Tribunal Federal limita a ação não vinculante do ICMBio e consolida a licença ambiental expedida na forma e critérios estabelecidos pelo órgão licenciador estadual competente.
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No tronco do licenciamento ambiental, cada macaco fica no seu galho... |
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
No tronco do licenciamento ambiental, cada macaco fica no seu galho...
O debate produzido no cenário nacional sobre o instituto do licenciamento ambiental é pobre, medíocre e imbecilizado. Envolve entidades que padecem de autismo - a ponto de usarem o termo verde no direito que pretendem para o planeta, justamente por não conseguirem de forma alguma amadurecer... instituições públicas acometidas pela síndrome de Pollyanna, empenhadas em gerir um mundo cor de rosa e desprovido de humanos, jusburocratas deslumbrados com o próprio protagonismo, agentes-melancia - tão verdes por fora quanto vermelhinhos por dentro, radicais em busca de um pretexto para exercer seu radicalismo, gigolôs engravatados - especializados em prostituir a legislação, xucros de toda ordem e parasitas da economia sem mérito. Nesse lamaçal, é mesmo difícil extrair decisões judiciais que não estejam contaminadas pelo proselitismo.
Por isso mesmo, é digno de registro quando a jurisprudência adota a transparência do Estado de Direito e revela maturidade do órgão judicante.
É o que ocorreu no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que definiu os limites de interferência de entidade laterais ao processo de licenciamento ambiental a cargo de órgão competente.
O entendimento previne os danos infringidos ao licenciamento ambiental em particular, e ao interesse público em geral, provocados pelas interferências da sanha burocrática e regulatória desenvolvida por entidades públicas interessadas no referido procedimento.
O caso relaciona a intervenção do ICMBio no bojo de um processo de licenciamento a cargo de entidade estadual. O conflito foi gerado pela decisão da autarquia federal "desconsiderar" o licenciamento ambiental efetuado pelo órgão ambiental do estado, competente para licenciar o empreendimento.
Disse o Tribunal: "Em que pese a competência do ICMBio, ora agravado, para gerir e fiscalizar as Unidades de Conservação (UCs) pertencentes à União, fato é que não se trata de órgão licenciador"...
Em outras palavras: Licenciamento Ambiental não é a Casa da Mãe Joana.
Com efeito, entre os princípios balizadores da atuação estatal estão os princípios da legalidade e da eficiência. O primeiro constitui pressuposto de validade e o segundo condição funcional para os atos da Administração Pública.
Hely Lopes Meirelles já lecionava que se impunha a todo agente público "realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional", informando que o princípio da eficiência era "o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos, para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros”*.
A salada em que se transforma o licenciamento ambiental, por força da ineficiência e da sanha regulatória das entidades de gestão territorial não vinculantes ao procedimento, é um dos principais problemas que afetam a saúde e a sanidade do Sistema Nacional do Meio Ambiente.
Parte desse problema foi resolvido pela edição da Lei Complementar 140, de 2011, que definiu claramente os limites de intervenção das manifestações de entidades interessadas junto ao órgão licenciador, definindo-as como não vinculantes.
De fato, como já tivemos oportunidade de dizer em outro artigo, "o alcance do poder regulamentar é restrito à normatização complementar à lei. Não pode, pois, o regulador, alterá-la a pretexto de estar regulamentando-a. Se o fizer, cometerá abuso de poder regulam'entar, invadindo a competência legislativa e ferindo os princípios da legalidade"*.
O poder regulamentar, portanto, é de natureza derivada (ou secundária): somente é exercido à luz de lei existente. Já as leis constituem atos de natureza originária (ou primária), emanando diretamente da Constituição.
Assim, não pode um ente federado, simplesmente desconsiderar o ato administrativo de outro ente federado, principalmente quando este último é titular da competência para licenciar atividade no território em causa.
Não está dito na decisão - e nem precisaria, que para desconsiderar ato administrativo de outro ente da federação na esfera de sua competência, deveria o interveniente se socorrer do judiciário - jamais agir com abuso.
Importante, portanto, que todos quantos lidem com gestão ambiental estejam atentos para conflitos dessa natureza e, por isso mesmo, se preparem para ecologicamente por os símios burocratas nos seus respectivos galhos...
Segue a decisão:
AMBIENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGO DE EMPREENDIMENTO DE LINHAS DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. AUTORIZAÇÃO DO ICMBIO PARA LICENCIAMENTO DA OBRA. DESCABIMENTO. BAIXO IMPACTO AMBIENTAL. OBRA JÁ CONCLUÍDA E PRONTA PARA ENERGIZAÇÃO.
Trata-se de agravo de instrumento manejado por VENTOS DE SANTA JOANA VII ENERGIAS RENOVÁVEIS S.A. contra decisão proferida pelo Juízo da 34ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará que, nos autos de ação ordinária, indeferiu o pleito de antecipação de tutela, que pretendia a suspensão dos efeitos do auto de infração ICMBio nº 037230/B, relativamente ao embargo imposto pelo INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE - ICMBio, ora agravado, referente à obra “Linha de Transmissão de Energia Elétrica - LT 230 KV-SE Chapada III/SE Seccionadora”.
