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terça-feira, 18 de novembro de 2025

A virada climática de Bill Gates

A mudança de posição de Bill Gates sobre a questão do clima tem método e fundamento 



Bill Gates - Foto: Reuters



Por Olimpio Alvares – Nov2025

 

Resumo Executivo

O artigo analisa em profundidade a mudança de posição de Bill Gates sobre a questão climática, apresentada em sua Nota de 28 de outubro de 2025, divulgada pouco antes da COP30. Essa Nota representa um ponto de inflexão histórico no debate global sobre mudança do clima.

Pela primeira vez, uma das figuras mais influentes na promoção da ideia de “urgência climática” passa a questionar abertamente o alarmismo, a estratégia de mitigação imediata e o “pensamento mágico” que embasaram políticas climáticas globais ao longo da última década. Em sua Nota, Gates desmonta, de forma fundamentada, a narrativa da urgência que, embora amplamente divulgada pela ONU, mídia e ativistas, não é sustentada pelos relatórios técnicos do IPCC, que jamais utilizaram termos como “emergência”, “catástrofe” ou “colapso civilizatório” em suas conclusões oficiais.

O artigo descreve como a narrativa da urgência nasceu da distorção do famoso “97% dos cientistas”, oriundo do estudo de Cook et al. (2013), que apenas constatava concordância de que o ser humano contribui para o aquecimento global - mas sem avaliar gravidade, urgência ou riscos existenciais. Essa simplificação, convertida em slogan político, serviu de justificativa para a criação de metas globais rígidas, como o Net Zero, e implica a mobilização de trilhões de dólares em políticas públicas e investimentos compulsórios, com forte impacto econômico e social dada a escassez de recursos, inclusive nos países desenvolvidos.

O texto argumenta que a urgência comunicada ao público produziu medo, distorções informacionais e decisões precipitadas, incluindo propostas de geoengenharia de alto risco, como a gestão da radiação solar via pulverização de partículas na estratosfera.

O artigo aprofunda também os limites práticos do Net Zero, destacando desafios físicos, técnicos e econômicos da transição para sistemas elétricos baseados majoritariamente em eólica e solar, cuja intermitência exige grandes bancos de baterias, fontes despacháveis e redes mais complexas e caras. Aponta que países que mais avançaram nessa transição - como Alemanha e Reino Unido - enfrentaram aumentos expressivos nos preços da energia, revelando que o discurso de que “vento e sol são gratuitos” desconsidera problemas estruturais, custos sistêmicos e limitações de escala. Para países pobres, esses modelos seriam ainda mais inviáveis, pois comprometeriam a disponibilidade de energia barata, essencial ao desenvolvimento humano.

A Nota de Bill Gates defende um novo enfoque: reduzir o foco obsessivo em metas de emissão imediatas e priorizar investimentos em inovação tecnológica disruptiva de alto impacto, adaptação, energia barata e melhorias nas condições de vida, especialmente em países vulneráveis.

Gates passa a afirmar que o aquecimento global é um desafio relevante, mas não uma ameaça iminente à sobrevivência humana, afastando-se do discurso apocalíptico que ajudou a promover e aproximando-se de visões antes marginalizadas, como as de Bjorn Lomborg.

O texto destaca ainda que Gates introduz o conceito de “reparação climática”: países desenvolvidos deveriam assumir sua maior responsabilidade na causa do aquecimento, contribuindo com a viabilização do financiamento do desenvolvimento humano nos países pobres, condição indispensável para que estes contribuam de forma competente com o esforço climático global.

Por fim, o artigo sugere que a mudança de posição de Gates poderá desencadear uma reorientação profunda das políticas climáticas internacionais, obrigando governos, instituições e cientistas a reavaliar prioridades, corrigir distorções e retomar o debate sobre clima com mais rigor, justiça, transparência e realismo. A “Virada 180 de Gates”, segundo o autor, inaugura um novo ciclo, em que a humanidade poderá enfrentar o aquecimento global com menos dogmatismo, mais inteligência técnica e maior foco no bem-estar das populações vulneráveis.

