Kafka e Orwell reduzidos a "jurisprudência" de uma corte corroída
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Nos últimos anos, a justiça brasileira tem se tornado palco de um espetáculo jurídico cujo objetivo não parece ser a aplicação imparcial das leis, mas sim a construção de uma narrativa política conveniente. Kafka e Orwell processariam vários togados tupiniquins, por apropriarem-se indevidamente de seus roteiros ficcionais, reduzindo-os a mera e pobre jurisprudência.
O processo conduzido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), envolvendo acusações de "trama golpista", exibe características típicas de um julgamento com fins propagandísticos, onde a condenação já parece definida antes mesmo da análise concreta dos fatos.
Aliás, sobre os fatos, o espetáculo dantesco dos interrogatórios televisados expôs um quadro lamentável de maledicências tidas como evidências, fundado em opiniões pessoais, conversas de boteco, impressões e dúvidas sobre o caráter de urnas e pessoas. Tramóias que de forma alguma justificam o espetáculo circense, com picadeiro, malabaristas e palhaços, encenado num processo criminal televisado.
A Falácia da "Grave Ameaça"
O conceito de grave ameaça exige um sujeito passivo que tenha sofrido constrangimento real e medo. Entretanto, ao analisar os depoimentos dos principais envolvidos, nenhuma autoridade pública relatou coação direta ou sensação de medo genuíno. Mauro Cid, o "delator", um dos protagonistas desse processo, afirmou claramente que não foi ameaçado, tampouco se sentiu pressionado.
Outros personagens informaram o mesmo e, acreditem os incrédulos, até mesmo o magistrado relator do processo, tido como "alvo" da trama, usou da ineficácia da mesma para reconhecer não ter se sentido "ameaçado"... a ponto de não se declarar impedido para julgar.
Ainda assim, insiste-se em classificar diálogos internos como "tentativa de golpe", mesmo sem qualquer impacto material ou efeito concreto sobre o funcionamento das instituições.
O Mito da "Violência Golpista"
Outro elemento fundamental para a acusação seria a violência real. O que encontramos, no entanto, é apenas uma sucessão de hipóteses e teorias jamais materializadas.
O chamado plano "Punhal Verde e Amarelo", que previa atentados contra autoridades, nem sequer evoluiu para um ato preparatório efetivo, sendo descartado pelos próprios agentes antes de qualquer execução. Segundo o direito penal, não se pode punir um pensamento ou intenção vaga, pois a mera existência de uma ideia não configura crime.
Aliás, "tramas golpistas" são melhor traçadas diariamente numa roda de whisky entre tios do zap, nos diretórios partidários radicais, assembleias sindicais e estudantis, salas de aula sobre sociologia, diretórios e centros acadêmicos... sem que algum togado ali se imiscua para proclamar estarem as instituições sob risco...
O STF como Tribunal de Exceção
A condução desse julgamento revela um viés político evidente. A insistência na condenação sem prova concreta transforma o STF em um verdadeiro tribunal de exceção, onde a aplicação da lei se molda conforme os interesses dominantes.
Busca-se criar uma "narrativa exemplar", condenando antes de julgar para reforçar o "discurso de estabilidade democrática" - mesmo que isso implique grave violação do devido processo legal.
Isso é prática de "tribunais populares" - típicos de ditaduras havidas em repúblicas que insistem em associar a palavra "democrática" na própria denominação...
Literalmente, testemunhamos tutores do devido processo legal, justificarem os meios em função dos fins...
O Perigo da Instrumentalização Judicial
O maior risco desse processo não é apenas a punição injusta dos envolvidos, mas sim o precedente perigoso que se cria ao manipular o sistema judicial para fins políticos.
Se hoje aceita-se que meras discussões internas e planos não realizados são suficientes para condenações severas, amanhã qualquer cidadão que expresse descontentamento pode ser alvo da mesma estrutura inquisitória.
Considerações Finais
Não se trata de defender figuras políticas, mas sim de resguardar princípios fundamentais do Estado de Direito.
A justiça deve agir com base na lei, não conforme conveniências partidárias. O que ocorre no STF hoje não é a defesa da democracia, mas sim sua instrumentalização para consolidar narrativas.
O país não pode aceitar que questionar o sistema se torne sinônimo de crime.
Esse julgamento não só compromete a credibilidade do judiciário, como também abre caminho para perigosas arbitrariedades futuras.
Não se confunda as instituições com aqueles que nelas se encontram, as instrumentalizando.
Hoje, há cupins corroendo as bases do sistema, a pretexto de "salvá-lo".
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista, consultor institucional e ambiental. Sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Diretor da Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental - AICA, Integrou o Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, foi professor da Academia de Polícia Militar do Barro Branco e Consultor do UNICRI - Interregional Crime Research Institute, das Nações Unidas. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa. Integra o Centro de Estudos Estratégicos do think tank Instituto Iniciativa DEX. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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