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sábado, 26 de setembro de 2020

A ILUSÃO BOLSONARISTA E O VERDADEIRO COMPROMISSO COM O BRASIL

É preciso resgatar o projeto que elegemos em 2018


Bolsonaro e suas indefinições - foto - Antonio More / Gazeta do Povo



Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro

Populismo é uma droga perigosa - ilude as massas,  cega os olhos dos dirigentes, estimula a autocracia nos tolos, aguça a visão dos aproveitadores, incentiva a bajulação barata, reduz a inteligência funcional do governo e destrói a reputação dos quadros assessores.  


Síndrome de Janus

Em Brasília, a pindorama dos ensimesmados, há quem faça o diagnóstico realista do que se passa no Palácio do Planalto: que o governo Bolsonaro, acometido pela Síndrome de Janus, incorporou o rosto desfigurado do populismo, e  procura de toda forma devorar o outro rosto racional que ainda possui. 

O bolsonarismo quer substituir  a governança estrutural pelo mais rastaquera personalismo fisiológico. Como um Cavalo de Tróia, pretende romper as amarras do compromisso de reformas, para o qual foi eleito... e abrir as portas do governo para o fisiologismo e a bajulação que prometera destruir. 

De fato,  o rosto técnico e estratégico do governo parece sucumbir ante a urgência ditada pelo rosto desfigurado do populismo autocrata.  

Parece estar germinando um populismo rastaquera,  empenhado unicamente no desfazimento do sistema político pluralista. O mantra é  consolidar um projeto de reeleição a qualquer preço. Uma verdadeira traição aos pressupostos da candidatura Bolsonaro de 2018. 

Parece que toda a agenda estruturante do governo naufraga no leito caudaloso da obsessão populista pelo poder. Essa ação é  movida por interesses autocráticos incensados pelos eternos bajuladores da república (uma casta  de abnegados em permanente renovação...) e pela "seita" de seguidores lobotomizados, reduzidos à tarefa de repetir nas redes sociais o que lhes é excretado pelo famoso "gabinete do ódio". 

Posto isso, a competência tecnocrática, que parecia reger a condução das ações de Estado em alguns setores, corre o risco de desaparecer no mar das indefinições de ocasião, emanadas da liderança reativa e suscetível do próprio presidente. 


Contraste acachapante

O irônico de tudo isso,  é que o rosto populista projeta suas bravatas alicerçado na imagem de "sucesso"  expressada pelo rosto da governança - que quer de fato destruir.  

O diagnóstico é geral: o governo sucumbe às bobagens, mas o que o mantém são as poucas pastas que realmente funcionam.  Um contraste acachapante. 

Agricultura, funciona 100%!  Vinculada totalmente aos ditames do agronegócio e da indústria de insumos agrícolas - incluso a de agrotóxicos, a gestão segue agenda própria.  Conta com personalidades problemáticas na área fundiária, mas tem à testa uma habilíssima ministra: Tereza Cristina. 

Infraestrutura segue em céu de brigadeiro. A pasta é turbinada principalmente pela não interferência do presidente, que habilmente permite que o ministro Tarcísio siga obedecendo a um histórico cronograma de implementação de projetos mantidos na prateleira,  prontos e acabados - aguardando apenas a execução. Alguns desses projetos desenhados na década de 1970 com o Plano Nacional de Viação, outros postos no período lulopetista com o   Plano de Aceleração do Crescimento - todos, porém, avaliados e selecionados pelo próprio Ministro Tarcísio, quando este mesmo ocupava cargo no DNIT, na gestão do PT. Essa continuidade do mesmo quadro em área sensível a mudanças, foi um lance importante para o sucesso da pasta... (e uma tremenda "contradição" sob os olhos dos "fanáticos da seita").

Justiça se impôs com a estrutura de autonomia da Polícia Federal - disposta na gestão de Sérgio Moro e no todo não alterada - ainda - com o novo ministro. No entanto, a nova gestão segue despersonalizada, e busca a máxima discrição, tanto que sequer o nome do titular da pasta se sabe... 

Desenvolvimento Regional, mesmo enfrentando problemas e resistências com a sua enorme burocracia, remanesce submetido a uma gestão extremamente técnica e  torna-se referência por se encontrar no cerne das principais reformas legais em curso no Estado - como é o caso da previdência, do saneamento básico e do regime tributário federativo. 

Economia é a grande base. Mantida com mão de ferro pelo excelente Paulo Guedes. Ainda que submetida a um programa bastante fiscalista e conservador, a pasta forma a base das ações responsáveis do governo e aguarda a chamada reação em "V" da economia. 

No entanto, Guedes parece ser a próxima vítima do  rosto populista do governo Bolsonaro, e o motivo será discutido ali adiante. 