 

A virada climática de Bill Gates

(Por Olimpio Alvares – Nov2025)

 

Texto sobre foto de homem sorrindo

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 Bill Gates                                                                         Bjorn Lomborg

 

Wicked Science - ciência dos problemas perversos: é uma expressão que se refere a problemas complexos, de grande amplitude, multifacetados, plenos de incertezas e valores conflitantes, difíceis de definir e impossíveis de resolver apenas com conhecimento técnico e pragmatismo; são problemas que requerem, além de amplo conhecimento, sabedoria e humildade daqueles que os enfrentam. A mudança climática é o exemplo clássico desse tipo de problema, por isso alguns estudiosos do clima descrevem a ciência do clima como wicked science.”

Diante de eventos transformadores da realidade, certas verdades tornam-se ainda mais evidentes para quem conhece pelo menos um pouco do contexto panorâmico da “perversa questão” das mudanças climáticas - algumas dessas verdades emergiram com mais clareza por estes dias a partir de uma intervenção de Bill Gates:

“Fatos recorrentes e indicadores mensuráveis são teimosos e revelam um controverso ambiente científico, cultural, econômico e político, especialmente no Ocidente.”

“O crescimento da economia global, a emergência de uma miríade de inovações tecnológicas dependentes de energia abundante e barata (como p.ex. a Inteligência Artificial - IA), o cruel apartheid energético de povos carentes de saneamento, moradia digna, transporte, saúde, educação, segurança, financiamento acessível e estabilidade jurídica e política, demandarão nas próximas décadas quantidades de energia impossíveis de serem supridas apenas pelas atuais tecnologias renováveis intermitentes, caras e indutoras de instabilidade sistêmica na rede elétrica.”

“Por piores que sejam sua índole e viés controlador, dominadores globais que se reúnem regularmente no alto de montanhas geladas, também são homens e mulheres de negócio, inclusive nos setores da geração e uso de energia - esses jamais queimam seus próprios dólares.”

“Há um abismo entre a realidade econômica de países com profundas carências, e aquela de países desenvolvidos, que não está sendo adequadamente assimilado pelas políticas de descarbonização impostas por uma elite que decide os rumos da estratégia central global do combate às mudanças climáticas.”   

 

A virada de Bill Gates - o mais influente defensor da urgência climática

Com o apoio da grande mídia - ferrenhos gate keepers do discurso oficial da Organização das Nações Unidas (ONU) do aquecimento do planeta -, foi construída a narrativa da urgência climática, que já dura vários anos, mas enfrenta agora pela primeira vez um poderoso golpe: a Nota de Bill Gates para a COP30, publicada em 28 de outubro de 2025, que de modo discreto, fundamentado e taxativo, esvazia o alarmismo climático e o “pensamento mágico” descolado da realidade física.

Alegadamente apoiada por 97,1% dos cientistas, a suposta urgência climática tem sido a justificativa da construção de um monumental arcabouço trilionário global de políticas públicas moralmente obrigatórias, visando a garantir a vida no planeta, mediante a estabilização do aquecimento ao final deste século.

Ainda que houvesse o reconhecimento do gradual aquecimento global e dos possíveis problemas envolvidos, ousar colocar em dúvida a virtual urgência climática era - até alguns dias atrás - negar a ciência; mas com a “Virada 180 de Gates”, talvez não mais - o tabu parece estar por um fio.

 

Como nasceu a narrativa da urgência climática (os fatos a seguir são de conhecimento público)

Segundo a narrativa sempre presente na grande mídia (adotada pela grande maioria dos ambientalistas, intelectuais, políticos, autoridades governamentais, estudantes e acadêmicos), 97% dos cientistas concordam que o aquecimento global é causado quase totalmente pelo homem, e requer ação global urgente de mitigação das emissões de carbono. 97% tem sido a cifra-símbolo da urgência climática, incontestada no universo mainstream.

Entretanto, a narrativa da urgência foi artificialmente criada, e obviamente propiciou a disseminação do medo de possíveis catástrofes climáticas iminentes, além de muitas outras consequências negativas do aquecimento exacerbado. A urgência também colocou as mudanças climáticas na posição de prioridade máxima das Nações, legitimando políticas públicas de emergência e mobilizações globais relacionadas ao clima - a “ordem do dia” passava a ser: esqueçam tudo o que foi planejado e revisem todas as políticas públicas sob a perspectiva de salvar a humanidade da ameaça imediata de extinção. Surgiram nessa onda personagens caricatas como Al Gore, Greta Thumberg, Alexandria Ocasio Cortez, António Guterrez e muitos outros que professavam catástrofes climáticas e extinção de povos e espécies em poucos anos.  

