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quinta-feira, 29 de agosto de 2024

UM TRIBUNAL CONTRA A REPÚBLICA

O Supremo Tribunal Federal transformou-se no coveiro do Regime Constitucional de 1988


STF (foto-Nossa Política)




Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro


Desconstruir a moral, censurar o passado, ruir as instituições, esgarçar o tecido social,  reescrever a constituição, judicializar a vida nacional, corroer a liberdade de expressão, moer a liberdade de imprensa, criminalizar o exercício do pensamento crítico, eliminar o mérito da cultura nacional e  degradar a segurança jurídica nas relações públicas e privadas. Um rol de maldades digno dos vilões a serem combatidos pela Liga da Justiça da DC Comics.

No entanto, é o que  parece estar se dedicando a fazer  a atual judicatura do nosso Supremo Tribunal.

Neste artigo, busco analisar a triste realidade, com a liberdade que tenho de exercer a crítica clara e objetiva.


A pior judicatura da história

A  relação é de causa e efeito.

Nas primeiras décadas deste século, a economia e as instituições nacionais foram devoradas por uma avassaladora onda populista, plena de escândalos de corrupção, equívocos e vieses cognitivos. Isso destruiu o pluralismo e o convívio social,  intelectual e acadêmico. 

Seguiram-se processos de apuração judicial de corrupção, impeachment, reformas estruturais, crises, reformas na economia, mais crises,  gestões conflituosas, pandemias e um processo eleitoral radicalizado e judicializado, o qual nos legou  o ambiente degradado que hoje respiramos,   no aspecto criminal, ético e moral. 
 
Nesse período conturbado, a Ordem Constitucional de 1988 foi posta à prova,  sofrendo danos irreparáveis. Isso porque o barco que devia transportá-la em segurança nas águas turbulentas - o Supremo Tribunal Federal - sofreu profunda alteração nos seus quadros... perdendo a direção e o rumo do porto seguro.

Com efeito, em meio às crises, os populistas se empenharam em compor grande parte dos tribunais federais e superiores, nomeando  profissionais que apresentassem sobretudo "engajamento ideológico", ou pudessem fornecer "amparo"  na solução pontual de conflitos - para além do mérito que eventualmente possuíssem. 

O aparelho da Justiça, ditado pelas circunstâncias, passou a agir sem outra perspectiva que não a  do "alívio imediato" de sintomas - agravando o quadro da doença.  Pior: ganhou vida própria, instituindo uma juristocracia com pretensões de se substituir à Soberania Popular. 

Essa inversão de valores e prioridades fragilizou o Estado de Direito no Brasil e destruiu sua própria Soberania, como Nação. 

Objetivamente, o STF reflete o conflito de valores  e a qualidade dos líderes políticos nacionais que determinaram a escolha dos seus quadros. Nessas últimas décadas, magistrados tradicionalmente sóbrios foram  substituídos por "juristas engajados". Com isso, a cúpula do Judiciário Nacional passou a implementar uma espécie de "destruição criativa" da Ordem Constitucional  - sem qualquer funcionalidade schumpeteriana. 

Dessa forma, a Constituição de 1988 foi triturada com "reinterpretações hermenêuticas" e "revisões exegéticas", à luz de um "panprincipiologismo" escalafobético, que  se estendeu também às normas ordinárias. 

O caráter ativista  passou a  relativizar o direito... até mesmo no passado.  Desconfigurou a segurança jurídica,  alterando decisões como se dita a moda. 

Afetado por ecologismos, identitarismos, histrionismos, proselitismos e intolerâncias, o Supremo Tribunal adotou postura "reativa" e emocional. Digere mal a  crítica e busca sistematizar formas de criminalização do pensamento. 

O resultado é uma produção disfuncional de jurisprudências, sorvidas na sopa de letrinhas da novilíngua orwelliana, temperada ao gosto do "politicamente correto" - refúgio medíocre dos pretensamente ilustrados. 

A judicatura atual é um rasgo tosco da má leitura da chamada "Escola de Frankfurt" - marxismo cultural que contamina a atitude "woke" de governos democratas nos EUA, destrói parte da Europa "progressista"  há décadas e... aqui, foi inoculado pela caneta esquerdizante que aparelha a política e a academia.   

Exemplos não faltam. Um deles é o conceito de "estado de coisas inconstitucional" - um instituto "de exceção", inspirado na jurisprudência venezuelana, importado de forma "deslumbrada" pela atual judicatura. Outro exemplo é a conceituação, conforme a conveniência da ocasião, do que seja "democrático" ou "antidemocrático".  

