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quinta-feira, 20 de março de 2014

MEIO AMBIENTE E SISTEMA FINANCEIRO: BANCO CENTRAL VAI PUBLICAR NORMA – SERÁ MESMO NECESSÁRIO?

"Milk Shake normativo" proposto pelo Banco Central pode gerar entraves ao financiamento, não um sistema de critérios ambientais de financiamento




Sede do Banco Central do Brasil - BACEN, Brasília-DF




Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro



RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS


O Banco Central do Brasil, pretende publicar norma definindo responsabilidade socioambiental das instituições financeiras.

A norma obrigará bancos a instituir política de responsabilidade socioambiental própria, aprovada pela diretoria e conselho de administração respectivos. Referido documento deverá abordar de forma conceitual e extensiva os impactos socioambientais de serviços e produtos financeiros, além de riscos e oportunidades em relação às mudanças climáticas e à biodiversidade.

Pela proposta, os bancos deverão agregar à unidade de gerenciamento de risco respectiva, uma área dedicada à avaliação de riscos socioambientais. Deverão também, não apenas analisar os impactos ambientais e avaliar os passivos, como coletar e registrar dados referentes à “perdas ambientais” pelo período de cinco anos.


CHOVENDO NO MOLHADO


A regulamentação proposta, literalmente, “chove no molhado” no que tange a reconhecer uma responsabilidade ambiental já delineada na legislação ordinária, analisada pela doutrina e cristalizada em nascente jurisprudência. 

A norma poderá “atrapalhar” a implementação dos critérios de responsabilidade ambiental pelo ato do financiamento já existentes, e não contribuir para melhor conscientização do problema.

Além de pretender fazer engenharia legal de obra feita, a proposta normativa do BACEN encalha em instrumentos gerenciais e protocolos consagrados.

Exemplo disso são as normas do Conselho Federal de Contabilidade. O CFC possui critérios para o exercício contábil dos passivos e ativos socioambientais das empresas – Resolução 750/1993 e NBC T 15/2004 – as quais, inclusive, relacionam os passivos dessa natureza no rol das obrigações realizáveis a médio e longo prazo – (passivo circulante). Pergunto: como conciliar esses passivos realizáveis a longo prazo com um limite restrito de CINCO anos de registro de passivos com relação a projetos financiados, pretendido pelo BACEN?

A norma do BACEN pretende, também, reproduzir critérios postos pelo Equator Principles (IFC), compromissos do Protocolo Verde (PNUMA), normas propostas pela ISO (International Standard Organization), salvaguardas utilizadas pelo Banco Mundial e misturá-los em dois marcos regulamentares.

O risco desse Milk Shake normativo será, justamente, gerar sistema de “entraves ao financiamento” e, não, um sistema de critérios de financiamento.

Por outro lado, o risco do cipoal de regras atormentar mutuários, dificultar empreendimentos, gerar conflitos e causar judicialização, é maior que qualquer  benefício advindo de uma análise de risco efetuada por um grupo interno “agregado no camarote”  da unidade de gerenciamento de riscos de um banco.

Impressionante, por outro lado, foi o BACEN  não ter tido o cuidado de, nesse copia-e-cola,  montar um “Painel de Inspeção” independente e não mandatório, nos moldes da bem sucedida experiência do Banco Mundial, para atender denúncias com indícios de procedibilidade e, analisar de forma autônoma a performance social e ambiental do financiamento realizado em obras estruturantes. 

Isso sim, seria muito mais eficaz do ponto de vista de uma ação regulatória do BACEN,  que pretender que o Banco disponha no papel  deum discurso programático assinado por sua diretoria.


NORMAS DEMAIS


Já tive nessa coluna a oportunidade de me manifestar sobre a questão da responsabilidade legal dos bancos pelo financiamento de obras de impacto ambiental, e recomendo mesmo a releitura do artigo por quem estiver interessado. ( leia em "Bancos e Meio Ambiente")

O fato é que já possuímos, em território nacional, marcos legais suficientes para obrigar as instituições financeiras a gerirem os riscos sociais e ambientais face às propostas de financiamento que deverão operar.

A responsabilidade pode ser destrinchada linearmente, a partir da Lei Federal 6.938/81 – Política Nacional do Meio Ambiente, cujo  conceito de poluidor indireto vincula o responsável contratual pela viabilização do empreendimento. 

O nexo causal é a concessão do crédito financeiro - necessário para viabilizar economicamente o empreendimento e, portanto, implicar a responsabilização.

O nexo causal pode ainda se dar por extensão mesmo do conceito de ilicitude,  vinculado por lei à performance econômica do agente, nos termos do Código Civil, o qual reza que “comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”(art.187).

No campo penal, omitir-se o banco de analisar a regularidade ambiental do mutuário, em especial quanto a obras estruturantes a serem financiadas, poderá significar enquadramento da conduta omissiva-comissiva no disposto no artigo 69 da Lei Federal 9.605/98 que reza: 

“Art. 68. Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano, sem prejuízo da multa.”


CONCLUSÃO


Assim, a norma do BACEN irá “chover no molhado” no que tange á aplicação dos marcos legais nacionais. 

Pior, poderá “inovar” no campo da responsabilidade civil objetiva...

No campo dos procedimentos e salvaguardas contratuais das operações de financiamento, o risco com a edição dessas normas  será ainda mais grave: engessar os protocolos internacionais - como a declaração do PNUMA (Protocolo Verde) e os detalhadíssimos princípios de equalização do IFC (Equator Principles)- e burocratizar mais ainda o que deveria fluir na dinâmica do mercado.





Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado, sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Consultor ambiental, com consultorias prestadas ao Banco Mundial, IFC, PNUD e UNICRI, Caixa Econômica Federal, Ministério de Minas e Energia, Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, DNIT, Governos Estaduais e municípios. É integrante do Green Economy Task Force da Câmara de  Comércio   Internacional,   membro   do    Grupo    Técnico     de Sustentabilidade e Gestão de Resíduos Sólidos da CNC e  membro das Comissões de Direito Ambiental do IAB e de Infraestrutura da OAB/SP. Jornalista, é Editor-Chefe da mídia Portal Ambiente Legal, Editor Responsável pela Revista Eletrônica DAZIBAO e editor do Blog The Eagle View.

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