Páginas

sexta-feira, 28 de março de 2014

SANEAMENTO, PRODUTIVIDADE E RENDA


Falta tudo, só não falta lei...





Falta de saneamento básico afeta a saúde, o desempenho escolar  da criança e a produtividade na vida adulta



Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro



Para muitos moradores dos nossos centros urbanos, saneamento se resume à conta mensal de água e taxa de lixo no IPTU.

No entanto, basta ir até a periferia de qualquer um desses centros urbanos, para entender as graves consequências da falta de saneamento básico nessas regiões e, para muito além, na maior parte do nosso território. 

Passados vários mandatos presidenciais  e vários governos estaduais, virando a década desde a edição da Lei de Política Nacional de Saneamento (Lei Federal 11.445/2007) e a edição do Decreto regulamentador da PNSB (Decreto Federal 7.217/2010),  42,9 % das residências brasileiras ainda não possuem rede coletora de esgotos.

Índices da Agência Nacional de Águas revela que menos da metade (42,6%) dos esgotos do País é coletada e tratada. Apenas 39% da carga orgânica gerada diariamente no País (9,1 mil t) é removida pelas 2.768 Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) existentes no Brasil, antes dos efluentes serem lançados nos corpos d´água.

O restante, 5,5 mil toneladas, pode alcançar os corpos hídricos in natura. A Resolução Conama 430 (2011) prescreve o tratamento de pelo menos 60% do DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio), antes do lançamento. Do total de municípios, 70% não possuem uma estação de tratamento de esgotos.

Editado o marco legal para o setor (estabelecendo regras mais claras quanto à titularidade e forma do serviço), esperava-se engajamento maior dos governos e do setor privado na construção de redes e sistemas de esgotamento sanitário, abastecimento de água e destinação de resíduos.  Mas não foi o que ocorreu.

Saneamento é um serviço essencial e, também, ramo negocial importante para a economia. No entanto, por conta da formatação dada ao marco legal, não há uma agência nacional de saneamento, uma coordenação ou esforço federal que coordene e financie as ações.

A inércia na implementação de uma politica tão básica, até agora observada, indica que não possuímos capacitação técnica, jurídica e econômica para implementar o marco legal. Também não exercitamos vontade política e não investimos tempo e dinheiro suficiente para por de pé um setor econômico que poderá transformar a vida de milhões de brasileiros.


Triste realidade

Essa realidade já foi constatada em vários estudos, oficiais ou não, como o efetuado pelo Instituto Trata Brasil e  pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS),  apresentado em maio de 2014 em São Paulo, denominado ‘Benefícios Econômicos da Expansão do Saneamento Brasileiro’.

O estudo demonstra o óbvio - que o avanço no saneamento básico melhora a saúde, evita doenças, mortes, e também amplia oportunidades econômicas, aumenta a produtividade e soma riquezas país afora. 

Coordenado pelo professor Fernando Garcia, da consultoria econômica Ex Ante, o trabalho faz um interessante comparativo internacional, para demonstrar que existe muita coisa a se fazer nessa área, praticamente abandonada pelo Poder Público e ignorada pelo mercado.

Chama atenção a conclusão do  estudo: se todos os brasileiros tivessem acesso ao sistema de saneamento básico,  o fato, por si só, faria a renda per capta do Brasil aumentar em 6%.

A realidade brasileira é muito triste. O Brasil é o 112º colocado entre 200 países integrantes do ranking de saneamento (água tratada e esgoto). 

Na "Copa do Mundo" e nas "Olimpíadas" do Saneamento Básico mundial, o Brasil sequer obtém índice de classificação... Não por falta de leis, mas por ausência de implementação, competência e preparo profissional de seus agentes... 