Esses mecanismos  produzem pérolas jurisprudenciais  desagregadoras, excretadas ao sabor do momento, desarmonizando a relação dos poderes da República.

De fato, o sodalício ensimesmado, está trocando a soberania popular e a própria soberania nacional, em troca de um projeto "progressista-globalista" que afaga os seus membros... e lhes promete o paraíso em meio ao infermo...

Mas, se o conteúdo desagrada... o comportamento ostensivo apavora.*1


Psicopatia institucional

Nietzche apontava a má digestão, proveniente da pesada gastronomia alemã, como razão da profundidade "mal humorada"  dos pensadores germânicos. 

Esse raciocínio se aplica também às relações intestinas da nossa Côrte Suprema -  plena de episódios coléricos, gravados, filmados e publicados, envolvendo declarações e mesmo troca de "elogios" entre seus membros, nada litúrgicos. 

A Côrte age externando desavenças pessoais em decisões que não pacificam a jurisprudência -  inovam a insegurança. Suas decisões não resolvem conflitos - os criam. O que decide não aperfeiçoa a governança - a destrói. 

Comportamentos desproporcionais são refletidos em decisões paradoxais. Equipara-se pixação com golpe de estado. Inquéritos persecutórios - com finalidade genérica, são instaurados num foro prevalentemente judicante e recursal, conduzidos sem qualquer supedâneo constitucional, legal ou regimental, pelos próprios julgadores. 

As ações teratológicas se sucedem, invadindo atribuições dos demais poderes da República.  O Estado de Direito é destruído a pretexto de se estar "salvando" a democracia. 


Aiatolás tocando tango

Conservadorismo e viés constitucionalista se espera de qualquer côrte superior. Porém, o STF adotou um principiologismo ativista, que opera para desestabilizar a norma.

O ativismo judicial é fenômeno sociopata. Destrói a cognição do ato de julgar. Retira do judicante qualquer veleidade deontológica, e permite que este atue no modo utilitarista, para firmar interesses ideológicos.

O ativista julga-se um iluminado. Para ele, a tutela judicial torna-se verdadeiro subprime -  "crédito de risco" atribuído a decisões que não resolvem e, sim, geram conflitos. 

Sob essa distorção cognitiva, juízes ativistas tornam-se Aiatolás - sábios religiosos iranianos que interpretam leis iluminados por suas crenças pessoais sobre o Alcorão.   

Assim,  o quadro de "aiatolás" no STF, busca "iluminar" a Ordem Constitucional com suas convicções próprias - teleológicas, em prejuízo da deontologia necessária e experimentada.

O ego, nessa circunstância, prevalece sobre a razão. Resultado:   os onze ministros tornaram-se  "onze tribunais", turbinados por nababescas "assessorias técnicas" e "juízes instrutores", instalados em cada um dos onze gabinetes.  

A disfunção resulta  no reiterado e sempre apertado  score "por una cabeza", nas decisões plenárias - consumidas com votos quilométricos, redigidos de forma terceirizada em centenas de páginas. Um eco do  emblemático tango de Gardel  (lamentando a aposta perdida na corrida de cavalos... e no amor por uma mulher).

O desarranjo institucional tem alto custo: obriga os demais poderes da República a "contornar" conflitos para não enfrentar a gangorra jurisprudencial instalada na suprema jusburocracia. Esse contorcionismo institucional consolidou assimetrias, com propósitos claramente liberticidas. *2

Quem perde com isso é a República.


A Ditadura da Caneta 

O "tango" do supremo retroalimenta o rompante inquisitorial do Ministério Público Federal - há muito aparelhado e contaminado ideologicamente.

É certo que hoje, parte da instituição do MP luta para se livrar da síndrome da Ditadura da Caneta, ruinosa perversão que corrói a administração do Estado, sobre a qual tratei em  artigo escrito há anos. 

O ativismo judicial do STF, no entanto, fornece tinta à caneta do arbítrio, expressando   a ditadura da toga, instalada no cotidiano nacional.

Esopo já alertava: "todo tirano faz uso de um pretexto justo para exercer sua tirania". 

O STF foi além: transformou em persecutor o próprio magistrado-ativista; disfunção facilitada pelas inacreditáveis autonomias sem controle, conferidas pela Carta de 1988. 

Esse Regime protagonizou um "Golpe de Estado", no qual uma casta de investidos sem mandato destrói a Soberania Popular, interfere no processo legislativo, cassa e caça a imunidade parlamentar, investe contra a liberdade de imprensa e destrói a livre manifestação,  conferindo "tinta" jurisprudencial ao sistema ditatorial  em construção no Brasil.