Energia, Ciência e Tecnologia... não se destacam e não decepcionam. 

No Palácio, o que salva a governança é  a tetrarquia do General Ministro-Chefe da Casa Civil, do Almirante Secretário de Assuntos Estratégicos, do General Secretário de Governo e do General Ministro da Defesa - que formam um verdadeiro gabinete moderador - responsável por exercer importante equilíbrio na Administração, ante os destemperos do presidente.


O conflito na economia

Calculam os bolsonaristas que  o trio formado pelos ministros da Agricultura, Infraestrutura  e Desenvolvimento Regional - irrigado pelos benefícios emergenciais decididos no período de pandemia, deve sustentar o governo Bolsonaro até o final do mandato, alavancando uma provável reeleição. 

A conjugação dos ministros militares com os ministérios da linha de frente do sucesso,  formam a base do projeto de reeleição - antes mesmo de se completar o segundo ano da atual gestão. 

Segundo uma postagem recente em rede social do jornalista Hugo Studart, "eles representam o Brasil Profundo, o verdadeiro país que emerge para além das megalópoles". Um exemplo concreto seriam as novas rodovias - que estão seguindo as necessidades do escoamento da safra e das novas indústrias que atendem a demanda do agronegócio. 

Lendo a postagem do Studart, confesso que me senti nos anos 1920, em plena República Velha - antes da crise de 1929... com o Presidente Washington Luís sentenciando que "governar é construir estradas" e "questão social é caso de polícia". 

A aristocrática República Velha, no entanto, não sofria de populismo, embora montada no coronelismo hoje redivivo. 

Acreditam os Bolsonaristas, no entanto, que  há chances do país seguir  para algum lugar, "apesar da Peste do Apocalipse que ora diz controlar a Economia". 

"Peste do Apocalipse" é como os bolsonaristas apelidam o Ministro Paulo Guedes, augurando que "quanto mais cedo ele cair, mais chances haverá de ocorrer algum crescimento do setor produtivo real".  

A crença na "melhora", com a retirada da gestão responsável na economia, por óbvio, é pura ilusão bolsonarista (esta frase é um pleonasmo...). 

O tripé Agricultura-Infraestrutura e Assistencialismo, contudo, não se presta a manter um paraíso populista.  Para haver um "paraíso populista", é preciso uma catarse que, no segundo momento, nos leve a algum desastre.


Militares são a pedra no sapato

O que parece ser um ponto de equilíbrio, é outro "problema grave" para o projeto bolsonarista.  

No Palácio do Planalto há os ministros oriundos das fileiras das Forças Armadas, não contaminados pelo vírus populista,  e que mantém no lugar a cabeça do executivo federal.  

Essa performance muito nos auxilia enquanto brasileiros que acreditaram no projeto proposto nas eleições de 2018, desenhado na transição.  Por ela ainda buscamos acreditar que há chance de nos mantermos  seguros no barco que elegemos em 2018 - embora o comandante do barco bravateie no convés. 

Mas o rosto desfigurado do governo também conspira contra a "ala militar",  e o faz da forma mais humilhante: engaja os oficiais da ativa e da reserva em cargos de direção e, em seguida,  trata de expor esses quadros a situações vexatórias de cumprimento de ordens absurdas, deixando claro para a plateia bolsonarista "quem manda" e "quem obedece". A ideia é vergar a espinha das Forças Armadas - algo similar ao que Hugo Chavez produziu na Venezuela.  

Há, no entanto, um limite. Se há militares abduzidos pelo projeto bolsonarista, há também muitos militares de grande valor que dele já estão desembarcando, e o fazem justamente para resgatar o projeto de reforma do Estado, de combate efetivo ao populismo, ao esquerdismo e à corrupção - hoje em grave risco de sucumbir. 


Acordando para a realidade 

Mas não devemos nos iludir. O "sucesso" da ala estrutural do governo, está conformado em um contexto econômico multifacetado. 

De fato, o grande impulsionamento observado na infraestrutura, com todos os méritos devidos aos que hoje administram a pasta,  atende claramente à logística das commodities que sustenta nossa economia. 

Há uma gama de projetos em andamento que transcendem a atual gestão. Planos e programas que se firmam no bojo de uma economia internacional. Afora isso, há a demanda por energia, abastecimento e saneamento.  

O nosso país, de fato, está "condenado" a prosperar como polo produtor agrícola.  

Os ministérios que formam o tripé, seguem agendas próprias - desengajadas da agenda bolsonarista. Seguem caminhos já pavimentados por relações transcendentes no comércio internacional, no planejamento estatal e de parcerias de investimento já projetadas em gestões anteriores. 

