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quinta-feira, 11 de outubro de 2018

O JORNALISMO ANALÓGICO E O FENÔMENO POLÍTICO DIGITAL

A grande imprensa e as campanhas político-eleitorais, terão que se reinventar 



Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro


Na campanha eleitoral de 2018,  ocorreu evidente constatação: 

O aparato de comunicação analógico, composto pelas concessionárias de rádio e televisão, jornais e revistas da grande imprensa, subserviente e amestrado pelo establishment, sucumbiu ao fenômeno político digital.

Foi um doloroso choque de realidade para  os chamados cartéis da grande imprensa,  senhores de um mercado hoje condenado a desaparecer.  

Também foi decretado o fim do marketing político tradicional, centrado nessa mesma mídia. 

Fiéis serviçais do status quo, organismos da grande mídia usaram os melhores recursos técnicos e humanos para conferir credibilidade à cobertura do processo eleitoral. O aparato de rádio e televisão, por sua vez, também hospeda o horário eleitoral gratuito, até então tido e havido como o ápice das campanhas organizadas pelos grandes partidos patrocinados pelo establishment.

Todo esse complexo midiático foi fragorosamente  derrotado pelo fato digital, superado em audiência, cobertura e credibilidade,  pela ágil, difusa, pulverizada, barata e organicamente articulada mobilização da cidadania por meio dos dispositivos pessoais integrados no Big Data. 


O establishment

O aparato de comunicação da grande imprensa é mantido, patrocinado e suportado economicamente pelo establishment - como é chamado o conjunto de próceres e mantenedores do mecanismo de poder  existente no Brasil.

Detentor intelectual dos meios de comunicação - de forma cartelizada, o aparato de comunicação, durante os processos eleitorais da  Nova República,  manteve-se "acima" dos candidatos e suas propostas, "decidindo" o que era "bom" ou "ruim" para seus leitores, ouvintes e telespectadores. 

Esse comportamento arrogante foi  também adotado pelo cartel no processo eleitoral de 2018, para a presidência, os parlamentos da união, chefia executiva e parlamentos dos estados. 

Amestrados pelo establishment, os jornalistas da grande imprensa apostaram na manutenção do status quo, na permanência das velhas lideranças e na superação dos outsiders pelo peso das máquinas partidárias.  

Deram como certa a vitória da  política de alianças dos partidos que monopolizaram o tempo de rádio e televisão, destinados á propaganda eleitoral.  

Os analistas políticos do aparato midiático e a estrutura tradicional de propaganda política dos grandes partidos, também acreditavam na "desidratação" do "candidato da direita" - Jair Bolsonaro, face á campanha de desconstrução que ele enfrentaria (sem tempo de TV para revidar), e em face  às denúncias  veiculadas por eles próprios e pela grande imprensa engajada. Tinham a certeza, outrossim, que não haveria governabilidade possível de um outsider, sem alinhamento deste com uma base parlamentar consolidada, obviamente oriunda dos partidos de sempre... 

Pois bem, falharam absolutamente. 

O fato é que o  grande sistema de comunicação, analógico e viciado, sucumbiu, dizimado pela mobilização digital, difusa e livremente articulada, ocorrida na campanha eleitoral de 2018.


O ocaso do jornalismo analógico

A mídia amestrada pelo establishment, que sempre constituiu uma formidável máquina de guerra, revelou-se obsoleta. 

O impacto econômico deste fato é significativo.

As redes de mídia impressa e radio-televisiva, esta última sedimentada pelo regime de concessões, todas denominadas "mídias quentes", são mantidas, há tempos,  pelas grandes verbas oriundas do enorme fluxo de propaganda estatal e das campanhas de marketing dos grandes grupos financeiros, tocadas pelas agências de propaganda convencionais. 

No período eleitoral, esse aparato ganha o reforço de investimento dos partidos políticos e  grandes conglomerados financeiros, que por meio da grande imprensa contratam os institutos de pesquisa. A dança de números contratada, no entanto, não é gratuita, ela suporta "ajustes e aproximações", não para informar a tendência do eleitorado mas, sim, para induzi-lo a corresponder à vontade do establishment.

A liberdade de imprensa, nesse processo, sofre barbaramente. A massa de informações, no âmbito da grande mídia, é filtrada por editorias e analisada por jornalistas formadores de opinião. Só então, é despejada sobre dezenas de milhões de telespectadores, centenas de milhares de radio-ouvintes e dezenas de milhares de leitores, diariamente.

