incompetências comuns e concorrentes”, para se fazer um trocadilho triste com os dispositivos da constituição), a UNIÃO FEDERAL está sendo absolutamente omissa na questão. 

De fato, o art. 21 da Constituição Federal diz competir à União:
 “XVIII - planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações”.

Como o problema do reservatório da Cantareira exige alternativas imediatas, ainda tem muita água pra passar por debaixo da ponte nessa disputa entre os governos paulista e carioca.

Essa água, sem dúvida, dependerá de diretrizes a serem traçadas pelo órgão executante da atribuição hídrica federal, a ANA, conforme reza a Lei 9.984, no seu art. 4º quando indica ser atribuição da Agência:
“X – planejar e promover ações destinadas a prevenir ou minimizar os efeitos de secas e inundações, no âmbito do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, em articulação com o órgão central do Sistema Nacional de Defesa Civil, em apoio aos Estados e Municípios”.


A LEGISLAÇÃO É VÍTIMA


Apesar do Brasil ser o país com a maior volume de água doce superficial do mundo (12% do total mundial, e 20% da água potável), a má gestão dos recursos hídricos, a poluição dos rios, a falta de proteção das nascentes e o desperdício de quase 45% de água tratada em todo o país, nas redes de distribuição e reservação, nos legou á beira de uma grande crise de abastecimento de água de consumo e, de uma provável “guerra” pela água entre os estados da federação.

A legislação não pode ser culpada, porque é abundante e comprovadamente eficaz. O que não funciona é a Administração Pública que deveria implementá-la.

Confusão entre governos que não planejaram e não contigenciaram.
A falta de engajamento dos atores envolvidos, desde os órgãos de planejamento, gestão, controle e fiscalização, até os sistemas de abastecimento e saneamento, fiscalização ambiental, órgãos de proteção dos consumidores, organismos de tutela judicial, é uma constante.

A incúria no tratamento da questão, literalmente nos fizeram chegar a todos no fundo dos poços (e reservatórios).

Se persistirem o impasse e a demagogia nessa "guerra" anunciada pela água na Região Sudeste, a saída será a busca por uma tutela judicial federal... e com ela, a redução da busca pela solução material do abastecimento da população ao ritmo absurdamente lento dos processos judiciais.

Nessa guerra santa entre São Paulo, São Sebastião do Rio de Janeiro, pelas águas do Rio Paraíba de onde foi pescada Nossa Senhora Aparecida – Padroeira do Brasil, só nos resta rezar para que São Pedro possa realmente intervir, para nos livrar do Poder Público que nos (des)governa nessa parte do globo.



Fontes:

http://www.ambientelegal.com.br/um-mao-lava-a-outra-nao-no-brasil/
http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/ambiente/onu-sp-rj-mg-terao-maior-guerra-agua-america-sul-777554.shtml
http://www.oeco.org.br/guilherme-jose-purvin-de-figueiredo/28136-a-guerra-por-agua-chegou-aos-estados
http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,presidente-da-agencia-nacional-de-aguas-critica-disputa-entre-sao-paulo-e-rio,1144992,0.htm
http://joseliocarneiro.blogspot.com.br/2012/03/3-guerra-mundial-se-houver-podera-ser.html
http://g1.globo.com/natureza/noticia/2014/03/brasil-vive-um-conflito-por-agua-a-cada-quatro-dias-1.html



Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado(USP), sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Consultor ambiental, com consultorias prestadas ao Banco Mundial, IFC, PNUD, UNICRI, Caixa Econômica Federal, Ministério de Minas e Energia, Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, DNIT, Governos Estaduais e municípios. É integrante do Green Economy Task Force da Câmara de  Comércio   Internacional,   membro   do    Grupo   Técnico de Sustentabilidade e Gestão de Resíduos Sólidos da CNC e  membro das Comissões de Direito Ambiental do IAB e de Infraestrutura da OAB/SP. Jornalista, é Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal, Editor da Revista Eletrônica DAZIBAO e editor do Blog The Eagle View.

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