O quadro do atendimento da estrutura de saneamento é de fato muito precário:
- A distribuição de água nas áreas rurais e urbanas atinge 82,4% da população;
- 48,1% da população brasileira possui esgoto coletado;
- Do esgoto coletado, apenas 37,5% recebe algum tipo de tratamento;
- As perdas na rede de distribuição de água alcançam 38,8% do total destinado a distribuição;
- Sete milhões de brasileiros ainda não têm acesso a banheiro;
- Em 2011, 396.048 brasileiros foram internados por diarreia; destes, 138.447 crianças menores de 5 anos (35% do total) – como referência, importante anotar que 88% das mortes por diarreia no mundo, são causadas por saneamento inadequado;
- As 81 maiores cidades brasileiras, com mais de 300 mil habitantes, despejam diariamente 5,9 bilhões de litros de esgoto sem qualquer tratamento, contaminando solos, rios, mananciais e praias, com impactos diretos na saúde da população.
A contrapartida governamental é incipiente, e revela uma inércia gerencial de grandes proporções: 
- Na primeira década do século, o monitoramento da execução de 138 grandes projetos de saneamento em municípios acima de 500 mil habitantes revelou que apenas 14% das obras foram concluídas até Dezembro de 2012 - nos programas do chamado PAC I e II;
-  Em média 65% das obras não cumprem os cronogramas;
- No ritmo em que ocorrem os investimentos, apenas em 2122 os brasileiros teriam acesso total ao serviço de saneamento básico.

Saneamento - obras em atraso

Perda de produtividade

Os impactos econômicos são relevantes, a começar pela perda de produtividade na população:  
- Por ano, 217 mil trabalhadores precisam se afastar de suas atividades devido a problemas gastrointestinais ligados a falta de saneamento. A cada afastamento perde-se 17 horas de trabalho;
- A probabilidade de uma pessoa com acesso a rede de esgoto faltar as suas atividades normais por diarreia é 19,2% menor que uma pessoa que não tem acesso à rede;
- A diferença de aproveitamento escolar entre crianças que têm e não têm acesso ao saneamento básico é de 18%;
- 11% das faltas do trabalhador estão relacionadas a problemas causados por falta de saneamento.
Os dados  mostram o que deixamos de ganhar por não fazermos nosso dever de casa: 
- Cada R$ 1 (um real) investido em saneamento gera economia de R$ 4 (quatro reais) na área de saúde;
- Ao ter acesso à rede de esgoto, um trabalhador brasileiro aumenta sua produtividade em 13,3%. Esse incremento resulta no aumento de 3,8% no ganho salarial com a diminuição de faltas;
- A universalização do acesso à rede de esgoto proporciona valorização média de 18% no valor dos imóveis;
- Saneamento resulta na melhora significativa do rendimento escolar em crianças que apresentam atraso por doenças relacionadas à falta desse serviço básico em suas moradias e comunidades;
- Saneamento representa incremento na indústria do turismo, mais postos de trabalho e significativa valorização ambiental;
- Um esforço de redução de 10% nas perdas com vazamentos, roubos, ligações clandestinas, falta de medição ou medições incorretas no consumo de água, no Brasil, agregaria R$ 1,3 bilhão à receita das operadoras - o equivalente a 42% do investimento realizado no sistema de abastecimento de água, em todo o País.


Falta de cidadania

A falta de implementação legal é reflexo do baixo exercício da cidadania, seja pela falta de resposta governamental às reivindicações, seja pelo desconhecimento da população de como a estrutura de Estado funciona em relação ao saneamento:
- 75% das pessoas entrevistadas afirmaram que, apesar dos problemas, não cobram melhorias nos serviços;
- 59% dos cidadãos entrevistados, afirmaram que reclamações são encaminhadas à Prefeitura ou empresa de saneamento responsável, porém nenhuma medida de melhoria é adotada;
- A maioria dos entrevistados (68%) sabe que o Prefeito é o principal responsável pelos serviços da área de saneamento básico;
- No que se refere à fiscalização, a maior parte dos entrevistados (55%) diz caber à Prefeitura cuidar do saneamento - 18%  entendem cumprir a tarefa ao governo do Estado;
- A Agência Reguladora dos Serviços de Saneamento, prevista em lei, foi citada por apenas 1% dos entrevistados;
- 13% das pessoas  entrevistadas não sabem absolutamente nada sobre a quem recorrer nesse tema.
Os índices revelam falta de educação, de civismo, de conscientização e organização social.


A desgraça da burocracia


Dinheiro, nesse período, não faltou.

