O "perigo amarelo" de Eduardo Bolsonaro e o uso do factóide como método.
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Nessa quarta-feira, 19 de março de 2020, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), ao reproduzir manifestação de um cidadão bolsonarista, terminou por responsabilizar o governo da China, a quem classificou de "ditadura", pela pandemia de coronavírus.
Crise diplomática
Nessa quarta-feira, 19 de março de 2020, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), ao reproduzir manifestação de um cidadão bolsonarista, terminou por responsabilizar o governo da China, a quem classificou de "ditadura", pela pandemia de coronavírus.
Crise diplomática
"Quem assistiu Chernobyl vai entender o q ocorreu. Substitua a usina nuclear pelo coronavírus e a ditadura soviética pela chinesa. [...] +1 vez uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste, mas q salvaria inúmeras vidas. [...] A culpa é da China e liberdade seria a solução", publicou Eduardo em seu twitter.
O comentário provocou uma crise diplomática e forte reação da embaixada da China e do presidente da Câmara dos Deputados - Rodrigo Maia, que se apressou a pedir desculpas ao governo Chinês pela manifestação do deputado, informando não ser a opinião twittada a posição oficial do parlamento brasileiro.
O embaixador Yang Wanming, representante da China - principal parceiro comercial do Brasil, manifestou veemente repúdio à declaração de Eduardo, chegando a dizer que o deputado filho do presidente Jair Bolsonaro "contraiu um vírus mental" em Miami.
“A parte chinesa repudia veementemente as suas palavras, e exige que as retire imediatamente e peça uma desculpa ao povo chinês. Vou protestar e manifestar a nossa indignação junto ao Itamaraty e a Câmara dos Deputados”, disse Yang no Twitter.
“As suas palavras são um insulto maléfico contra a China e o povo chinês. Tal atitude flagrante anti-China não condiz com o seu status como deputado federal, nem a sua qualidade como uma figura pública especial. Além disso, vai ferir a relação amistosa China-Brasil”, acrescentou.
![]() |
twitte de Eduardo Bolsonaro |
Na mesma linha, a conta oficial da Embaixada da China disse que as palavras de Eduardo “são extremamente irresponsáveis e nos soam familiares. Não deixam de ser uma imitação dos seus queridos amigos. Ao voltar de Miami, contraiu, infelizmente, vírus mental, que está infectando a amizades entre os nossos povos.”
Yang disse também que Eduardo Bolsonaro “precisa assumir todas as suas consequências”.
Eduardo Bolsonaro, após horas de impacto nos meios políticos e desconforto ocorrido no governo, publicou extensa nota oficial, declarando no seu twitter que "jamais ofendi o povo chinês, tal interpretação é totalmente descabida. Esclareço que compartilhei postagem que critica a atuação do governo chinês na prevenção da pandemia".
O estrago, porém, já estava feito. Nas redes sociais, bolsonaristas se apressavam em defender a twittada pouco diplomática, como exercício legítimo da "liberdade de expressão". Como se o Deputado Eduardo Bolsonaro fosse um deputado de baixo clero sem vínculo direto com o Palácio do Planalto e alinhamento absoluto com a figura do Presidente da República - por sinal, seu pai.
O Chanceler Ernesto Araújo procurou agir rápido, minimizando o estrago diplomático e lançando nota onde seguiu a mesma estratégia de desconectar a manifestação do Deputado da posição do governo, criticando a tentativa de conexão oficial.
Nossa opinião em vídeo
Nossa opinião em vídeo
Sobre esse assunto, este autor foi entrevistado pelo Canal Notícias Agrícolas, comentando o contexto junto ao jornalista e editor do Portal, João Batista Olivi.