Embora produzido em nível de qualidade diferenciado, e com expressão em escala superior, e ainda que esteja suportado por broadcasting, o sistema da grande mídia nacional permanece analógico. Constitui uma produção editorial manufaturada - quase artesanal, que pressupõe fidelização da assistência - expandida aritmeticamente. 

O que esse sistema produz, demanda conversão para os meios digitais. Dessa forma, é fato, o sistema alcança o celular do cidadão tal qual se faz na mídia digital. Porém, ao contrário dessa mídia assimétrica e pulverizada, esse sistema da grande imprensa requer do usuário uma assinatura... 


A mobilização digital

Essa microfísica do poder (na linguagem de Michel Foucault), não se adaptou à tecnologia disruptiva digital). O impacto tecnológico disruptivo da comunicação em rede digital  não pode mais ser revertido, nem caberá mais nas mídias mainstream. 

O processo de pulverização digital da informação obriga esse sistema a se reinventar.  As estruturas de poder apostas em uma redação tendem a desaparecer. Como o próprio Foucault  já antevia na construção da vontade de saber,  prevalecem agora o desejo sem a lei e o poder sem o rei. 

Mas não houve uma "invasão" de território, e tão pouco houve disputa por audiência - pois mídias e mensagens em absoluto se assemelharam.  O establishment simplesmente não conseguiu detectar a disrupção e ignorou o enorme movimento político subterrâneo - a "vontade de saber" do "desejo sem a lei e o poder ser o rei" que marcou todos os movimentos libertários produzidos no mundo na segunda década deste século - da primavera árabe às manifestações de rua no Brasil. 

Envolto pela soberba, o establishment não atentou, não analisou, não previu e não percebeu o enraizamento e o reflorescer do fenômeno das gigantescas manifestações de 2013. 

A indignação em estado puro de 2013, serviu de base para alavancar a "raiva" motivadora do impeachment da presidente Dilma em 2016 e a radicalização nas eleições de 2018.  

Se o choque tecnológico ficou evidenciado pela mobilização virtual, essa mobilização foi de fato concretizada nas ruas, inúmeras vezes. 

O segredo da mobilização virtual é sua aparente invisibilidade. Ela se dá pelas infovias das redes sociais (facebook, twitter), pela internet (websites, notificações de rede e e-mails), e pelas modernas mídias digitais de troca de mensagens (whatsapp e telegram),  chamadas mídias frias, produzidas, percebidas e recebidas nos tablets, telefones celulares e laptops dos milhões de usuários. 

Essa assimetria não demanda hierarquia, ou direção. Isso confere uma capacidade de pulverização surpreendente - que a grande mídia analógica não alcança. 

Ou seja, nas eleições de 2018,  independente dos candidatos, partidos e bandeiras de mobilização social de cada candidatura, a campanha digital avançou virtualmente sem  aparente liderança, de forma livre, transferindo informações, postagens, lives, memes, impressões ao sabor da disponibilidade, empatia, receptividade e humor dos próprios usuários, transmissores-receptores, bastando um toque na telinha do celular para instalar-se a comunicação.   

O impacto atingiu a comunicação das estruturas ideológicas consolidadas. Para as organizações postadas á esquerda do establishment, o choque produzido pela mobilização digital foi ainda mais desmoralizante. Os chamados "movimentos sociais organizados"  tornaram-se, simplesmente, obsoletos. A capacidade de mobilização e emprego pelo proselitismo nas ruas não se comparou á leveza e dinâmica do fenômeno de articulação digital, desprovida de custos físicos e estrutura formal. 

No campo dos conflitos assimétricos multifacetados, o fenômeno político digital consolidado nas eleições de 2018, também foi relevante.

O fenômeno ampliou ainda mais a assimetria que caracteriza os chamados "conflitos de quarta geração".  Criou uma espécie de movimento de massas orientado, porém organicamente desorganizado.  


Invasibilidade e incapacidade de controle

Esse fenômeno dinâmico da articulação digital já era conhecido no campo da segurança pública, e envolve conflito quanto à invasibilidade na vida e intimidade das pessoas. Isso ocorre porque a tradicional Inteligência de Estado não encontra forma de monitorar digitalmente, sem comprimir a liberdade de expressão e invadir a intimidade do cidadão. Um risco efetivo para o Estado de Direito. 

No campo da judicialização, a assimetria torna as ações da jusburocracia algo próximo do ridículo. De fato, em um mundo onde  o número de dispositivos digitais interconectados já suplantou o número de habitantes do planeta,  a censura judicial a  jornais de papel e canais de televisão concessionados, a regulação do  "direito de resposta" e a repressão à manipulação de fatos e monitoramento de boatos (em maior escala que a manipulação dos fatos pela grande mídia) tornou-se outra piada. O controle judicial dessa usina de  diálogos digitais chega a ser hilária.