Todavia, quem conhece em profundidade o tema e as informações técnicas originais dos relatórios do International Panel on Climate Change (IPCC) sabe que a urgência climática não é uma conclusão científica. O IPCC não afirma que há urgência climática; que há risco de colapso civilizatório; e que o balanço zero de emissões e remoções é uma obrigação moral imediata, custe o que custar.

Mas de onde vieram esses “97%”?

A cifra teve origem em alguns estudos de revisão de literatura, sendo o mais citado o de Cook et al. (2013), publicado na revista Environmental Research Letters. Esse estudo analisou resumos de milhares de artigos científicos sobre mudança do clima e concluiu que 97,1% dos que expressavam uma posição explícita sobre a existência do aquecimento global, atribuíam o fenômeno às atividades humanas - seja lá em que medida frente às causas naturais. Assim, o levantamento registrou apenas a concordância quanto à contribuição humana ao aquecimento global, mas não sobre sua gravidade, aceleração, urgência e consequências do fenômeno no curto, médio, e no longo prazo.

A partir daí, esse número foi ampla e indevidamente reproduzido por políticos, escolas, academia, ONGs ambientalistas, agências da Organização das Nações Unidas (ONU) e meios de comunicação colocados a serviço da massiva propaganda climática - porém, sem esclarecer sobre as limitações e incertezas metodológicas intrínsecas dos estudos, das medidas do fenômeno, do grau de participação humana, e da suposta urgência (ou não) das medidas de mitigação das emissões de carbono.

De fato, esse “número mágico”, na verdade, significa - exclusivamente - que cerca de 97% dos estudos analisados indicaram que o ser humano contribui em certa medida para o aquecimento gradual do planeta - ponto final.

No entanto, a desordem conceitual e informacional (deliberada ou não) de associar o famoso “97% dos cientistas concordam que... etc.” à urgência climática, teve graves consequências, especialmente pela implicação da necessidade de reconfiguração da economia e de revisão da priorização de investimentos públicos - só este aspecto ensejaria um artigo específico apenas para tentar listar uma parte dos problemas.

Em suma, essa narrativa lamentavelmente enganosa, parece ser um dos mais irresponsáveis equívocos da comunicação pública da história, que pode ter produzido danos econômicos e sociais de grande monta, a serem ainda avaliados pelos acadêmicos e economistas.

Os danos implicados pela ideia da urgência climática, podem ainda ser muito mais amplos e arriscados; um dos exemplos disso são as ideias de aventureiros de aplicação de técnicas de pulverização de partículas nas camadas superiores da atmosfera para reduzir a radiação solar que atinge a superfície (com consequências imprevisíveis na agricultura, no regime de chuvas etc); trata-se de um conjunto de técnicas conhecido como Modificação da Radiação Solar (SRM – Solar Radiation Management), um ramo da geoengenharia.

Corrigir o “rumo desse transatlântico” pode ser um dos motivos que levaram Bill Gates - e a própria gestão atual do governo dos Estados Unidos - a engatarem a marcha à ré nas ações de mitigação das emissões de carbono.

Mas o que mais assusta a quem tem alguma noção do significado da ciência, é o silêncio e o comportamento “singular” da quase totalidade da comunidade científica: as poucas e honrosas exceções que divergiram sobre um ou outro aspecto da propaganda climática “oficial” catastrofista mainstream, foram tratadas com desprezo, isoladas e chamadas por seus pares de “negacionistas” - termo extremamente depreciativo, aplicado aos lunáticos que negaram o holocausto dos Judeus. Essa alcunha destrutiva (de cancelamento - para usar um termo mais moderno) é cruelmente dirigida até mesmo aos que reconhecem a existência do problema do aquecimento global, mas apenas divergem quanto à sua urgência e sobre como enfrentá-lo.

 

Net Zero - a cria da urgência climática

Na esteira da urgência climática fabricada após o estabelecimento do chamado “acordo termostato” da COP21 de Paris de dezembro de 2015, foi também consolidada a “engenhosa” ideia da meta aspiracional “Net Zero”. Com base na afirmação do IPCC de que emissões líquidas zero são necessárias para estabilizar o clima, formalizou-se no âmbito do Acordo de Paris a meta do equilíbrio entre emissões e remoções de carbono, prevista para a segunda metade deste século.

