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segunda-feira, 14 de outubro de 2024

FALTOU PREVENÇÃO, CONTINGÊNCIA E PLANEJAMENTO. SOBROU BLABLABLÁ E DESGOVERNO.

Chuva e apagão são eventos conexos - quando o segundo efeito é prolongado, o problema é da gestão



Pátio de contingência da Duke Energy, em Tampa, na Flórida - aguardando o
Furacão Milton





Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro



São Paulo não é uma cidade qualquer. É a quarta população concentrada numa cidade, inserida na quarta região metropolitana no planeta. O que aqui se faz, reverbera para além do continente.

Deixou de ser patético, é de fato trágico

Mais uma vez, a população de São Paulo (e de vários outros municípios paulistas), ficou à mercê do desmazelo governamental com a prevenção, contingência e mobilização para atendimento às emergências, face à evento climático previsível e de fato previsto: o abatimento de um tornado extratropical por conta da massa de ar de núcleo frio, que gera fortes chuvas e ventos intensos, e se abate com frequência cada vez maior sobre a região sul e sudeste do Brasil.

Milhões sem luz,  fios cortados e árvores caídas por falta de poda preventiva,  abastecimento de água comprometido, serviços públicos desprovidos de meio alternativo de energia para funcionar - enfim, o caos, que se estende por vários dias. 

No entanto, a opção pela zona de conforto do proselitismo climatista barato, somada à troca de acusações entre governos e concessionários de serviços públicos (o que , de fato, para o cidadão, é a mesma coisa), parece ser "consenso" entre os fracos dirigentes que hoje ocupam, com raras exceções, o horizonte público no Brasil. 

O fato é que precisamos mudar com urgência  nosso eixo de gestão.


Desmazelo que não pode ficar sem nota 

Já me referi a esse fato e fiz a devida crítica ao desgoverno o suficiente para não repetí-lo aqui. Remeto o paciente leitor a artigos meus,  anteriores, que  tratei de indicar nas notas apostas ao final deste texto. 

No entanto, preciso deixar claro meu absoluto inconformismo com a atitude de "empurrar o problema", por parte de administrações diretas que deveriam, desde sempre, providenciar poda preventiva de árvores, manter equipes de plantão para atender casos de emergência -  que ocorrem diariamente, estruturar nas subprefeituras grupos de funcionários, meios materiais, orçamento compatível e controle, para descentralizar o serviço, incluso enventuais descentralizações e integrar os serviços de reparos concessionados a um sistema articulado de defesa civil - algo melhor que construir um muro burocrático entre serviços afins. 

Claro que quem ganha com o caos são os contratados para serviços isolados, em escala emergencial - incluso o inacreditável sistema de contratar seriço "por árvore podada" ou suprimida - fato que impede, por exemplo, que a fiação de uma rua fique livre com a poda em linha de vários espécimes arbóreos, porque a equipe contratada tem que cumprir o contrato com uma árvore, por vez...

Como se vê, não é caso mais de governança - é de fiscalização sobre a governança. 

A gestão climática não se confunde com o uso ocasional de jaquetinhas da defesa civil em palanques plenos de discursos naturebas. Ela deve ter olhos postos na realidade local e na soberania nacional - razão de ser da governança de Estado.


Descentralização, tecnologia e infraestrutura

Voltando ao objeto deste artigo. Devemos superar o proselitismo climatista e, de fato, reforçar nossa busca por resiliência e adaptação a partir das gestões locais, observando o microclima e a segurança  da população. 

Vamos, definitivamente, priorizar a inovação real da  tecnologia para ampliar nossa resiliência  e adaptabilidade... e parar de utilizar o discurso climatista como meio  de indução do pânico e geração de censuras com viés ideológico.

A governança local é o caminho.  Deve se conectar em rede com os atores interessados em escala regional,  respeitando as bacias aéreas e correntes atmosféricas que condicionam os regimes de chuva e estiagem, as zonas de pressão  afetas às massas de umidade e calor, a geomorfologia do planeta, os biomas e as bacias hidrográficas, zonas costeiras e corredores ecológicos.  

As ações de prevenção, defesa civil, saneamento e controle territorial necessitam de governança  integrada, sempre atenta ao vetor climático -  uma sala de situação em contínuo funcionamento, algo absolutamente  ignorado no Brasil.


O que fazer

Para desenvolver um sistema eficiente de atendimento à rede elétrica em uma cidade atingida por um evento extremo de chuvas, tempestades e tornados, é fundamental seguir algumas etapas:
 
1-  Mapear a infraestrutura elétrica para identificar áreas críticas. 

2- Estabelecer centros de comando para coordenação das equipes de resposta. 

3- Utilizar tecnologias de comunicação, como aplicativos e redes sociais, para informar a população sobre cortes de energia e previsões de restauração. 

4- Realizar treinamentos regulares com as equipes de manutenção para rápida mobilização. 

5- Articular salas de situação e centros de controle em parceria com empresas de energia vizinhas - fato que poderá agilizar recursos e equipamentos, garantindo um retorno mais rápido ao normal.


O contingenciamento de material e pessoal é, por sua vez, crucial para um atendimento eficaz após um evento climático extremo.

Para tanto é necessário:

1- Realizar um inventário dos materiais essenciais, como veículos, cabos, transformadores, e ferramentas, garantindo que haja estoque suficiente. 

2- Elaborar e implementar um plano de logística para distribuição rápida desses materiais nas áreas afetadas.

3- Manter uma equipe de emergência treinada e em prontidão, além de formular parcerias com profissionais de outras regiões para apoio adicional - incluso para contratação de terceiros na ocasião da emergência. 

