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quinta-feira, 28 de junho de 2018

ENGAIOLANDO O PASSADO DE TRUMP

O Trump determinado de hoje, engaiolaria a própria mãe.






Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro


Donald Trump tem uma meta estratégica clara e firme determinação de mudar a política de imigração norte americana. Quer dispensar quem pretende gerar uma família nos EUA e admitir apenas quem "represente impacto positivo". Sai a prole, entram os cérebros. 

Por óbvio que  os tempos seriam outros, mas o esforço de imaginação é válido: tal qual um "exterminador do futuro", se o presidente norte-americano retornasse ao passado com essa mesma determinação, com certeza teria "engaiolado"* a própria mãe.

Uma típica imigrante nos EUA


"Em novembro de 1929, uma escocesa de dezessete anos, Mary Anne MacLeod, embarcou no S.S. Transylvania, em Glasgow, com destino à cidade de Nova York. Com uma sobrancelha alta e olhos redondos e profundos, MacLeod veio de Tong, uma comunidade pesqueira remota na paróquia de Stornoway, nas Hébridas Exteriores da Escócia. Embora o mercado acionário americano estivesse em queda livre, a Europa, à sombra da guerra, não estava em melhor forma. Os escoceses já estavam emigrando há anos, tentando encontrar melhores oportunidades.

Em Nova York, MacLeod encontraria uma comunidade bem estabelecida de compatriotas e mulheres, incluindo duas de suas irmãs. Ela fez mais de uma viagem transatlântica antes de se estabelecer nos anos 30 em Nova York. 

Em pelo menos dois manifestos de navios e no censo de 1930, sua ocupação é listada como “empregada doméstica” ou “doméstica”... (*1)

"Veio com um visto de imigrante para obter residência  permanente", afirmou à BBC Mundo o historiador Barry Moreno, do Museu Nacional de Imigração da Ilha de Ellis. O visto de imigrante, de número 26698, foi emitido em Glasgow, em 17 de fevereirio de 1930. 

"Desde o momento em que chegou, ela se via morando de vez no país. Isso se chama emigrar. Não há a menor dúvida a este respeito", disse à BBC a escritora Gwenda Blair, autora do livro The Trumps: Three Generations of Builders and a Presidential Candidate ("Os Trumps: Três Gerações de Construtores e um Candidato Presidencial").  (*2) 

A frase é paradigmática. Para algumas pessoas, o fato relacionado à mãe de Trump é paradoxal ante a retórica "anti-imigração", que marca o governo Trump.

O controle de passageiros do navio registrava informações que iam das cores de olhos e cabelos à quantidade de dinheiro trazida. 

Cada um dos recém-chegados precisava provar que trazia pelo menos US$ 50, montante que equivale a US$ 700 em valores atuais. 

Mary Anne declarou esta mesma quantidade nas duas entradas.
"Se você tivesse menos de US$ 50, poderia haver dúvidas sobre sua capacidade de sobreviver nos EUA até conseguir um trabalho", diz o historiador Barry Moreno.

Nos dias de hoje, um cidadão que aparecesse em um terminal portuário nos EUA com apenas US$ 700.00 no bolso, já não permaneceria nem em uma gaiola. Seria embarcado de volta na primeira nave que aparecesse. 

Por outro lado, casar com um americano, como Mary Anne fez,  também não seria solução para obter visto de permanência no governo de seu filho, Donald Trump, hoje


Cérebro será referência para  imigração, não a família


Há uma razão estratégica, perseguida firmemente por um líder que  não costuma hesitar quando a questão é atingir metas. No mundo das pós-verdades, em que "politicamente corretos" pregam que a família não mais forma  o tecido esgarçado da sociedade moderna... Donald Trump, o candidato preferencial das famílias tradicionais dos EUA,  tem o claro propósito de romper com o paradigma familiar para autorizar uma forma de imigração baseada apenas no mérito. 