Compreendeu o Juízo de primeira instância, em resumo, que, em função do significativo impacto ambiental em Unidade de Conservação - UC (qual seja, a Chapada do Araripe), estaria sujeito ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA)/Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA) e, portanto, o licenciamento somente poderia ter sido concedido após autorização do órgão responsável pela administração da referida UC, ou seja, o ICMBio. Além disso, concluiu que o fato de terem sido concedidas licenças ambientais pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí - SEMAR/ PI não afastaria a atribuição do Instituto ora agravado de fiscalizar e até mesmo suspender empreendimentos localizados em UC’s sob sua tutela.
Em que pese a competência do ICMBio, ora agravado, para gerir e fiscalizar as Unidades de Conservação (UCs) pertencentes à União, fato é que não se trata de órgão licenciador, atribuição esta conferida ao IBAMA, no âmbito federal, e às Secretarias de Meio Ambiente estaduais, no âmbito estadual.Também é verdade que o procedimento de licenciamento ambiental é caracterizado por permitir a participação de diversos órgãos que demonstrem interesse ou tenham relação direta com o projeto, o que autoriza, em princípio, a intervenção e participação ativas do ICMBio agravado nos processos de licenciamento ambiental nos casos em que o empreendimento ou atividade seja potencialmente lesivo a uma Unidade de Conservação federal, como ocorre no caso dos autos, em relação especificamente à Chapada do Araripe.
Entretanto, conforme preceitua o parágrafo único do artigo 3º da Resolução CONAMA 237/1997, há a clara possibilidade de o órgão ambiental licenciador dispensar a apresentação do Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA), caso compreenda não ser o empreendimento dotado de significativo impacto ambiental que possa afetar a UC preservada, aceitando, para tanto, estudos ambientais alternativos (caso do Relatório Ambiental Simplificado - RAS).
Em se cuidando de empreendimento não sujeito ao EIA/RIMA, o órgão ambiental licenciador (na hipótese, a SEMAR/PI) deverá apenas conferir ciência ao órgão responsável pela administração da UC (no caso, o ICMBio), de acordo com o previsto no art. 5º da Resolução CONAMA nº 428/2010.
Como se vê, no caso em tela, a SEMAR/PI entendeu, no bojo de sua discricionariedade administrativa, que o empreendimento da autora, ora agravante, seria de baixo impacto ambiental e, portanto, desnecessária a realização de EIA/RIMA. Assim, a confecção do RAS (Relatório Ambiental Simplificado) já foi suficiente para suprir os estudos ambientais porventura exigidos pelo órgão ambiental licenciador, segundo o próprio entendimento deste último.
Dessa forma, quando da feitura do licenciamento ambiental do empreendimento, em 19/08/2015, a SEMAR/PI noticiou o ICMBio a respeito da existência da referida linha de transmissão, estando o agravado, desde tal data, ciente de sua construção, o que já atende ao comando previsto no art. 5º da Resolução CONAMA nº 428/2010, não se podendo exigir, consoante entendeu o Juízo de origem, a necessidade de autorização por parte do ICMBio para se expedir o devido licenciamento ambiental, visto que, como dito, para a SEMAR/PI não é caso de empreendimento com significativo impacto ambiental.
Demais disso, registre-se que o empreendimento já se encontra pronto, com obras devidamente finalizadas e com Licença de Operação já emitida pela SEMAR/PI, apenas restando a energização das linhas de transmissão para o seu regular funcionamento. Ora, inexiste dano ao meio ambiente capaz de se agravar gradualmente, vez que a sua construção já se encontra acabada e a mera transmissão de corrente elétrica pelas referidas linhas não ensejará o “significativo impacto ambiental” previsto pelo Instituto agravado, razão pela qual não há razão para se manter o embargo imposto à operação do empreendimento.
Note-se, ademais, que, inclusive, já funcionam linhas de transmissão pertencentes a outro empreendimento que não o da agravante (Ventos de Santo Onofre I Energias Renováveis S.A.), e que operam a passagem de corrente elétrica naquela mesma região (através da Linha de Transmissão 230 kV Chapada I - Curral Novo do Piauí II), consoante se extrai do documento que compõe o instrumento do agravo (“DOC. 4.13” - ID nº 4050000.3456628). Desse modo, em princípio, também inexiste óbice ao regular funcionamento das linhas de transmissão da empresa ora agravante, afinal se algum prejuízo às aves migratórias e outras espécies existiu tal já se consumou com o funcionamento dessas outras linhas de transmissão.
Agravo de instrumento provido, para suspender o embargo imposto pelo Auto de Infração ICMBio nº 037230/B, e permitir a regular energização das linhas de transmissão operacionalizadas pela agravante.
TRF5, v.u., Proc. 0807203-76.2015.4.05.0000 (PJe), rel. Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima, j. em 23/02/2016
Notas:
*Meirelles, Hely Lopes, "Direito Administrativo Brasileiro", ed.1996. pg.90)
*Filet, Matinus e Pinheiro Pedro, Antonio Fernando, "INTERFERÊNCIA NORMATIVA INDEVIDA DO IPHAN NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL", in "The Eagle View" - extraído em 9 de maio de 2017
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e das Comissões de Política Criminal e Infraestrutura da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É Vice-Presidente da Associação Paulista de imprensa - API, Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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