“Net Zero” - meta de emissões líquidas zero: é o balanço em que a quantidade total de gases de efeito estufa (GEE) emitida pelas atividades humanas é equilibrada pela quantidade removida da atmosfera. As emissões continuam existindo, mas devem ser compensadas - total ou parcialmente - por absorção natural (florestas, solos, oceanos) ou por tecnologias de captura de carbono. O conceito do Net Zero não exige emissão zero absoluta, e sim a neutralização líquida. Não obstante, os esforços para evitar (mitigar) as emissões de GEE devem ser equilibrados com as atividades de remoção. Tanto a mitigação, quanto a remoção para o atingimento do Net Zero, envolvem investimentos astronômicos em nível global.

Essa meta implicaria começar imediatamente a direcionar, no conjunto dos países, trilhões de dólares anuais para descarbonizar a economia, captura de carbono, adaptação e outros custos associados ao processo, com vistas ao atingimento de metas nacionais intermediárias e finais de descarbonização para os anos 2030-2035/2050-2060. Segundo a modelagem do IPCC, esse esforço concertado de todos os países evitaria que o aquecimento, desde a revolução industrial, não ultrapassasse dois graus Celcius no ano 2100 - meta de aquecimento considerada segura pelos cientistas (ou com danos gerenciáveis).

Segundo o estudo da McKinsey & Company (de janeiro de 2022, com base em dados de 2021) intitulado “The net-zero transition: What it would cost and what it could bring”, Net Zero demandaria reconfigurar toda economia mundial sob o novo paradigma da descarbonização; o valor global total estimado de investimentos em ativos físicos para chegar ao cenário de emissão líquida zero (Net Zero) entre 2021 e 2050 seria de cerca de US$ 275 trilhões. Esses investimentos implicariam inversões anuais, por décadas, de vários pontos percentuais do Produto Interno Bruto (PIB) de diversos países - algo física e economicamente inviável.

 

Descendo ao “chão de fábrica” - Net Zero no setor da energia elétrica

Ocorre que atualmente, esses urgentes compromissos pretendem efetivar um processo global simultâneo de transição imediata para tecnologias de geração e uso de energias renováveis baseadas predominantemente em turbinas eólicas, painéis solares e grandes bancos de baterias destinados a garantir um back-up de energia em situações de falta de vento e radiação solar insuficiente - o que os alemães cunharam como Dunkelflaute (calmaria escura).

Porém, quando a participação das renováveis intermitentes ultrapassa certos patamares, bancos de baterias não são suficientes e/ou economicamente viáveis para garantir a estabilidade de redes com alta penetração de geração eólica e solar. Existem diversos limites técnicos e econômicos que impedem a utilização das baterias, e por isso é necessário agregar à rede fontes estáveis: nuclear, gás natural, hidrelétrica com reservatório ou outras formas de geração despachável firme, que, assim como os bancos de baterias, encarecem significativamente o Capex e Opex do sistema, com reflexos negativos nos preços da energia.

Contaram para o mundo, e até hoje repetem entusiasticamente, que a transição energética para eólica e solar (fotovoltaica) seria possível, porque os ventos e o brilho do sol, embora intermitentes, são gratuitos, e os custos das novas tecnologias de renováveis seriam supostamente reduzidos, barateando a transição.

O problema, é que essa estória tem a versão concorrente oposta, claramente ilustrada pelo gráfico abaixo, que mostra a realidade dos preços da energia em função da penetração da geração renovável na rede elétrica. Os números mostram o contrário do propagado por ambientalistas, acadêmicos, lobistas e políticos mal-informados, promotores das tecnologias de geração renovável (ver vídeo no link a seguir sobre os preços reais aos consumidores das energias renováveis, praticados em diversos países).  https://youtube/fiv9hcLYjWo?si=GpEKf9gzmD_1bUwt


Gráfico, Gráfico de dispersão

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A transição de redes elétricas baseadas em carvão e gás (que pode ocorrer em muitos países), para sistemas dominados por energia eólica e solar, com baterias de backup, envolve desafios técnicos e econômicos profundos. Como mencionado, a geração renovável (eólica e solar) é intermitente e isso invariavelmente causa instabilidade da rede elétrica, pois esses novos sistemas com despacho variável substituem máquinas síncronas que fornecem inércia e total controle de frequência. Os grandes bancos de baterias podem ajudar por poucas horas, mas não cobrem longos períodos de baixa produção (Dunkelflaute).