Havia verba no governo federal, destinada para o saneamento básico. Ainda há linhas de crédito disponíveis para a consecução de projetos no setor. 

A legislação de Parcerias Público-Privadas brasileira, em que pese necessitar de ajustes, já fornece boa base para unir iniciativa privada e entes federados, no esforço de instituir serviço de saneamento básico digno desse nome, em vários municípios brasileiros. 

Planos diretores de saneamento já pululam país afora e consórcios também começaram a ser esboçados.

No entanto, a corrupção, o compadrio, o oportunismo mal engendrado, contaminaram  e ainda contaminam qualquer iniciativa séria.

Não bastasse a desgraça da corrupção e da incompetência empresarial, a contrapartida da burocracia estatal revela tragédia ainda maior.

O desprezo por soluções técnicas e jurídicas que não atendam a preceitos ideológicos da burocracia incrustada nos órgãos governamentais é causa  determinante para o desestímulo aos investimentos.


A praga da judicialização

A judicialização, outra praga da jusburocracia nacional, por outro lado, é intensa.

Com efeito, é notória a ignorância institucionalizada nos quadros do Ministério Público brasileiro quanto à função social e econômica da Lei de Saneamento, a absoluta falta de respeito aos mecanismos de investimento e planejamento empresarial, o desconhecimento completo do que seja um project finance e a ausência de compreensão dos mecanismos econômicos que sustentam o setor de saneamento, algo essencial para implementar qualquer cronograma de atendimento aos padrões de universalização pretendidos pela norma jurídica.

A judicialização sistemática dos conflitos regulatórios e de licenciamento,revela exatamente isso.

Não é apenas o Ministério Público. Toda a jusburocracia brasileira possui um pobre entendimento estratégico, carregado de preconceitos, marcadamente medíocre, do papel do setor privado na implantação dos serviços de infraestrutura.

Da mesma forma, há uma obsessão pela  litigiosidade. Algo que antepõe prefeitos, procuradores, promotores, juízes, administradores públicos e planejadores estatais, pelos mais variados motivos. A doença do parecerismo, que de nada serve a não ser perenizar impasses no ambiente regulatório, faz a festa de assessores, licenciadores e padarias jurídicas... uma simbiose  sinistra que demanda efetivo saneamento no meio. Investimentos em programas de saneamento, não é fato raro, costumam terminar em cassação de mandato (alguns até por motivos justos)...

Esses fatores estão a merecer um profundo e inovador estudo, que se somasse aos vários já apresentados pelos organismos privados, como o mencionado nesse artigo, no sentido de causar um impacto para além do constrangimento habitual entre instituições.


Conclusão

Ignorância, incompetência, preconceito ideológico, oportunismo e corrupção contaminam o saneamento público no Brasil.

O saneamento básico nacional, portanto, precisa ser saneado estruturalmente, para que só então se processe uma correta implementação do marco legal -  que, literalmente, ainda não saiu do papel.

Enquanto isso, a falta de saneamento continua a atingir toda a população brasileira, sua saúde, seu trabalho, sua renda e sua educação.

Atinge, portanto, a saúde e desenvolvimento econômico do país.

O saneamento básico no Brasil precisa se tornar uma realidade limpa e saudável para todos os brasileiros, e não o esgoto a céu aberto de fatos lamentáveis, que hoje presenciamos.




Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado, sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Consultor ambiental, com consultorias prestadas ao Banco Mundial, IFC, PNUD e UNICRI, Caixa Econômica Federal, Ministério de Minas e Energia, Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, DNIT, Governos Estaduais e municípios. É integrante do Green Economy Task Force da Câmara de  Comércio   Internacional,   membro   do    Grupo    Técnico     de Sustentabilidade e Gestão de Resíduos Sólidos da CNC e  membro das Comissões de Direito Ambiental do IAB e de Infraestrutura da OAB/SP. Jornalista, é Editor-Chefe da mídia Portal Ambiente Legal, Editor Responsável pela Revista Eletrônica DAZIBAO e editor do Blog The Eagle View.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seus comentários e críticas são importantes. Se possível diga quem é você e registre seu e-mail. Termos ofensivos e agressões não serão admitidos. Obrigado.