Para assistir ao comentário, basta clicar aqui:
![]() |
João Batista Olivi e Antonio Fernando Pinheiro Pedro - tentando entender onde a twittada queria chegar... |
A necessidade de "causar"
O problema do comportamento dos filhos bolsonaros em relação ao pai... no caso presente do Corona Vírus + diplomacia com a China... nada tem a ver com "liberdade de expressão", mas, sim, com uma compulsão ao protagonismo por meio de factóides - isso sim, um mind set cultural, aliás tipicamente carioca.
O problema do comportamento dos filhos bolsonaros em relação ao pai... no caso presente do Corona Vírus + diplomacia com a China... nada tem a ver com "liberdade de expressão", mas, sim, com uma compulsão ao protagonismo por meio de factóides - isso sim, um mind set cultural, aliás tipicamente carioca.
Essa mentalidade já foi exaustivamente exposta pelo pai do atual presidente da Câmara dos Deputados, o ex-prefeito do Rio Cesar Maia, que usou e abusou desse tipo de comportamento para atrair a atenção da mídia. Carlos Minc, outro carioca ilustre, usa e abusa desse esquema midiático, cujo único objetivo é "causar" nos meios de imprensa. Roberto Jefferson, Cidinha Campos, Freixo, Marielle, Sérgio Cabral, etc... são casos patológicos desse uso.
Se por um lado o Deputado "lacra" ou "causa" (para usar termos bem ao gosto da jornalista Vera Magalhães, "adorada" pelos Bolsonaro), por outro, quem sofre as consequências é a economia de mercado, sujeita aos humores dos personagens falastrões e ás reações duras do governo chinês, que confunde Estado, Partido, Governo, Mercado e Povo - até por uma questão conceitual e ideológica...
![]() |
twitter da conta oficial da China |
O fato é que, no momento em que devíamos estar unidos com o governo no combate à pandemia, terminamos gastando energia em dissenções internas, como comadres, por conta de twittadas que fazem a alegria das hostes oposicionistas e especuladores do pânico. E nada como a volta da tese do "perigo amarelo", como forma de gerar desagregação e desvio de foco.
Eduardo, portanto, apenas repete o que já está ocorrendo em toda a base do governo e nas redes sociais que formam a base do presidente. Uma sucessão de factoides que resultam inevitavelmente em confusão dispensável.
Efeito desagregador
Efeito desagregador
Isso é grave e é ocasionado pelo comportamento idiossincrático dos personagens. Esse comportamento gera sempre descontentamento e dissenções internas, quase sempre alimentadas por reações desproporcionais e incinerações de reputação dos que externam seu desconforto.
Se isso ocorria pontualmente, entre lideranças da base do governo, agora ocorre em larga escala nos grupos de redes sociais, vários deles formados justamente para congregar apoiadores do governo.
O esgarçamento da base de apoio ao governo, portanto, começa de dentro. Da necessidade alguns acusarem outros que discordam pontualmente de atitudes polêmicas - como a twittada do Deputado, de ser "traíra", "comuna", "isentão", "submisso aos interesses estrangeiros", "tucano", etc...etc...etc...
Essa hostilização quase stalinista desmobiliza e desanima. Aparenta também seguir uma doutrina de depuração tipicamente nazista - visando uma certa "purificação" dos quadros partidários, só justificável em um processo totalitário de radicalização política. Bom exemplo desse tipo de comportamento é o recente "meme" que circula nas redes, informando que "gosto mais ainda do nosso líder pelos tipos que passam a odiá-lo"...
A atitude é absolutamente sectária, inquisitorial e chega mesmo a confundir o apoio político com crença religiosa.
Um caminho perigoso e sem volta
Lamentável a postura iniciada por Eduardo, seguindo inclusive o que buscam propagar os chamados "falcões" da direita republicana em Washington. E é essa a razão da irritação da diplomacia chinesa com a atitude do Deputado.
