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terça-feira, 31 de maio de 2022

A GESTÃO CLIMÁTICA PAULISTANA

 Boa governança é a que resulta com sucesso



Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*


Pesquisa recente, realizada pelo Instituto Orbis, revelou impressionante adesão do paulistano (de todas as faixas e seguimentos) ao assunto “mudanças climáticas”.

Os paulistanos pesquisados não só “comentam o assunto em família”, como também fazem perfeita relação entre o “preço dos alimentos e os efeitos do clima” na agricultura. 

Não é de se admirar, pois todos sentem os efeitos do clima - na chuva, no calor e no frio. Sofrem com inundações e também com falta d’água.

O dado curioso da pesquisa, no entanto, foi o absoluto desconhecimento dos paulistanos quanto ao que faz o governo sobre a questão.

Não surpreende. Afinal, há um hiato histórico. O vínculo do governo com o clima perde visibilidade na medida em que a gestão climática, quando há, se diluí na administração pública.  Essa diluição leva o público a não identificar as ações governamentais em prol do clima.

Historicamente, a burocracia governamental dilui a governança climática por nunca antes ter existido uma cultura especializada de governança no seu ordenamento. Por isso mesmo, é comum governantes relegarem o assunto a um departamento de gestão ambiental ou ao sistema de previsão de chuvas e defesa civil, relevando ações importantes de coordenação e articulação transdisciplinar. 

É comum observarmos a dispersão de atribuições de governança climática no organograma da Administração Pública, segregadas e sem a devida e necessária conexão. 

O desafio, portanto, é global.  Implica em conectar metas internacionais de descarbonização e resiliência humana, articular defesa civil, transição da matriz energética, mobilidade, transporte público, reflorestamento, agricultura, arborização urbana, controle de emissões, georreferenciamento, saneamento, administração hídrica, logística, etc.

A governança das questões relativas à mudança global do clima supera, em muito, as esferas da defesa civil, da gestão ambiental, do saneamento básico, da regulação da energia e da engenharia de transportes. Aliás,  a governança do clima compreende a articulação de todos esses setores em função de um macro projeto voltado à geo adaptação e à resiliência humana às intempéries climáticas,  as quais já  estamos experimentando... e que deverão se ampliar nos próximos anos. 

As projeções até agora efetuadas pelo Painel Intergovernamental do Clima,  obrigam Estados Nacionais, governos regionais e autoridades locais a implementar medidas de resiliência, adaptação, mitigação e, em especial, redução de emissões, substituição de matrizes de energia e saneamento do meio.

Não é fácil, no entanto, levar adiante essa compreensão estratégica do problema sem esbarrar nas esferas de poder, nos egos de lideranças constituídas, na conveniência das agendas e nas estruturas burocráticas consolidadas nas Administrações Públicas. 

Furar a bolha da zona de conforto demanda vontade política, que deve ser determinada do topo à base – top down.

São Paulo é exemplo. Bruno Covas, eleito Prefeito da Cidade de São Paulo, parece ter-se dado conta disso; tanto que desenhou, no decreto de reforma de seu governo, em dezembro de 2020, uma secretaria executiva de mudanças climáticas ligada ao seu gabinete. Bruno também tratou de conduzir o processo de elaboração do Plano Climático do Município.

O jovem prefeito definiu que competia às secretarias autônomas cumprir as tarefas de governança. Porém, a implementação estratégica de Políticas Públicas, ele tocaria no seu gabinete.

Bruno não estava sozinho. Nos Estados Unidos, o presidente eleito Joe Biden criou secretaria específica do clima no seu gabinete. O mesmo ocorreu na Cidade fluminense de Niterói, com o Prefeito Axel Grael e, também, na Província de Misiones, na Argentina (com Patricio Lombardi, sob as bênçãos do Papa Francisco). Essas são as primeiras quatro instituições de primeiro escalão, uma federal, outra regional e duas locais, dedicadas à questão do clima, em todo o continente americano.

Covas, porém, faleceu sem nomear o secretário e, assim, coube ao Prefeito Ricardo Nunes a tarefa de fazê-lo... e o fez do zero, instituindo um decreto de implementação do PlanClima e outro decreto atribuindo o complexo rol de tarefas e esferas de competência da SECLIMA.

Fui, então, o escolhido para a missão de organizar a Secretaria Executiva de Mudanças Climáticas  - SECLIMA, e implementar a governança climática no Município de São Paulo com funções de coordenação, gestão e articulação bem abrangentes.