Para operar com segurança com grande participação de renováveis, faz-se necessário reforçar linhas de transmissão, ampliar interconexões, criar sistemas de gerenciamento e controle avançados e prever com precisão o clima e a demanda. O custo dessa “modernização”, armazenamento e expansão da rede é muito alto, e a vida útil e a cadeia logística das placas solares, turbinas e das baterias ainda são limitadas - isso sem contar as incertezas geopolíticas da concentração na China, da maior parcela da indústria e mercado de matérias primas, minérios críticos e tecnologias de produção.

Em suma, sem investimentos globais trilionários e regras de mercado inovadoras, há risco de instabilidade das redes, altos preços da energia e incapacidade de garantia de fornecimento contínuo em todos os momentos.

 

A importância da disponibilização de energia abundante e barata em países em desenvolvimento

A recente explosão dos preços da energia no Reino Unido e Alemanha, que investiram pesado na transição de sua matriz elétrica, não se deve exclusivamente aos desafios técnicos da transição, mas esses fatores contribuíram de maneira relevante, juntamente com choques externos relacionados ao suprimento e à brutal alta do preço do gás natural.

Um fator controverso nesse contexto é a transição para sistemas estáveis e limpos baseados na energia nuclear, mas ainda há preconceito em relação a esta, que é a tecnologia mais segura e com menor impacto nos recursos naturais entre todas as existentes. Para muitos estudiosos, uma vez vencida a barreira da irracional rejeição entre ambientalistas, a energia nuclear modular (pequenas unidades) parece ser a melhor resposta para o problema futuro do aumento exponencial da demanda por energia elétrica segura e sustentável.

Entretanto, ainda há muitas incertezas em relação ao potencial de desenvolvimento de tecnologias inovadoras para geração de energia sustentável, e esse é um aspecto essencial destacado por Bill Gates em sua Nota de 28 de outubro: é necessário investir prioritariamente em inovação tecnológica de alto impacto. Isso dependerá dos próximos acordos entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, quanto à transferência de tecnologia e ao montante dos investimentos dos países desenvolvidos em pesquisa e desenvolvimento voltados especialmente para a geração de energia barata, confiável e segura - o que daria um impulso definitivo na melhoria dos índices de IDH dos países pobres (outra prioridade da Nota de Gates).

Parece evidente, que a decisão de inversões massivas de recursos em sistemas renováveis baseados em geração eólica e solar, como a Califórnia, Alemanha, Reino Unido e Austrália (esta, que como os Estados Unidos, está por esses dias debatendo sobre abandonar Net Zero), não atende nem mesmo as necessidades de grande parcela das populações desses países desenvolvidos; todos estão sendo fortemente afetados em suas economias pelos altíssimos preços da energia (de alta penetração de renováveis).

O que dizer então sobre desenvolver redes elétricas renováveis similares em países da África, Índia, sudeste da Ásia e América Latina? Haveria decerto escassez de energia barata, principal trava para o desenvolvimento desses países, imposta justamente pela falsa urgência climática e o atropelo engessado das metas Net Zero.

Conciliar Net Zero com energia barata e desenvolvimento civilizatório em países pobres parece hoje ser algo impossível .....  mas como se diz na linguagem popular, “papel aceita tudo”.

 

A Nota de Bill Gates

Diante desse complexo contexto, em 28 de outubro de 2025, às vésperas da COP30, o mundo acordou com um perfume agradável, um quê diferente de raríssimo brilho e honestidade. Essa data entrará para a história moderna como marco do desmentido por Bill Gates de si mesmo, da alegada urgência climática (a que nunca foi), e marco do desvendamento do que muitos entendem ser o sonho impossível do Net Zero, que a partir da virada de Gates será provavelmente avaliado com toda cautela e transparência.

Para entender esse U-Turn de Bill Gates, segue no link abaixo sua Nota Técnica plenamente fundamentada e alinhada em muitos aspectos com a visão do cientista econômico dinamarquês Bjorn Lomborg - que acaba de ser promovido de um célebre “negacionista da urgência climática” para o podium de “visionário da estratégia realista de enfrentamento do aquecimento global”.