Donald Trump, ao apontar o o Corona como um "Vírus Chinês", retaliou insinuações chinesas de que os militares americanos tivessem alguma relação com o vírus. Ele foi pontual e cirúrgico, e afirmou em todas as ocasiões em que foi questionado, que assim se refere ao vírus não em função da culpa e, sim, por uma questão de origem geográfica. Eduardo Bolsonaro, pelo visto, não atentou para a sutileza diplomática embutida na questão... mas seguiu adotando outro método, o de apontar "o inimigo".
A Peste, de Camus e o Tratado Sobre a Cegueira, de Saramago, descrevem o pânico e a troca de acusações ante a pandemia... com todos os rompantes, misérias e problemas existenciais que caracterizam a humanidade.
Porém, o que se observa nesse crescente discurso acusador, relacionando a cultura chinesa e o partido comunista da China com o Covid 19 - que nada tem de conservador e em tudo se assemelha ao mais rastaquera populismo - é o método nazista de buscar no inimigo externo, de outra raça, a figura do mal a ser combatido.
A China se amolda perfeitamente. É um vilão perfeito. Se assim o é, por que não atacar os chineses?
Não poderia deixar de pensar aqui com meus botões: - Perfeito! Sigamos nesse rumo, descartando quem para pra pensar, destruindo os ponderados, desprezando os alertas e radicalizando o discurso contra os inimigos que elegeremos pelo caminho (afinal... há vários). Com certeza, terminaremos todos muito bem, seguindo pateticamente a frase irônica de Sartre: "o inferno são os outros".
Um caminho perigoso e sem volta
Lamentável a postura iniciada por Eduardo, seguindo inclusive o que buscam propagar os chamados "falcões" da direita republicana em Washington. E é essa a razão da irritação da diplomacia chinesa com a atitude do Deputado.
Donald Trump, ao apontar o o Corona como um "Vírus Chinês", retaliou insinuações chinesas de que os militares americanos tivessem alguma relação com o vírus. Ele foi pontual e cirúrgico, e afirmou em todas as ocasiões em que foi questionado, que assim se refere ao vírus não em função da culpa e, sim, por uma questão de origem geográfica. Eduardo Bolsonaro, pelo visto, não atentou para a sutileza diplomática embutida na questão... mas seguiu adotando outro método, o de apontar "o inimigo".
A Peste, de Camus e o Tratado Sobre a Cegueira, de Saramago, descrevem o pânico e a troca de acusações ante a pandemia... com todos os rompantes, misérias e problemas existenciais que caracterizam a humanidade.
Porém, o que se observa nesse crescente discurso acusador, relacionando a cultura chinesa e o partido comunista da China com o Covid 19 - que nada tem de conservador e em tudo se assemelha ao mais rastaquera populismo - é o método nazista de buscar no inimigo externo, de outra raça, a figura do mal a ser combatido.
A China se amolda perfeitamente. É um vilão perfeito. Se assim o é, por que não atacar os chineses?
Não poderia deixar de pensar aqui com meus botões: - Perfeito! Sigamos nesse rumo, descartando quem para pra pensar, destruindo os ponderados, desprezando os alertas e radicalizando o discurso contra os inimigos que elegeremos pelo caminho (afinal... há vários). Com certeza, terminaremos todos muito bem, seguindo pateticamente a frase irônica de Sartre: "o inferno são os outros".
![]() |
Nota oficial de Ernesto Araújo- MRE |
O caso chinês é exatamente isso. Está claro para todo mundo de onde vem e o porquê de surgir a pandemia do Corona Vírus.
Não se trata de uma arma ideológica... mas sim de um efeito biológico advindo de profundos hábitos alimentares estratificados por um histórico de dificuldades econômicas insuperáveis.
No entanto, apontar o partido comunista chinês ou a ditadura de estado como culpados do que quer que seja, não resolverá nosso problema e o problema de todo o globo terrestre, incluso a própria China.
A hora é de união e proatividade no combate a uma pandemia mundial que pode arrasar nossa economia.