4- Escalonar turnos e garantir descanso adequado à equipe - algo vital para manutenção do rendimento. 

5- Realizar treinamentos e simulações periódicas, para garantir que todos estejam preparados para uma resposta rápida e eficiente.

Afora essas medidas, outras de ordem estrutural - de ordem jurídica e de engenharia, necessitam ser priorizadas em uma administração digna de honrar esse nome. 

São elas: 

1- Obras de contenção  de enchentes, barragens e sistemas de controle de vazão, que devem ser planejados e implementadas, partindo da constatação  que várias áreas ocupadas sofrem e sofrerão com inundações. Por óbvio que isso implica em desobstrução e manutenção do escoamento pluvial e da drenagem urbana.

2- Ações de proteção do sistema de distribuição de energia - com um programa integrado de arborização e podas para manutenção da segurança das fiações, implementação das obras de aterramento das redes e sua proteção contra infiltração, distribuição de estações de energia e alocação de geradores em panificadoras, mercados, frigoríficos, escolas, ginásios de esporte, postos de saúde  e administração. 

3- Estruturas articuladas de governança climática para adequar os regimes fundiários, que afetam a população inserida no microclima.  De fato, a regularização fundiária confere cidadania,  transforma ocupações assimétricas em bairros - permite a correta urbanização, o saneamento, a introdução de aparelhos do estado e o controle soberano do território. 

4- Gerar estruturas urbanas resilientes, sistemas de economia local sustentáveis, reconhecer centralidades urbanas que reduzam perda de tempo e energia do cidadão em longos deslocamentos. 

5- Fazer uso da engenharia para implantar o saneamento e conferir segurança hídrica.   

6- Organizar a economia circular,  incentivada e regulada, gerando emprego e renda.

Priorizar a tecnologia implica na organização  de governança  que privilegie o planejamento, monitoramento, prevenção, contingência  e atendimento à emergências - envolvendo uso de satélites, radares, bóias sinalizadoras, comunicação ágil e mobilização de equipes de meteorologistas, físicos, geólogos e engenheiros integrados à Gestão Pública.


O exemplo de São Paulo sob nossa gestão 

O que acima está escrito, é o que procuramos implantar de fato: uma governança de primeiro mundo,  nos moldes acima postos, no Município de São Paulo. Foi nosso propósito desde quando instituída a Secretaria Executiva de clima no gabinete do Prefeito, para a qual fomos os primeiros nomeados, incumbidos de tirar a gestão climática do papel, estruturá-la e gerí-la.

Em dois anos de gestão climática pioneira, integrada no município, organizamos do zero a Secretaria Executiva nos moldes de uma Agência do Clima - enfrentando toda espécie  de entraves burocráticos, ciumeira de áulicos, embates com proselitistas e resistências políticas.  Implementamos, no entanto, um Plano Climático  preexistente, extremamente prolixo e ambicioso. Fizemos isso adotando relatórios e métricas, publicados regularmente. 

Pessoalmente, paguei alto preço  por ferir interesses  políticos. Mas, na minha gestão, evitamos danos em larga escala.

A secretaria hoje segue em boas mãos - sob o comando do amigo e magistrado Renato Nalini, mostrando que é possível agir para melhorar a resiliência e promover a adaptação, sem fazer proselitismo.  

O problema é que a Prefeitura, no período de transição, reduziu sensivelmente as atribuições da própria secretaria, diluindo a governança climática por interesses outros... e o resultado, desde 2023, está expresso nos apagões ocorridos desde então. 

A gestão  climática, portanto,  não  deve se prestar a servir de palco para proselitismo e discursos fáceis. Deve se envolver efetivamente na gestão  territorial estruturante, atraindo para si as medidas de monitoramento, prevenção, contingência  e emergência. 

Mais ainda, é preciso sobretudo adquirir HUMILDADE no trato de fenômenos climáticos,  sobre os quais não temos o condão  de controlar ou evitar e, sim, prever e prevenir.


Notas:

PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, "O Grande Desastre Climático é a Incompetência - Refém do Proselitismo", in Blog "The Eagle View", in https://www.theeagleview.com.br/2024/05/o-grande-desastre-climatico-e.html

PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, - "Apagões na Terra, Eletromagnetismo e o Sol", in Blog "The Eagle View", http://www.theeagleview.com.br/2023/08/apagoes-na-terra-eletromagnetismo-e-o.html

PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, "O Clima Pela Base", in Blog "The Eagle View", in https://www.theeagleview.com.br/2023/03/o-clima-pela-base.html





Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor institucional e ambiental. Sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados, é diretor da AICA - Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental. Integrou o Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, foi professor da Academia de Polícia Militar do Barro Branco, docente do NISAM - Núcleo de Informações e Saúde Ambiental da USP e Consultor do PNUD e do UNICRI - Interregional Crime Research Institute, das Nações Unidas. Possui vários trabalhos e consultorias publicados para o Banco Mundial, IFC e outros organismos multilaterais. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, é Conselheiro no Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Iniciativa DEX, preside a tradicional entidade UNIÁGUA - Universidade da Água. Foi Secretário do Verde e Meio Ambiente (Gestão Régis de Oliveira) e primeiro Secretário Executivo de Mudanças Climáticas (Gestão Ricardo Nunes), da Cidade de São Paulo. Fundou e Presidiu a Comissão de Meio Ambiente da OAB SP, sendo declarado membro emérito pelo Conselho Seccional. Coordenou o Grupo Técnico organizado para elaborar o texto substitutivo do PL da Política Nacional de Mudanças Climáticas, na Relatoria do Deputado Federal Mendes Thame - apresentado, aprovado e sancionado em 2009. Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa - API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.


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