Porém, ao contrário do que parece, não é o cidadão que perde e, sim, o próprio establishment. 

No fenômeno digital, por mais que se pretenda distorcer, a informação transparece e tanto versões como desmentidos fluem entre os usuários sem que haja controle oficial - portanto, a própria  manipulação cedo ou tarde se revela.

A mobilização digital produzida por usuários interconectados em redes sociais e plataformas de comunicação para celulares é, ainda  turbinada, sem qualquer filtro, seja diretamente pelos usuários, seja, também, pelos ditos influenciadores digitais e seus seguidores. 

Trata-se a articulação digital no big data, de uma mobilização não segmentada. Pelo contrário, integrada e em conexão permanente, impactando centenas de milhões de indivíduos todo o tempo. Isso não pode ser contido no campo dos prazos processuais, procedimentos burocráticos e medidas judicialiformes convencionais.

Cínicos, arrogantes, imbecilizados pela zona de conforto de redações mofadas e organizações partidárias apodrecidas, os próceres do stablishment organizarão uma contra-ofensiva. 

Essa contra-ofensiva já se faz notar nos EUA, como a busca pelo "profissionalismo do jornalismo nas redes digitais" e a instalação de agências de "fact checking" contra "fake news". Com isso, pretendem literalmente assumir o fluxo de informações nas redes sociais e  monetizar a retransmissão da notícia em favor do "autor da matéria", como se o fato pertencesse ao jornal e não o contrário.

No Brasil, desde a votação do chamado "marco civil da internet", observa-se a tentativa dos burocratas do Estado e ditadores da informação de impor controle sobre a livre manifestação. A esquerda desde sempre procura fazê-lo no mundo todo, impondo o chamado marxismo cultural por via do "politicamente correto" como norma cogente. O Judiciário, carcomido e preso, literalmente, nas vestes talares do século XVIII,  é cúmplice do crime. Esse contexto, no entanto, torna-se mais agudo e perigoso no Brasil, onde as instituições encontram-se mais permeáveis a laivos autoritários e são impermeáveis aos interesses do cidadão comum (com exceção do temor covarde ás manifestações em massa...).

O ponto fraco de todo o fenômeno, porém, está afeto a uma ironia: o pior atentado à liberdade de expressão nas infovias, até agora, parte das ações de quem no primeiro momento beneficiou-se da disrupção tecnológica - a direita xenófoba européia e os reacionários supremacistas norte-americanos. 

De fato, a  manipulação construída pelos hackeadores da privacidade, o Google e Facebook, aliados à consultoria Cambridge Analytica, está servindo de base para justificar uma tentativa de controle institucionalizada.  

Os fabricantes de fake news manipularam o fluxo de opiniões usando algoritmos no episódio do Brexit, na Europa e da eleição de Trump, nos EUA. Assim,  abriram espaço para que um exército de alucinados emporcalhassem as redes com enxurradas de insultos e desinformação. 

Esse fenômeno é o pretexto que burocratas e ditadores da informação queriam, para avançar sobre a liberdade de expressão e a neutralidade da rede. Será usado com muita força aqui no Brasil também, contra a liberdade de expressão dos brasileiros,  e com maior vigor, se Bolsonaro não cuidar de organizar sua comunicação. 

Esse retorno ao domínio d mídia mainstream, porém, não irá se resolver com marcos legais idiotas ou aparelhamentos corporativistas articulados de dentro para fora nas empresas administradoras das redes sociais. 

Todos, terão e irão se reinventar.


A obsolescência política do establishment

Vídeos, mensagens, memes e "lives" (verdadeiros comícios virtuais), tomaram toda a atenção das centenas de milhões de cidadãos na campanha eleitoral  no Brasil, de 2018. Mas o fenômeno não é novidade para a geração antenada no big data. 

A campanha eleitoral no Brasil, de todos os cases ocorridos no mundo, parece ser o mais emblemático. 

O Estado brasileiro, e seus aparelhos ideológicos parecem não ter se apercebido que o cidadãos passam cada vez mais tempo conectados ao telefone celular e menos tempo dedicados a dar atenção à TV, ao rádio e ao jornal impresso. 

Foi dessa forma que eventos antes tidos como decisivos para uma campanha eleitoral - como o comício partidário ou o debate televisivo, tornaram-se não só obsoletos, como também desinteressantes.