São políticas e programas que demandam a escola liberal, proposta na campanha eleitoral e ainda mantida no governo por um grupo de economistas que efetivamente se engajou na reforma do Estado brasileiro - ainda que hoje muitos desses quadros expressem profunda frustração com os rumos adotados - que desestimulam qualquer planejamento.


O grande risco

Portanto, o que pode fazer esse projeto ruir nos dois pontos, o da agricultura e o da infraestrutura, é justamente o populismo bolsonarista e suas catarses idiotas.  

Exemplos não faltam - como é a "sinofobia", o engajamento deslumbrado aos interesses comerciais norte-americanos, o moralismo irracional e a perda da credibilidade de nossos produtos, pela sucessão de bobagens produzidas pelos ministérios engajados no "rolando-lerismo" sinofóbico e ambiental. 

O Brasil repousa em uma geografia tão acidentada quanto privilegiada. 

Seu rosto são os grandes biomas, as grandes bacias hidrográficas interligadas e sua fantástica costa atlântica. Isso tem valor internacional - afirmar soberania sobre esses bens significa controlar territorialmente esses biomas e recursos de forma sustentável. 

A perda de credibilidade internacional é um fator de grave instabilidade para o comércio de nossas commodities. O obscurantismo proselitista, por outro lado, afasta investimentos. 

Grandes capitais suspenderam seus aportes recentemente, por conta da sucessão de discursos agressivos das hostes bolsonaristas contra asiáticos e europeus. Esse movimento foi seguido de certa paralisia nos processos de flexibilização da burocracia - em especial na área tributária.  

Japoneses estão fechando operações que mantinham por aqui há pelo menos quatro décadas.  Os chineses pisaram no freio com as companhias "epecistas" e de saneamento - que tudo tinham para  fazer o quadro do saneamento mudar para melhor no Brasil. Da mesma forma,  empresas europeias, preocupadas com  um discurso bastante dúbio no que tange à estabilidade política do País e de gestão ambiental, revisam seus planos de investimentos em nosso território.  

Na sucessão de crises políticas, surge uma constatação: o planejamento desapareceu das prioridades políticas do governo... e não se vê  na prateleira um único projeto claro de reforma nacional, ao contrário do prometido em campanha. 

O que há de vantajoso e importante, além da execução nos ministérios do tripé, é a ausência de escândalos de corrupção e a redução sensível nos índices de criminalidade - o que não é pouco mas... não é um projeto transformador e, sim, uma ação de saneamento da estrutura burocrática e social tal como já está.


Uma grande ironia 

Sejamos francos. Na verdade, o grande braço que está sustentando e ampliando a base popular de apoio ao governo é o auxílio emergencial. Vale dizer: voltamos ao populismo lulista de maneira reversa. 

É uma grande ironia. Esse assistencialismo age como droga viciante.  E é essa droga que pode vir a derrubar o Ministro Guedes - empenhado em "aterrissar suavemente do auxílio emergencial",  contra a vontade do líder Jair Bolsonaro, que parece embevecido pelos números das pesquisas de popularidade - os quais antes abominava. 


Falta um plano!

Agora, o que faz a diferença e revela o estadista é seu comprometimento com  as gerações futuras. Esse comprometimento tem nomes: educação, saúde, sustentabilidade e segurança. 

Nesse ponto - o governo parece ter se tornado um deserto de ideias e um fracasso de execução.

Sem um plano eficaz, uma diretriz com densidade e  quadros capazes de conferir materialidade às ações nesses campos tão caros à Nação,  o governo irá, aos poucos, se despir de credibilidade... até não mais poder se sustentar no tripé - já bastante frágil, que hoje mantém, por vetores alheios á sua vontade, como já visto. 

Não devemos nos iludir.  Se isso não for corrigido, em breve alguém notará a "nudez" do mandatário.

Bajular o governo, distribuir insultos enlatados e mensagens ufanistas em redes sociais, com certeza, não é apoiar o projeto que elegemos em 2018 - que é muito maior que o interesse eleitoral do mandatário de plantão. 

Confio, repito, nos ministros de origem militar, que compreendem perfeitamente o que aqui está escrito. 

Confio nos gestores responsáveis que não aceitaram o desafio de gerir a máquina estatal para atender apenas a uma aventura política dessas "que se esquece ali na esquina". 

Desviar o rumo é descambar para o que já vimos (e sofremos) em vários momentos de nossa história. 

Precisamos de um plano nacional. Uma política que nos livre dessa síndrome de Janus. 

É preciso, pois, resgatarmos o projeto de alavancagem da Nação, de reforma estrutural do País. Foi esse projeto que nos fez somar esforços nas eleições presidenciais de 2018. É esse projeto que precisamos ver executado.  

Isso sim, é compromisso com o Brasil. 






















Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados.  Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa - API.  É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View". É Consultor Jurídico da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos - ABREN.






















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