Trump quer conceder o green card para pretendentes, considerando sua educação, habilidade e conhecimento linguístico, em vez de relações familiares com quem já vive nos EUA. 

Trump não tem papas na língua. Declara que os EUA precisam parar de "adotar imigrantes com baixa qualificação". 

O presidente quer que o país considere bem-vindos imigrantes que "representem impacto positivo na força de trabalho americana".

A realidade deve ser observada para além dos discursos e proselitismos de parte a parte. 

A escala é impressionante. Atualmente, mais de um milhão de pessoas recebem anualmente o direito de residência permanente nos EUA. 

No entanto, a perda de qualidade na formação do cidadão norte americano é evidente. E o governo republicano tem detectado perda de atratividade de cérebros e empreendedores, que buscam sistemas mais estáveis europeus, canadenses e até mesmo Russos ou Chineses, para empreenderem pesquisas e firmarem novos negócios. 

Não por outro motivo, a ideia é alterar o parâmetro radicalmente e, assim, buscar reduzir o número de imigrações em  41%, no primeiro ano de vigência da nova proposta, e 50% em dez anos.

Trump quer privilegiar imigrantes que falem inglês, tenham educação,  idade produtiva, possuam ofertas de trabalho no país,  um histórico de conquistas e iniciativa empreendedora. 

O governo autorizaria cônjuges e filhos menores de americanos regularizados a ir para os EUA - no entanto, restringiria os benefícios a outros familiares ou filhos maiores.


Determinação e perversidade


Determinado a alterar parâmetros, o governo Trump imprime o rolo compressor na política de imigração enquanto remove obstáculos judiciais e legislativos. 

Por óbvio, essa batalha gera casualidades, mortos e feridos. 

Trump tem adotado abordagem radical com relação à imigração,  desde que assumiu. 

Ao par dos engaiolamentos na fronteira com o México - que, seja dita a verdade, já não era novidade nos governos democratas, o governo republicano já limitou a entrada de refugiados muçulmanos e, agora, incrementa uma atritosa ampliação no número de detenções relacionadas à imigração regular ou em fase de regularização.

Nesse ponto, vale repetir: o presente operado por Trump colide com o passado que permitiu que ele próprio nascesse norte americano.

O governo dos EUA adotou uma orientação persecutória e inquisitorial, visando revisar e aprofundar as investigações em procedimentos de regularização com base nas relações familiares.

Esse sistema, a bem da verdade, tem se tornado muito mais agressivo e traumático, que a detenção e posterior liberação dos ilegais que intentam atravessar clandestinamente a fronteira mexicana. Não raro atingem situações consolidadas e promovem traumática invasão na intimidade de famílias estabelecidas. 

Os casos graves de discriminação que a orientação tem gerado, obrigou entidades de direitos humanos a promoverem acusações contra o governo Trump,  inclusive ajuizando ações. 

Uma ação judicial coletiva acusa o governo Trump de deter ilegalmente imigrantes casados com cidadãos dos Estados Unidos, "enquanto buscam o status legal de imigração". Sobre o conflito judicial, a Immigration and Customs Enforcement (ICE) informou que "não comenta sobre processos pendentes". 

Porém, a American Civil Liberties Union (ACLU) informa que propôs uma ação em abril de 2018. 

A entidade informa que o governo americano está contrariando as próprias normas de Cidadania e Imigração dos EUA (USSCIS). Essas normas permitem que pessoas casadas com cidadãos norte-americanos permaneçam no país, ainda que estejam incursas em alguma irregularidade migratória, durante o processo para a obtenção do status legal de imigração.

A quebra histórica de parâmetros tornou-se evidente. A cornucópia de sonhos, oportunidades e da liberdade de até ontem, confronta-se com caixa de pandora segregadora e xenófoba de hoje. 

Os efeitos hermenêuticos, ou seja, a troca de cenários que foram berço dos marcos legais que regem o país, termina por retirar segurança às relações jurídicas que marcam o regime democrático. É sobre essa insegurança que navega perigosamente a política governamental de Trump.  