Não houve, portanto,  no campo digital, qualquer surpresa nas eleições de 2018. Produziu-se, simplesmente, o conhecido impacto da revolução digital no atrasado ambiente político brasileiro.  

Também tratou-se de mais um capítulo na evolução dos conflitos assimétricos envolvendo interesses difusos, ativismos de toda ordem, neopopulismos e a notória crise do sistema representativo no Estado Democrático Moderno.

Parece grego... mas não é. Basta ver a assimetria  de meios materiais disponibilizados para candidatos como Alckmin (PSDB), Meirelles (MDB) e Haddad (PT), donos de campanhas milionárias, e o resultado pífio  por eles alcançado, face á destreza da campanha digital e barata, promovida por Jair Bolsonaro.

A digitalização equilibra os desiguais no campo da comunicação. O grande exemplo de 2018 foi o folclórico Cabo Daciolo, com sua campanha de memes - ao custo de mil reais, que superou o sisudo  e bilionário candidato Meirelles em número de votos, tendo este despendido oitenta mil vezes aquela quantia, na mesma eleição.

As bancadas renovadas no parlamento nacional reproduziram a mesma assimetria. Candidatos "youtubers",  conhecidos nos meios digitais, operando mídias em rede com baixo custo e alta criatividade, para um público difuso e infinitamente numeroso, demoliram lideranças tradicionais, baseadas no clientelismo e na extração de votos conquistados pelo contato físico, em redutos eleitorais definidos. 

A campanha digital só não foi eficaz nos rincões interioranos e franjas miseráveis das regiões pouco desenvolvidas, mantidas auxiliadas por programas governamentais de transferência de renda e suporte no abastecimento de itens de primeira necessidade. Nessas áreas, a estrutura analógica do establishment constitui ainda o meio e a mensagem. 

Isso explica como candidatos populistas, vinculados a um eleitorado de baixa renda e baixo nível de informação, restaram derrotados por candidatos mobilizados digitalmente, que atingiram todas as demais camadas sócio-econômicas da população portadora de celulares inteligentes.


Eu não disse?

A terrível frase que sempre atrai o ódio visceral dos que a ouvem, atesta a confirmação de vaticínios ou advertências  óbvias para eventos funestos. 

No entanto, já havia mesmo alertado para o fenômeno, por escrito e em vídeo, ainda em 2013, quando da explosão das manifestações dos idos de junho. 

O ciberespaço,  integrado pela internet das coisas, pelas redes sociais, pela comunicação digitalizada,  compreende a comunicação entre os bilhões de seres humanos e também dos próprios dispositivos  interconectados a outros dispositivos. Ele vive permanentemente em tráfego - não respeita feriado, horário e situação geográfica. 

Bolsonaro captou, em 2018, o fenômeno. Ele identificou no ciberespaço a melhor forma de replicar e impulsionar a onda de descontentamento contra todo o establishment. Fê-lo com maestria, mesmo confiado a quatro paredes, fora das ruas, devido à convalescença do ferimento sofrido no atentado contra sua vida.

Agora, se houver inteligência na equipe governante e uma Inteligência de Estado eficaz,  iremos testemunhar o esforço para a construção de um governo digital, que aproximará ainda mais os cidadãos interconectados, gerando nova forma de comunicação do Estado com seus usuários e a sociedade - que politicamente o organizou. 

Quanto à comunicação, deverá sofrer nova onda organizacional, sem prescindir dos jornalistas -  cidadãos ocupados em usar e fazer outros usarem, constantemente, o intelecto, em função da causa da justiça, da liberdade e da verdade.

Já o aparato do establishment - este terá que se reinventar, bem como as campanhas e estruturas de comunicação da política neste século. 



Leia também:

Papo Reto - A Primavera Brasileira - in https://www.theeagleview.com.br/2013/06/papo-reto-primavera-brasileira.html

Papo Reto - Crise no Estado, in https://www.theeagleview.com.br/2013/07/papo-reto-crise-no-estado.html

A Grande Revolução Digital - in https://www.theeagleview.com.br/2013/06/a-primavera-digital.html

A Mídia em Clima de Baixaria - https://www.theeagleview.com.br/2018/09/midia-em-clima-de-baixaria.html

A Crise Moral na Grande Imprensa - Entrevista com Pinheiro Pedro, in https://www.theeagleview.com.br/2018/09/a-crise-moral-na-grande-imprensa.html




Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB. Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa - API. É  Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal, do Mural Eletrônico DAZIBAO e responsável pelo blog The Eagle  View.






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