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quinta-feira, 12 de junho de 2025

MADEIRA ILEGAL: SE NÃO FAZEMOS POR AQUI, A EUROPA FAZ POR TODOS...

Ou traçamos uma geopolítica sustentável, ou a geopolítica eurocêntrica dirigirá nossa produção






Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro



No momento em que, tardiamente, mais uma vez, o Brasil acorda para a muralha de obstruções eurocêntricas à exportação do agro nacional, é preciso resgatar o hustórico e a evolução normativa da União Europeia sobre o assunto.

Essa a razão deste autor atualizar um artigo da década passada, visando a melhor compreensão do problema por quem lida com o AGRO no Brasil.


Evolução histórica da norma

No dia 3 de março, entrava em vigor o Regulamento (UE) n º 995/2010, denominado EUTR – EUROPEAN UNION TIMBER REGULATION (Regulamento Madeireiro da União Européia).

Aprovado pelo Parlamento e pelo Conselho Europeu em 20 de Outubro de 2010, o marco legal teve data prefixada para entrar em vigor, visando permitir que o comércio interessado bem como os Estados Membros a ele se adaptassem.

Criado precipuamente para combater o comercio ilegal de madeira, o EUTR pretendia reprimir o tráfico internacional de madeira ilegal, introduzindo três instrumentos importantíssimos:

1-       Proibição da introdução no mercado da UE de “madeira extraída ilegalmente e de produtos derivados dessa madeira”;
2-       Obrigação dos operadores que comercializem madeira e seus derivados pela primeira vez no mercado da UE, de efetuar uma análise de risco - a chamada 'due diligence';
3-       Uma vez no mercado europeu, manutenção de registros atualizados de fornecedores e clientes, por parte dos operadores econômicos, de forma a manter a rastreabilidade da madeira e produtos dela derivados, até o consumidor final, ainda que submetidos a transformação e manufatura.

O regulamento abrangia uma vasta gama de produtos de madeira enumerados no seu anexo, usando a nomenclatura do Código Aduaneiro da União Europeia.


A estrutura da EUTR

O ponto alto de conflitos na implementação da norma, sem dúvida, era... e é a chamada "due diligence". 

A EUTR determina aos operadores exercer gestão de risco, para minimizar qualquer possibilidade de colocar madeira extraída ilegalmente, ou produtos de madeira contendo madeira extraída ilegalmente, no mercado da UE.

A diligência envolve:

A.       Informação: O operador deve ter acesso e apresentar informações que descrevem a madeira e os produtos de madeira, país de origem, espécies, quantidade, detalhes do fornecedor e as informações sobre o cumprimento da legislação nacional.
B.       Avaliação de risco: O operador deve avaliar o risco de ocorrência de madeira ilegal em sua cadeia de suprimentos, com base nas informações recolhidas, considerando os critérios estabelecidos no regulamento.
C.       Mitigação de risco: Quando a avaliação identificar risco de ocorrência de madeira ilegal na cadeia de abastecimento, deverá também avaliar se o risco poderá ser mitigado pela obtenção de informações adicionais e verificação mais severa por parte do fornecedor do produto.

 

O regulamento abrangia de início móveis, pisos, papel e celulose, entre muitos outros derivados. 

Produtos reciclados, bem como documentos impressos (como livros, revistas e jornais), a princípio não estavam incluídos. Mas isso pode ser alterado, se necessário.

O regulamento aplica-se tanto a madeira importada quanto à produzida em solo europeu. Madeira e produtos de madeira abrangidos por FLEGT válida ou licenças CITES são considerados em conformidade com os requisitos do regulamento.

Para relembrar: FLEGT é a sigla para EU Forest Law Enforcement, Governance and Trade - um plano de ação para recuperar áreas degradadas em países fornecedores por meio de acordos voluntários, regularizando a extração e o comércio de madeira. Já a CITES é uma Convenção Internacional articulada nos anos 60 e 70, que estabelece regras com relação a espécimes sob risco de extinção – documento histórico por ser originário de uma articulação de uma organização não governamental, a IUCN.

A menção aos documentos não é gratuita. Reforça a influência decisiva das ONGs, estabelecidas em todos os países fornecedores de recursos florestais e minerais para a Europa. O EUTR prevê “organizações de monitoramento" reconhecidas pela Comissão Europeia, como entidades privadas responsáveis pelos sistemas operacionais de due diligence juntos aos operadores.