Do ponto de vista histórico, a contradição é de impressionar Mary Anne MacLeod Trump.  Do ponto de vista prático, não surpreende ninguém.

De fato,  as regras de regularização de imigrantes foram  criadas justamente para manter famílias unidas e encorajar mais pessoas a ajustar o status de imigração. Porém, segundo os advogados da organização humanitária que acionou o governo americano, "agora, as autoridades de imigração estão alvejando pessoas que estão tentando fazer exatamente isso” (regularizar sua situação para proteger a família).

A ideia é clara: inibir quem pretenda se estabelecer nos EUA formando família e preparar terreno para atrair apenas potencialidades.


Atingindo gregos, troianos e brasileiros


Há casos elencados no processo judicial que revelam o lado perverso do conflito - por mais coerente aparente ser a causa de Trump. 

Entre os demandantes há uma mãe da Guatemala que foi abruptamente detida após entrevista sobre seu casamento com um cidadão dos EUA -  com o qual teve dois filhos. 

Uma brasileira, nas mesmas condições, chegou a ser mantida em uma prisão de Boston por mais de três meses, mesmo tendo a sua petição aprovada. Lucimar de Souza e Sérgio Francisco, compareceram em 30 de janeiro de 2018 para uma entrevista de confirmação de casamento, no processo legal de imigração que estavam regularmente participando. Imediatamente após a entrevista, e apesar da aprovação da petição matrimonial, Lucimar foi detida e enviada ao Suffolk County House of Corrections, em Boston, separada do marido e do filho de 10 anos.

Sandro de Souza, que vive nos Estados Unidos há mais de 20 anos, recebeu a ordem de deixar o país no dia 24 de abril, apesar do progresso em seu processo de solicitação via USCIS e, apesar de comparecer ao escritório do ICE regularmente, poderá ser forçado a deixar para trás sua esposa, uma cidadã norte-americana e seu filho que tem residência legal permanente. (*3)

De fato, o governo está buscando revisar a situação de todos os imigrantes que se encontram no chamado "limbo" da regularização - asiáticos, latino americanos e africanos, sobretudo. 

Porém, não há como  não notar que preferencialmente, Trump resolveu fechar as portas a quem acessa os EUA pelo sul. Está provocando um divórcio que poderá custar caro às relações dos EUA com tradicionais aliados americanos ao sul do equador.  


Conclusão



Para o imigrante "hipossuficiente" (seja lá como for que esse parâmetro será aferido), Trump traz na ponta da língua aquela frase: "you're fired!" 

Tragédias pessoais, no entanto, não sensibilizam a determinação férrea do presidente americano de alterar os parâmetros de imigração, em busca de atrair cérebros em vez de famílias. 

Nessa procura por "cérebros", porém, Trump parece desdenhar da inteligência latino americana, como também exprime absoluta desconfiança dos muçulmanos. Definitivamente, o imigrante desejado pelo governo republicano deverá ter uma verve própria... diferente inclusive dos atuais americanos que o elegeram.

Para a imagem política e histórica dos EUA, no entanto, a "América Para os Americanos", propagada por Monroe no Século XIX, ecoará como uma pós-verdade.  Doravante, prevalecerá um "america first", sussurrado em tom maternal,  tal como Mary Anne o fazia ao ninar o pequeno Donald. 


Nota: 
O termo gaiola vem do alambrado que separa imigrantes ilegais detidos na fronteira texana com o México - chamado pelos próprios funcionários do serviço de imigração de "geladeira" - por conta do ar condicionado que funciona no local. 
  *1 - (FONTE: The New Yorker Magazine)
*2 - (FONTE: BBC NEWS)
*3 - (Fonte: Redação - Brazilian Times)



Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados, integra o Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, membro da Comissão de Infraestrutura e Sustentabilidade e da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo (OAB/SP). É Vice-Presidente da Associação Paulista de Iimprensa - API, editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e editor do blog The Eagle View.

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