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sexta-feira, 25 de julho de 2025

Combustível Sustentável de Aviação (SAF): Liderança vs. Escala — O Dilema Global e a Oportunidade Estratégica do Brasil


Está na hora de conectar o campo, o céu e o laboratório


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Foto - IATA



Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro e Rafael Possik Jr.



Segundo a Bloomberg Green, o grupo IAG — dono da British Airways — foi o maior consumidor de SAF em 2024, adquirindo 55 milhões de galões a partir de óleos residuais e gordura animal. Mesmo assim, esse volume representou apenas 1,9% do total de combustível utilizado pela companhia, evidenciando o dilema da indústria: a ambição está crescendo mais rápido do que a escala.


Panorama Global: SAF Ainda É um Jogador Marginal


SAF deve representar apenas 0,7% da demanda global de combustível de aviação em 2024 — enquanto o tráfego de passageiros deve crescer 6%, anulando ganhos climáticos.

  • Nos Estados Unidos, apesar de compromissos públicos, o uso de SAF ainda é desregulado em nível federal.

    • A Alaska Airlines lidera com 0,68%, enquanto a American Airlines aparece com apenas 0,07%.

    • O país lançou o SAF Grand Challenge, com metas de 3 bilhões de galões até 2030 e 35 bilhões até 2050, mas enfrenta desafios de financiamento e infraestrutura.

    • Estados como Califórnia, Oregon e Washington adotaram programas próprios que geram créditos com SAF, tornando-se polos de inovação descentralizada.

  • Em Singapura, a estratégia é mais coordenada:

    • A partir de 2026, todos os voos que partem do país deverão usar SAF, com meta inicial de 1% e previsão de 5% até 2030.

    • A refinaria da Neste em Tuas é a maior planta de SAF do mundo, com capacidade de 1 milhão de toneladas por ano.

    • A Singapore Airlines e a Scoot já recebem SAF produzido localmente e distribuído diretamente no Aeroporto de Changi.


Pressões Econômicas e de Infraestrutura


O SAF custa atualmente de 2 a 4 vezes mais que o combustível fóssil convencional.

Patrocinadores como Microsoft e Autodesk ajudam a subsidiar o uso, mas o custo por tonelada evitada de CO₂ (US$150–$300) é muito superior ao das compensações tradicionais (~US$6,30).

A infraestrutura global, no entanto,  ainda é inconsistente: novas instalações surgem, mas fechamentos e retrações da indústria petrolífera dificultam o avanço.


Brasil: Um Exemplo de Potencial Estratégico...  Fragmentado


O Brasil tem vantagens únicas na corrida pelo SAF. 

O país conta com  biomassa abundante, domínio tecnológico em biocombustíveis e uma indústria aeronáutica de ponta. Também produz  matérias-primas comprovadas: etanol, óleo vegetal e resíduos agrícolas - que viabilizam rotas como HEFA, ATJ e Fischer-Tropsch.

Mas o Brasil também enfrenta desafios estruturais. Falta de integração entre a agroindústria, setor químico e aviação, o que limita o potencial de escala.

A produção de SAF depende ainda de investimentos bilionários em biorrefinarias e da articulação estratégica entre os ministérios (ANAC, MAPA, MCTI) e o setor privado.

Segmentos promissores como o de aeronaves não tripuladas (drones) — que cresceram 24% em 2024 — seguem fora das estratégias formais de SAF.


Plano SAF do Brasil até 2037 


O plano brasileiro, porém, no papel, apresenta metas ambiciosas, como se vê do quadro abaixo (Fonte: Lei nº 14.993/2024 – Programa Combustível do Futuro):

 

Ano | 
Meta de Redução de Emissões
 | Produção Estimada de SAF
2027
     1%
     83 milhões de litros
2028
     2%
   153 milhões de litros
2037
   10% 
    1,1 bilhão de litros


Há um caminho extenso e proporcionalmente complexo, que demandará foco estratégico e governança.

 

Conclusão 


É Preciso Conectar os Pontos — Antes que o Avião Decole

O SAF é peça-chave na descarbonização da aviação global, mas para escalar é preciso mais que ambição — é preciso colaboração sistêmica, políticas ousadas e infraestrutura que conecte campo, refinaria e pista.

O Brasil pode liderar esse movimento — e não ser apenas exportador de matéria-prima. Mas, para isso, precisa quebrar silos, unificar setores e colocar o SAF no centro da sua estratégia energética.

Está na hora de conectar o campo, o céu e o laboratório — antes que esse voo parta sem nós.

 


Rafael Possik Jr. e Fernando Pinheiro Pedro



Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Exerceu o cargo pioneiro de Secretário Executivo de Mudanças Climáticas do Município de São Paulo, de junho de 2021 a julho de 2023. Sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados, é diretor da AICA - Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa - API. Foi o 1o. presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB/SP, presidente da Câmara Técnica de Legislação do CEBDS, presidente do Comitê de Meio Ambiente da AMCHAM, coordenador da equipe encarregada de elaborar o substitutivo do PL, no mandato do Relator - Dep. Mendes Thame, que resultou na Lei de Política Nacional de Mudanças Climáticas,  consultor do governo brasileiro, do Banco Mundial, da ONU e vários outros organismos encarregados de aperfeiçoar o arcabouço legal e institucional do Estado no Brasil, integra o Centro de Estudos Estratégicos do Think Tank Iniciativa DEX, é Conselheiro  integrante do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da FIESP, Presidente da Associação Universidade da Água - UNIÁGUA, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View. 


Rafael Possik Jr. é estrategista em gestão, políticas públicas e inteligência corporativa. É Assessor Especial na SP Negócios, onde aplica conceitos de estratégia militar à promoção de investimentos e exportações em São Paulo. Sócio da AICA — consultoria em agronegócio, energia e sustentabilidade — lidera projetos voltados à inovação e transição verde, conectando viabilidade econômica com impacto ambiental positivo. Agro-empreendedor e professor de Agronegócio na FAAP, preside a associação de ex-alunos da instituição. 




3 comentários:

  1. É antiga a procura de alternativas. Lembro da hidrogenização do carvão pela Alemanha durante a guerra 39-45 [gasolina sintética] e os programas de álcool do BR e dos EUA. Podem seguir adiante diante da resistência organizada da OPEP?

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  2. O Sol, a água e o CO₂ são essenciais para a fotossíntese e para a vida – tal e como a conhecemos – no planeta Terra. O CO₂ não é um poluente, é o gás da vida.
    O CO₂ não controla o clima da Terra, essa estória é mais uma narrativa que vem sendo martelada na cabeça dos incautos...

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    Respostas
    1. Bom dia. Por gentilrza, pode melhorar a fundamentação do seu texto?

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