Na Nota, Gates desdisse o que professou durante décadas sobre o alto risco de desastre climático, com status de Guru ao lado de Greta Thunberg, a Monja da Extinção do Planeta e estrela Woke de Davos, que não sabe argumentar sobre o que prega.

A pequena Greta, até então, por longo período sumida das manifestações e fóruns do clima, acaba de fazer uma surpreendente aparição na COP30, usando a Convenção de Belém como palco internacional para reforço de sua ação performática em defesa da causa Palestina. A expectativa de muitos, é que Thunberg, agora uma adulta mais vivida de 22 anos, também traga a Belém mensagens responsáveis e essencialmente positivas para a causa do clima, ao invés de sua encolerizada indignação apocalíptica.

https://www.gatesnotes.com/home/home-page-topic/reader/three-tough-truths-about-climate

 

Aspectos mais relevantes da Nota da virada de Bill Gates

Em sua Nota, Bill Gates propõe inversões e mudanças profundas na narrativa e na estratégia de enfrentamento do aquecimento global. Ele agora defende que, embora o aquecimento global seja um problema, não pode ser encarado como o fim da humanidade. Ele se alinha a muitos outros cientistas e aos próprios números e mensagens originais do relatório técnico do IPCC, relativamente à ausência da menção à urgência climática e, portanto, à desnecessidade de medidas imediatas drásticas de mitigação de emissões e captura de carbono.

O IPCC e a narrativa da urgência climática

De fato, em nenhum capítulo e em nenhum Summary for Policymakers das edições mais recentes (AR6 – 2021/2022) aparecem as palavras “urgency”, “emergency”, “crises”, “catastrophe” como conclusão institucional. O IPCC não afirma que o mundo enfrenta uma ameaça “existencial” ou risco de “colapso civilizatório”. O IPCC não recomenda Net Zero como obrigação, apenas descreve o exercício de diferentes cenários modelados em que metas de aquecimento são associadas a diferentes trajetórias de emissões.

Em verdade, o discurso de urgência vem de atores políticos, ativistas, mídia e governos - não do IPCC.

Na visão atual de Gates, as políticas públicas devem concentrar-se em canalizar os recursos econômicos escassos de modo mais inteligente, focando em inovação de alto impacto, adaptação, saúde e luta contra a pobreza. Em seu novo entendimento, focar exclusivamente em impor metas rasas supostamente urgentes e prioritárias de redução de emissões (com grande chance de serem econômica e fisicamente inatingíveis), alavancadas pela disseminação do medo mediante discursos apocalípticos* - de fim-do-mundo - e chantagem moral e econômica velada, cria traumas e desesperança nas gerações mais novas, e desvia a atenção dos investimentos na solução de problemas reais - imediatos - enfrentados por bilhões de pessoas vulneráveis.

* “The era of global boiling has arrived - UN Secretary-General Antonio Guterres

Ao mesmo tempo, Gates se afasta da pecha de “negacionista” e reafirma que a transição para energia limpa e tecnologias sustentáveis de baixo carbono é fundamental – todavia, deve caminhar junto com o fortalecimento das condições da vida humana, especialmente entre os povos mais pobres. Para os países em desenvolvimento (como o Brasil), Gates entende com sabedoria e pés no chão, que não basta focar de forma rasa na redução de emissões; é preciso integrar à estratégia de enfrentamento ao aquecimento global, aspectos prioritários e realmente urgentes, como a saúde, infraestrutura, agricultura, energia acessível e adaptação, e colocá-los no topo das políticas climáticas.

Esse urgente ajuste de prioridades é de fato fundamental: após décadas de discussões e investimentos em redução de emissões, as concentrações de dióxido de carbono na atmosfera seguem aumentando, enquanto cerca de um terço da população mundial ainda cozinha e se aquece em seus lares com lenha e estrume seco - o que causa cerca de dois milhões de mortes anuais por exposição continuada à poluição tóxica “indoors” segundo a Organização Mundial da Saúde OMS.

Quanto a doações, organizações não governamentais de filantropia e ao orçamento público, a recomendação de Gates é verificar (com triple-check) se o dinheiro está de fato sendo usado majoritariamente nas ações de maior impacto humano imediato, e não apenas em metas de emissão abstratas (que não podem ser cumpridas).