A organização da Secretaria incluiu obter quadros disponibilizados na Administração, conquistar, aos poucos, capacidade para acrescentar pessoal à equipe, acrescer patrimônio intelectual e operacional atraindo comitês dispersos em outras pastas para a esfera climática, formar um colegiado consultivo de gabarito e instituir mais de quatro dezenas de grupos de trabalho temáticos, interinstitucionais, como forma de agregar quadros e engajar atores importantes no esforço de implementação das Políticas Públicas conferidas à nova gestão climática. 

Imbuídos das atribuições conferidas pelo prefeito, pudemos administrar com sucesso as ações da OIDA – Operação Integrada de Defesa das Águas, em parceria com a Polícia Militar Ambiental, órgãos e secretarias do estado e município - fazendo a diferença nas ações de defesa dos mananciais da Região Metropolitana de SP. Também pudemos organizar os mais bem sucedidos Planos Preventivos de Chuvas de Verão dos últimos 18 anos, integrando obras, mobilizações e ações que antes se encontravam dispersas no tecido da burocracia na cidade e no estado de São Paulo. O Município, hoje, já possui um sistema ativo de acompanhamento  do cumprimento das 43 tarefas e 60 objetivos embutidos nas 5 ações estratégicas de seu Plano Climático, com relatórios periódicos produzidos pelos órgãos da Administração encarregados de implementá-lo. Aliás, nosso PlanClima é o primeiro, no mundo, a contar com uma Matriz ESG.

A gestão da transição da matriz energética da frota circulante - como a eletrificação da maior frota de ônibus urbanos concessionados do mundo, o equacionamento climático do saneamento básico (água, esgoto e resíduos sólidos), a segurança alimentar e o abastecimento da energia, exigem empoderamento de um organismo articulador especializado, dado os interesses em causa nessas áreas – e é o que se busca na Cidade de São Paulo.

O atrelamento das políticas setoriais às metas globais de redução de emissões de Gases de Efeito Estufa e a necessidade de ampliação da resiliência humana, face aos eventos extremos nos ciclos do clima, obrigam Estados Nacionais, Administrações regionais e locais a formatarem nova forma de fluxo de administração. 

Essa é a governança que estamos implantando com a SECLIMA na quarta maior cidade do mundo, inserida na quarta maior região metropolitana do planeta. 

A partir da experiência paulistana, constatamos ser importante que a Administração Pública se reinvente como um todo. Se inove politicamente em prol de uma estratégia global.

A partir da experiência sentida aqui em São Paulo, sabemos que o chefe do executivo precisa se manter atento às ações climáticas e engajado à implementação das ações. Isso porque a estrutura tradicional da Administração reage orgânica e formalmente à nova forma de governança. 

A natural ciumeira palaciana no entorno do líder, a impassibilidade ante o que se desconhece, a reatividade ante o ineditismo bem como a dificuldade burocrática em sair das "zonas de conforto", nas respectivas esferas de atribuição,  são endêmicas que remanescem no Estado, seja qual for o governo - daí ser essencial a vontade política expressa no líder.

Por outro lado, é preciso escapar do enfoque ideológico. 

Há necessidade de compreensão do empoderamento do perfil articulador e especializado em detrimento do proselitismo militante. É essencial que a gestão climática não caia em mãos “naturebas”,  seja vítima de “ecochatos”, refém de posturas ideológicas biocentristas ou massa de modelar de "militantes da causa" ou pavões de plantão. Nada é mais nocivo ao enfrentamento do fenômeno climático que o blábláblá da "pegada de carbono com tênis de grife"...

A gestão climática não é gestão ambiental – é administração integrada, econômica, de engenharia, governança e autoridade de controle territorial – envolve uso de ferramentas redundantes e instrumentos de suplementação, dispensa proselitismo, demanda foco, eficiência e eficácia.

A governança climática ganha peso na opinião pública na medida em que fazemos a diferença em relação às outras capitais, no Brasil e no mundo. E isso se fará com boas entregas.




*Antonio Fernando Pinheiro Pedro – Advogado formado pela USP, consultor ambiental, exerce atualmente o cargo de Secretário Executivo de Mudanças Climáticas da Cidade de São Paulo. Foi sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal, do Mural Eletrônico Dazibao e responsável pelo blog The Eagle View






Um comentário:

  1. Caro amigo e Mestre Pinheiro Pedro, suas ponderações sobre a gestão deste segmento tão fundamental e importantísdomono momento atual global são esclarecedoras e perfeitas! Quiçá seja dada a devida importância dos Gestores do Executivo não só Municipais ,como Estaduais ao trabalho que somente uma pessoa do seu nível de conhecimento e que pode executar na prática esta proteção e prevenção da gestão climática pode e tem oferecido! Parabéns pelo excelente e profícuo trabalho executado até agora! Forte e fraterno abraço!

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