O remédio para a doença

A   história, com certeza, julgará essa atual judicatura do judiciário brasileiro. E... na perspectiva do tempo a história será implacável

Responsabilizar na esfera criminal, cível e administrativa, os Ministros da pior judicatura da República, por abusos praticados, é o caminho constitucional. 

Motivos não faltam. Há tempos que os ativistas judicantes do STF trituram a Ordem Constitucional, ignorando os artigos 1º e 2º, e descumprindo alternadamente incisos do art. 5º da Constituição. 

O STF... e o TSE, seguem  desfazendo da Soberania Popular a título de defendê-la, usurpando poderes e competências destinados aos demais poderes da República, constantes nos artigos, 49, 51 e 84 - todos da Carta Magna pela qual deveriam zelar. 

O artigo 52  da Constituição seria  o remédio aplicável à infecção. Mas é cediço que o problema é mais profundo que o comportamento idiossincrático deste ou daquele julgador. 

No entanto, a atitude servil e acovardada do Senado Federal, e a cumplicidade sarcástica do governo lulopetista, impõe um risco: a substituição das peças poderá levar a algo ainda pior.

A saída, portanto, pode estar na proposição de um grande e amplo rearranjo político e institucional, uma reforma constitucional que reenquadre o sodalício,  a começar pela instituição de um  mandato temporário, não renovável, dos ministros.

A fervura iniciada com os movimentos de 2013 não será contida por muito tempo na panelinha de pressão midiática, muito menos na repressão constituída na base da carteirada. 

O processo histórico possui dimensões muito maiores que a tinta da caneta do togado de plantão... e das ordens de serviço de uma polícia política (ou politizada) subalterna. 

A tinta, um dia acaba - remanescendo a Justiça. 


Conclusão

Estamos no limiar de uma ruptura. Já cruzamos limites de resguardo do Estado de Direito. Esse sintoma "hamletiano" afeta a República e está prestes a suprimir a democracia no Brasil. 

Se o Estado de Direito desaparece,  sobram o povo e a democracia. E ambos precisam  ser resgatados. 

Sempre ocorreu na história que o povo e o caos restabelecem uma nova ordem. É uma lei da física à qual a biologia, a química e a história política se submetem, inexoravelmente. 
 
Hora, portanto,  do Senado da República resgatar a dignidade que lhe resta, e atentar para as disfunções do STF.

Hora de determinar o óbvio: que se imponha por marco legal que julgadores nunca se expressem na imprensa sobre questões políticas ou se manifestem para além da letra posta nos autos do processo - antes e após decidirem, a menos que o Senado os convoque.

Repita-se, a falta de qualidade do cume togado é extensão da má qualidade instalada nos demais poderes da República. 

Resta-nos, portanto, ter muita paciência e saber exercer nossa Soberania Popular, ainda que com todas as restrições, sintomaticamente impostas a ela pelo acovardado establishment.

Já diziam os romanos: "poder e glória são efêmeros". Assim, a tinta dos que escrevem mal secará, e a caneta da história corrigirá a pantomima que hoje tentam nos impingir. 

Data venia, a história ainda registrará, de forma implacável, que a pior judicatura do Supremo Tribunal Federal enterrou  o Regime Constitucional de 1988 no cemitério da República.






Notas:

*1 -  O Principiologismo sem princípios foi agravado pela prática do chamado pan principiologismo, uma disfunção comportamental que busca relativizar a literalidade da norma jurídica em prol de princípios não positivados.

Não raro, faz-se uso de princípios literalmente não expressos, extraídos por meio de uma interpretação teleológica do texto da Constituição Federal. 

Esse fenômeno - repleto de subjetivismos, salvacionismos e ecologismos, induziu uma cultura "golpista" na jusburocracia nacional,   agravada pelo utilitarismo que contaminou gravemente o processo de implementação da Lei e Ordem no ambiente jurídico. 

O reflexo dessa química é nefasto. Hoje, na Administração Pública, há um temor por decidir, e certo conforto em  obstruir, negar, perseguir e desmobilizar.  

*2 - Constituição "Para Colorir"...

Reduzida a "Livro de Colorir", por força da gangorra jurisprudencial do STF, a moribunda Constituição de 1988 serve de escada para arroubos principiologistas, liberando magistrados de várias instâncias e entrâncias a fazerem o mesmo - intoxicados pelo "supremo desejo" do protagonismo justiceiro.