Sabe-se, por exemplo, que a maior parcela dos recursos destinados à filantropia na África, não chegam ao continente; investimentos em energia abundante e barata são negados em razão da doutrinação climática radical e insensível de agentes financeiros de grandes bancos de fomento e fundos verdes - tudo isso em nome da “salvação do planeta” no final do século.

Enquanto isso, segundo www.energyandcleanair.org e www.globalenergymonitor.org/, em 2023, a pragmática China aprovou 114 GW de usinas a carvão mineral e na Índia, 5,5 GW foram comissionados, 3,9 GW permitidos e 7,6 GW encontravam-se em estágio análise.

Está implícito nessa nova abordagem humanizada do combate às mudanças climáticas de Bill Gates, que nas próximas décadas, o intenso desenvolvimento humano incensado por energia barata e abundante, pode trazer respostas mais eficazes e econômicas que as caras tecnologias de consistência duvidosa atualmente disponíveis. Trata-se de uma chamada (wake-up call) aos povos e aos decisores globais, a repensar tecnologias, políticas e prioridades de investimentos.

 

O que não foi dito na Nota de Gates

Mas, outras razões possivelmente também contribuíram para induzir Bill Gates à delicada decisão de retroceder em alguns aspectos críticos que há anos defendia, supostamente sem uma reflexão mais aguda. Trata-se de uma raríssima e preciosa demonstração de humildade de um guru da tecnologia e das políticas climáticas e filantrópicas - é a confissão de um equívoco estratégico de enorme impacto.

Ao fim e ao cabo, a Nota de Bill Gates representa um pedido ao mundo por um freio de arrumação nas ações de combate às mudanças climáticas - uma nova abordagem que cientistas e as Nações serão compelidos a avaliar.

Aderindo claramente à visão estratégica de alguns cientistas injustamente chamados de “negacionistas”, Gates desloca a questão moral, do “pragmático manejo imediato das reduções de emissão via políticas de Net Zero”, para a “necessidade premente de os principais responsáveis pelo aquecimento da Terra (países desenvolvidos), repararem os danos que causaram ao planeta”. Isso implicará investimentos no desenvolvimento humano de povos mais carentes, sem o qual, dificilmente o planeta logrará sucesso na missão “coletiva” de encontrar métodos globais e locais inovadores, visando a equilibrar o clima em um padrão gerenciável ao final deste século. Assim, aparentemente, a tal “Justiça Climática” se faz presente na virada de Gates, mediante o esforço de “Reparação Financeira”.

Mas, especulações sobre mais razões ocultas de Bill Gates não faltarão, uma vez que ele é famoso por transformar crises humanitárias em patrimônio pessoal. O bilionário vem há muito investindo/atuando como protagonista global, em filantropia, energia nuclear de quarta geração (modular), aquisição de terras agricultáveis, alimentação de massas, produtos farmacêuticos, e mais recentemente, em Inteligência Artificial (IA) e Data Centers - estes últimos são setores-chave, que demandarão quantidades imensas de energia barata nas próximas décadas, e essa demanda exponencialmente crescente conflitaria com a abordagem de descarbonização imediata de Gates, defendida antes dessa fantástica virada estratégica.

A nova visão do influente guru do clima, que amortece a preocupante correria climática, atrairá nos próximos meses e anos muitos cérebros privilegiados de todo planeta, ensejando abrangentes discussões (oxalá livres de vícios), e os ajustes eventualmente necessários nas atuais e controvertidas políticas públicas relacionadas à proteção do clima.  

 

 




Eng. Olimpio Álvares é Engenheiro Mecânico (Escola Politécnica da Universidade de São Paulo -USP), especializado no Japão e Suécia em controle de emissões veiculares e transporte sustentável, ex-gerente da Cetesb, onde atuou por 26 anos no desenvolvimento de programas de controle de emissões de veículos, Diretor da empresa de consultoria L`Avis Eco-Service, com experiência na área de emissões atmosféricas, transporte sustentável, mudanças climáticas e transição energética no setor dos transportes; atua em inúmeros projetos relacionados a esses temas. Reconhecido nacional e internacionalmente, é autor de diversos artigos e publicações e participa ativamente em fóruns nacionais e internacionais sobre meio ambiente e mitigação das mudanças climáticas no setor dos transportes.

 




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