A hora é de união
A hora é de união
O governo ainda se encontra desembarcado na praia inimiga, cercado por hostes burocráticas dos governos anteriores. Não por outro motivo é metralhado diuturnamente pelo establishment e sua artilharia de imprensa - sem que possua ainda capacidade de substituir quadros, repor efetivos perdidos ou mesmo consolidar um plano de ataque.
Nesse sentido, rachar o comando do governo, desfazer da base de apoio parlamentar, desagregar o núcleo do Poder e gerar conflitos diplomáticos, não parece ser boa estratégia de quem busca se estabilizar na situação, ainda que a depuração pretendida esteja coberta das melhores intenções.
nota oficial do governo da China
Já disse isso em outra ocasião, mas nunca é demais repetir: Nosso regime é democrático e antipopulista e o governo Bolsonaro está empenhado em DESFAZER todo o malfeito que se abateu por duas décadas sobre o solo brasileiro - nisso ele tem todo o apoio da imensa maioria da população.
As dissenções, no entanto, parecem ocorrer por conta da propensão natural do presidente da república seguir O QUE SENTE ao invés de racionalizar o comportamento de estadista - conforme dita a realpolitik intrínseca ao exercício do Poder. Nisso ele é seguido pelos seu filhos - em especial os postados em cargos parlamentares diretamente vinculados á base do governo.
O que parece força, na verdade é fraqueza
O que parece força, na verdade é fraqueza
O problema do comportamento filial em relação ao pai; dos assessores palacianos e do próprio presidente com relação à compulsão por antagonizar, não pode ser confundido com mero exercício de "liberdade de expressão", ou "afirmação ideológica". Termina expondo uma fraqueza na manutenção das liturgias dos cargos que será certamente explorada pela inteligência do establishment.
Bate-bocas pelo twitter revelam fragilidade. Assim, a inteligência, a prudência e a razão recomendam adotar o SILÊNCIO.
Falar demais, integra o rol das arrogâncias que matam.
No presente caso, a China não aceitou a nota da chancelaria brasileira e exige a retratação do Deputado. Ou seja, a digitada factóide poderá custar muito caro ao Brasil...
No presente caso, a China não aceitou a nota da chancelaria brasileira e exige a retratação do Deputado. Ou seja, a digitada factóide poderá custar muito caro ao Brasil...
A propósito, o General Paraquedista Polonês Sosobowski, na Segunda Guerra Mundial, ao perceber que o plano Market Garden - traçado por Montgomery, não observara a inteligência do inimigo, calou-se, provocando a curiosidade dos comandantes interlocutores. Instado a se manifestar ante seu ostensivo silêncio, declarou o General que "seres inteligentes formam uma minoria, que se sente mais confortável no silêncio".*
Precisa dizer mais?
Lealdade é alertar, não bajular
Por fim, este subscritor reitera que apoia o esforço governamental de conduzir o Estado Brasileiro no rumo da decência, da prosperidade, da moralidade e da democracia. Porém, alerta que lealdade não se confunde com bajulação e que a verdadeira amizade se faz presente quando o amigo, o apoiador sincero, o aliado efetivo, faz a crítica dura e objetivamente.
Vale, portanto, o alerta para os riscos dos desvios de comportamento - que podem sim, comprometer o esforço de todos os cidadãos brasileiros que acreditam na Pátria Brasileira.
Notas:
* PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro - "Hora do Silêncio na República dos Twitters", in Blog The Eagle View, 14fev2019, in https://www.theeagleview.com.br/2019/02/hora-do-silencio-na-republica-dos.html
Entrevista gravada para o Portal Notícias Agrícolas - matéria original em https://www.noticiasagricolas.com.br/videos/politica-economia/255005-eduardo-bolsonaro-cria-caso-com-a-china-isso-e-metodo-ou-tem-coisa-por-tras.html#.XnPcU6hKhqM
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa - API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View". Foi integrante da equipe que elaborou o plano de transição da gestão ambiental para o governo Bolsonaro.
Belo texto!
ResponderExcluir