Os operadores poderão desenvolver o seu próprio sistema de Due Diligence ou utilizar um já desenvolvido por uma dessas organizações de vigilância.

A geopolítica, portanto, é intrínseca à norma, desde sempre.


O novo quadro normativo

Desde então, a legislação europeia sobre madeira ilegal evoluiu significativamente. 

Em 17 de novembro de 2021, foi proposta uma nova regulamentação para combater a degradação florestal "impulsionada pela UE". 

A proposta revogaria o Regulamento (UE) n.º 995/2010 e introduziu medidas ainda mais rigorosas para a disponibilização no mercado da União e exportação de produtos de base e derivados associados ao desflorestamento. (*1)

Em 23 de junho de 2022, o Parlamento Europeu aprovou a nova resolução sobre a exploração madeireira ilegal na UE, destacando a necessidade de uma avaliação contínua e ações mais efetivas para combater a exploração ilegal de madeira.  (*2)

Assim, surgiu o Regulamento Europeu 2023/1115 (EUDR).

A estrutura da resolução segue a da primeira norma, acima descrita, estreitando os procedimentos. Essa chamada "Nova Lei contra o Desmatamento e Degradação Florestal da União Europeia, como a anterior, tem efeitos ainda mais significativos nas exportações brasileiras do agronegócio. 

A norma demanda auditoria na cadeia produtiva de certos produtos, como café, cacau, gado, madeira, óleo de palma e outros, e impõe estrito processo de adaptação de produtores e exportadores brasileiros. 

O "eurocentrismo" embutido na norma é evidente. Isso inclui um processo de "interlocução e educação" de exportadores sobre a legislação nacional do Brasil.

A implementação do Regulamento Europeu 2023/1115 (EUDR), por óbvio,  objetiva eliminar o desmatamento e a degradação florestal nas cadeias de suprimento de produtos agrícolas importados pela União Europeia. (*3)

No caso do Brasil, grande exportador de soja e carne bovina, a implementação do EUDR terá implicações significativas.  

A intenção de "controlar" o desmatamento ilegal no Brasil, pode afetar uma grande parte da produção brasileira que está em conformidade com as legislações ambientais nacionais. 


Geopolítica comanda a norma

A apatia do Governo Brasileiro, antes, durante e depois da entrada em vigor das normas é evidente e lamentável. 

Também o é a costumeira ignorância do setor produtivo madeireiro, reprimido sistematicamente pelas hostes "ambientalistas" tupiniquins - incrustradas na burocracia e na sociedade civil organizada.

O AGRO nacional sabe que a medida, de toda forma, afeta diretamente as exportações do Brasil.

O notório descompromisso do governo, e do próprio setor produtivo, com uma solução aceitável, que implicasse no cumprimento de legislação factível, que efetivamente vigorasse em nosso território, atrapalha desde sempre a gestão sustentável de nossa produção - em especial se levarmos em conta o disposto no Princípio Geral da Declaração das Nações Unidas de 1992/2012 - que aponta o respeito à proporcionalidade na aplicação de normas, com base no estágio assimétrico de evolução tecnológica e econômica dos países. Normas de espectro internacional não devem gerar barreiras ao comércio entre Nações (Princípios 4, 5 e 16 da Declaração da Conferência de 1992 da ONU).


A realidade dos fatos

De fato, somente parte da madeira extraída em território brasileiro é CERTIFICADA.  

A maior parte da nossa produção está  à mercê da barreira não tarifária erigida pela União Europeia.  

Como já dito, a norma demanda auditoria na cadeia produtiva de outros produtos, como café, cacau, gado, óleo vegetal, etc. 

Enquanto por aqui as palavras seguem ditas ao vento, com ares oficiais, na Europa os agentes públicos trabalham... e ainda contam com o apoio dos produtores concorrentes do Brasil e dos  agentes privados aqui radicados,  em solo brasileiro - ocupados em sabotar a nossa soberania.


Conclusão

É preciso, mais do que nunca, traçar uma nova geopolítica ambiental, que garanta nossa soberania e confira sustentabilidade em bases reais, efetivas e factíveis, à nossa produção.

Por outro lado, é preciso reeducar e atualizar os gestores do Agro... para a regulamentação europeia em vigor.







Notas: 














Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), e consultor ambiental. Sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Diretor da AICA - Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental.  Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, é Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog "The Eagle View". 














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