Esse "Direito Constitucional para Colorir"  do STF, tornou-se manual recorrente no mundo do ativismo judicial e da militância do "politicamente correto". 

O ativismo "politicamente correto" é zona de conforto para mediocridades. Consegue empobrecer até mesmo o debate acadêmico e reduzir à miséria o ambiente nas salas de aula.

Paripassu com a mediocridade, adveio a reatividade. A Operação Lava Jato - a maior operação contra a corrupção de alto coturno ocorrida em um país democrático em todo o mundo, aguçou o comportamento idiossincrático da corte. 

O establishment, por um momento, tropeçou na própria arrogância e  "permitiu" que uma força tarefa, formada num "distante" foro federal do Paraná, surpreendesse o mundo, aprisionando peixes graúdos do oceano da corrupção internacional para resgatar impressionantes quantias, roubadas do povo brasileiro. 

Recompostos todos do susto,  o "senso de justiça" sobre a forma fria da lei - que marca o discurso ativista, foi invertido para priorizar  a filigrama jurídica sobre o senso de justiça, sempre em nome do mesmo ativismo...

O conjunto de contradições jurisprudenciais estendeu-se, então, sinergicamente, num caleidoscópio de paradoxos sintomáticos, gerando  sensação de impunidade e judicializando os alicerces da Nação.







Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Exerceu o cargo pioneiro de Secretário Executivo de Mudanças Climáticas do Município de São Paulo, de junho de 2021 a julho de 2023. Sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Diretor da Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental - AICA, Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa - API. Foi o 1o. presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB/SP, presidente da Câmara Técnica de Legislação do CEBDS, presidente do Comitê de Meio Ambiente da AMCHAM, coordenador da equipe encarregada de elaborar o substitutivo do PL, no mandato do Relator - Dep. Mendes Thame, que resultou na Lei de Política Nacional de Mudanças Climáticas, consultor do governo brasileiro, do Banco Mundial, da ONU e vários outros organismos encarregados de aperfeiçoar o arcabouço legal e institucional do Estado no Brasil. É membro do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Coordenador do Centro de Estudos Estratégicos do Instituto Iniciativa DEX  e Presidente da Associação Universodade da Água - UNIÁGUA. Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View. 




17 comentários:

  1. Grande Dr Fernando. Muito bem escrito...parece.um.mini tratado de direito privado do Pontes de Miranda...objetivo...nos pontos certos e profundo. Meu amigo é isso mesmo. Falta saber se tudo foi planejado ou esses patetas foram cada um do seu jeito causando degenerescencia enquanto por lapso temporal se "abundavam" naquelas cadeiras

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  3. Excelente artigo, essa é a realidade que vivemos

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  4. Excelente aula sobre o que vivemos atualmente, e não para por aí, uma vez que o protagonismo imposto em especial pelo STF e STJ, judicializando literalmente a política e nossas vidas, provoca uma insegurança jurídica sem precedentes. Na área criminal em especial, o crime realmente compensa.

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  5. Muito bom! 👏👏👏

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  6. Parabéns , Dr . Fernando , sou da área jurídica e lendo hoje , pela primeira vez , seu respeitabilíssimo parecer , que endosso integralmente . Infelizmente , somos obrigados a assistir a conduta escabrosa desses senhores , que não cumprem a missão que lhes foi destinada , em total desrespeito aos homens e mulheres de bem deste país . Um abraço ! .

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  7. Não vejo na composição do STF o apreço ao notável saber jurídico e na reputação ilibada. As suas decisões mostram bem a postura simplista na linha ideológica e o encantamento para com os holofotes.

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  8. MARCOS ALBERTO PENNA TRINDADE29 de agosto de 2024 às 22:33

    Não tenho formação em direito, porém o artigo é sublime de fácil entendimento que mostra com muita clareza o horror que estamos vivendo em todas as esferas da república em particular no supremo. Cumprimentos ao autor do texto.

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    1. Nunca tinha visto algo tão REAL DA SITUAÇÃO CAÓTICA que vivemos, NUA E CRUA !!!!!
      Até quando aguentaremos ?????

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  9. É impressionante... A cada dia verifico que a realidade confirma o texto.

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  10. Texto impecável! De.uma autoridade intelectual formidável, expõe a vergonha e a decadência de uma república golpista de.Hermes e.Floriano.

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  11. Posicionamento e autoridade de quem carrega para além do profundo conhecimento jurídico, ético, moral, lucidez e respeito a Constituição.
    Fernando, obrigada por despir em sua obra, o poder que não honra a toga que veste!

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