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sábado, 27 de junho de 2020

O PURGATÓRIO DOS TOLOS

Dom Casmurro e o Bolsonarismo: diferentes porém iguais...






Por Otto Jordan

Dom Casmurro e o Bolsonarismo. Tão diferentes, mas, ao mesmo tempo, tão iguais. Longe de mim comparar olhos de ressaca ou de cigana oblíqua e dissimulada de Capitu com o olhar opaco e perdido de Bolsonaro, aquele de quem não tem a menor ideia do que está falando. Não existe “um fluido misterioso e enérgico” no olhar de Bolsonaro capaz de arrastar os eleitores “para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca”.

 Diferente de Capitu, Bolsonaro não atraiu seus mínions mais fanáticos com o charme de seus olhos claros, mas com o fígado e estômago - sem trocadilho com a bolsa de colostomia. Para ficar claro, me refiro a propensão, disposição e a capacidade de gerar brigas, gritaria e baixarias diariamente. A ressaca que empurrou eleitores para o oceano bolsonarista veio dos erros do PT, não pelo charme do histórico politico. 

Assim como Bentinho, o marido ciumento e inseguro, os bolsomínions narram as próprias estórias. Mas diferente do Advogado machadiano, as narrativas bolsonaristas ignoram as evidências gritantes de traição. Vivem no purgatório machadiano, flutuando entre o paraíso e inferno dos tolos. O paraíso dos tolos, seria Bentinho inocentar Capitu pela traição sendo que ela foi infiel. O inferno, por sua vez, é bentinho achar que Capitu traiu, sendo que ela resistiu aos encantos de Escobar. 

Esse ambiente tóxico de fake news e teorias de conspiração cultivada pela patota do presidente e turbinada por bots do Carluxo colabora para o agigantamento do “Purgatório dos Tolos”. Algoritmos das redes sociais anabolizam a situação criando bolhas de “preferências” pessoais. Quanto mais as tias do zap se interessam por essas narrativas subsidiadas por uma avalanche de consentimento artificiais, mais teses do tipo aparecem nas timelines. Realidades paralelas são criadas. A importância da imprensa se corrói. As narrativas mirabolantes ficam convincente. Fatos não importam mais. 

Bolsonaristas, portanto, enxergam adultério onde não existe e absolvem as traições mais descaradas. Conseguem manter a paixão ardente acesa pelo presidente mesmo depois de um ano e meio se contorcendo para defender as práticas dignas de governos petistas. Recordes de emendas para centrão e de gastos com cartões corporativos. Abandono completo das pautas anti-corrupção, da agenda liberal do Paulo Guedes e do tão falado fim dos privilégios. Minimizam práticas de rachadinha. Ignoram a intimidade com milicianos. Narram o triunfo de um líder político quando o que tem, com sorte, é apenas aquele deputado de baixo clero focado em proteger sua família de investigações. Quando não está preocupado com a sujeira da sua família, gasta seu tempo com carteirinha estudantil, tacógrafo de caminhão, cadeirinha de bebê, taxímetro e com a conta de luz do aquecedor solar da piscina do palácio da alvorada. 

Sobretudo, Bolsonaristas não entenderam o dilema entre decência e responsabilidade que acomete a consciência dos sensatos do governo. Mandetta, Moro, Teich, Santos Cruz, Mansueto Almeida e todos aqueles que recusam convites para participar do governo,  enxergaram a impossibilidade de realizar boas práticas de políticas públicas num governo insalubre com um presidente tóxico. O preço da responsabilidade, isto é, permanecendo no governo com a ingênua intenção de fazer a diferença para o país, ficou indecente. 

No caso específico de Sérgio Moro, apenas para colocar em contexto, o adultério veio do presidente. Mesmo assim, bolsomínions acreditam naquela tese bizarra da reunião surreal do dia 22/4. Oportunamente ignoram, ou não lembram, da interferência na Polícia Federal em agosto de 2019, quando Bolsonaro exigiu - e conseguiu - a substituição do superintendente da PF no Rio. Dias depois da fatídica reunião, aquela que o presidente soltou que se “não conseguisse trocar o superintendente no Rio, trocaria o diretor-geral, e se não conseguisse trocar o diretor, trocaria o ministro”, Bolsonaro demitiu o diretor da PF, Maurício Valeixo, contra a vontade do próprio e passando por cima do ministro Moro, por algum motivo muito nobre que bolsominions julgam perfeitamente legítimo que, por acaso, ninguém sabe qual é. Afinal, porque Bolsonaro queria tanto trocar o DG da PF a ponto de enfrentar o desgaste gerado pelo conflito com Moro? Fosse essa frase dirigida para o a segurança pessoal do PR, haveriam trocas nos dias subsequentes, não? A propósito, a segurança pessoal do presidente não tem diretor geral e nem um superintendente por unidade federal. A frase dita pelo presidente na reunião fica completamente sem sentido no contexto da segurança pessoal. O que houve, de fato, foi troca na PF e a indicação do amigo da família. Justamente o nome citado por Moro, providência que o STF considerou tão suspeita que a revogou. A primeira medida do novo diretor da PF ter sido substituir justamente o superintendente do Rio, para os apoiadores, não tem nada de mais. 

No frigir dos ovos, para fanáticos, Sergio Moro se demitiu à toa, sem mais nem porque, pois simplesmente é um traidor. Fatos, para os Bentinhos de uniforme camuflado, não têm peso. Além dos indícios de intenção de intervir na PF, Moro viu o presidente ignorar o pacote anti-crime, sancionar a lei da mordaça do Renan Calheiros, juiz de garantias da emenda do Freixo e limitações à delação premiada e conduções coercitivas, mesmo depois dos suplícios do ex-ministro pelo veto. O fato de ainda ser ministro quando o presidente começou a lotear o governo para figuras do centrão conhecidas da justiça criminal foi apenas um brinde ao ex-juiz da lava-jato. Moro foi testemunha ocular da traição de Bolsonaro com os valores assumidos em campanha e ainda teve que escutar de criaturas acéfalas, acusações de que era o grande traidor da pátria. 

Para fugir da responsabilidade, Capitu jogou a culpa da semelhança entre o filho do casal e o vizinho na vontade de Deus. A culpa do fracasso Bolsonarista, para o clube de fanáticos, é da “grande mídia” manipuladora, dos globalistas financiados por George Soros, dos comunistas chineses aliados do Putin, dos governadores, dos presidentes dos outros poderes, da esposa feia do presidente da França. De tudo e todos, mas nunca as incontáveis traições do Presidente idolatrado. Ezequiel pode parecer Escobar, falar como Escobar, agir como Escobar e, inclusive, ter o DNA compatível com Escobar comprovado por testes, que a turma do cartaz do AI-5 e artigo 142 sempre vão achar que Capitu é a melhor esposa do mundo. João 8:32 nunca foi tão ignorado.













Otto Rudolf Jordan. Economista, empresário e produtor rural.
















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