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sábado, 7 de janeiro de 2017

A VIOLÊNCIA NAS RUAS, A REBELIÃO NOS PRESÍDIOS E A SUPREMACIA DOS IDIOTAS

Os pressupostos, a origem das facções criminosas e o contexto atual da barbárie nas ruas e nos presídios brasileiros






Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro


Triste Brasil, em que vítimas são executadas com vídeo transmitido pelas redes sociais,  cabeças são cortadas e corações arrancados por criaturas selvagens em forma humana,  na certeza que nada será alterado, a não ser ocasionalmente... até que tudo seja, como sempre, esquecido.

Nelson Rodrigues, se estivesse vivo e pudesse observar o que se passa na nossa Segurança Pública e Justiça, já teria de há muito conceituado esse fenômeno como a "supremacia dos idiotas". 

Sofremos com o paradoxo de evoluirmos na tecnologia e nos recursos humanos, e involuirmos moralmente e funcionalmente - contradição fatal para a Ordem Pública, a Segurança e a Justiça. 

Mas isso é o corolário de um longo processo de degradação de valores implementada na chamada "Nova República", agora nos seus estertores.


A Gestão de Fachadas


O psicanalista e filósofo André Martins Vilar de Carvalho, em recente entrevista ao Estadão, vaticinou que:

"Há um sentimento geral de que tudo é feito no Brasil hoje apenas para montar uma fachada. É algo muito desanimador. E que, no meu entender, favorece junto a pessoas que têm menos estrutura psíquica a ideia de que o Brasil é terra de ninguém, onde tudo pode ser feito, inclusive crimes hediondos." (*1)

Essa geleia de sentimentos contamina o Estado, imprensa e sociedade organizada, no Brasil.

É preciso enumerar alguns conceitos hipócritas, vigentes na jusburocracia, universidades e imprensa,  que não só deseducam como expressam preconceitos dominantes no Estado brasileiro, quais sejam: 
 
- o cidadão de bem é um débil mental que sequer pode legalmente portar uma arma para defender sua família;
- a Polícia é uma corporação de marginais que não hesita lesionar e matar indivíduos que cruzam seu caminho, quando não forma uma quadrilha de corruptos incorrigíveis; 
- direitos humanos destinam-se exclusivamente a marginais e bandidos, de maior ou de menor idade - considerados "vítimas da sociedade injusta";
- prisão é inferno - tudo deve ser feito para que o condenado nela não permaneça, pouco importando sua periculosidade; 
- heroísmo policial e legítima defesa praticada pelo cidadão são atitudes "impensadas" e "precipitadas" - péssimos exemplos para a sociedade. 
- forças armadas servem como papel higiênico para limpar a sujeira deixada pelos governos                estaduais incompetentes, enviadas por um governo federal idem... Por isso devem se limitar a distribuir medalhas, pintar guias e construir estradas.

Esse entendimento deseduca e desprestigia a cidadania,  premia a marginalidade e incentiva atitudes covardes - praticadas por marginais desumanos e organizações criminosas. 

No vácuo desses mitos da ignorância militante, erguem-se as facções erigidas na base da coação, da extorsão e da violência física, nas favelas e nas prisões.  

Por outro lado, se alguém ousa dar um passo em direção à eficiência, sofre todo tipo de represália dos organismos de controle de justiça e direitos humanos. 

Gente com potencial se perde no meio do caminho, atolada num pântano de serventuários incompetentes, assistentes sociais descompromissados, jornalistas sem caráter, militantes de direitos humanos hipócritas, pareceristas burocráticos, defensores públicos e advogados politicamente comprometidos, procuradores, técnicos, promotores, juízes, etc... que confundem dever funcional com mal formuladas e rasas convicções ideológicas. 

Atrás, à frente e no meio dessa geleia, sempre vigora a corrupção. 

Essa burocracia do Estado é reativa. Arma-se com dados estatísticos, justificativas ideológicas e teses jurídicas furadas,  na defesa das idiotices praticadas. Fá-lo com toda a liturgia dos atos oficiais, mormente quando o corporativismo entra em causa. Com isso, o cidadão sai de cena e a marginalidade torna-se senhora do cenário nacional. 

O criminoso, hoje, não teme o cidadão (tem a certeza que sempre o encontrará desarmado e desamparado), não teme a polícia (se não estiver burocraticamente amarrada, estará "no bolso") e não teme qualquer reação ou reprovação à sua crescente covardia (quem critica é da "bancada da bala", puritano ou "fascista"...). 

Por isso, entre os celerados, a onda é atirar na cabeça de policiais de folga,  homens, velhos, mulheres e crianças - executar indefesos com requintes de covardia, decapitar colegas de cela em prisões desumanas, queimar pessoas e seus animais de estimação  ou estuprar. Os marginais, hoje, nas ruas e nas prisões, estão cientes da sua impunidade.

O grande risco é a consolidação do Narcoestado Paralelo, com jurisdição nas áreas desassistidas do Estado Oficial - como favelas, periferias e áreas de fronteira, e comando instalado nos presídios, transformados em unidades de formação de quadros para o crime organizado. Por óbvio que isso irá avançar para a política e dominar a estrutura judiciária, se o fenômeno não for identificado, monitorado e destruido pela Inteligência de Estado.



Dissimulação como regra 


O cenário brasileiro é de guerra civil. 

Enquanto civis inocentes morrem às pencas, "especialistas" entendem que "a prioridade está em resolver o problema no sistema prisional"... 

Será? 

Prisões são efeito da guerra civil que hoje é travada nas ruas.

O grande vilão é a dissimulação oficial. Dissimulação é regra na geleia supremacista dos idiotas. 

Uma jornalista  de um canal de TV notório, afirmou há pouco tempo que a culpa pelo massacre na penitenciária de Manaus seria do "sistema perverso". 

O governo federal procura de toda forma ignorar a relação óbvia entre a violência urbana e os massacres ocorridos nas cidades de Manaus, Natal, Roraima, e o fracasso do combate ao crime organizado, dissimulado por estatísticas que revelam o sugestivo e escondem o essencial, em São Paulo. 

A mídia engajada também dissimula, ignorando a responsabilidade pessoal dos agressores notórios e transferindo a culpa de tudo para entes abstratos  como "o sistema", "o governo" e "a sociedade". 

Trata-se da famosa dissimulação hipócrita do "politicamente correto". 

O psiquiatra Theodore Dalrymple apontou o problema em sua obra "A Vida na Sarjeta" (*2).

No seu estudo, Theodore demonstrou, por meio de fatos, que a miséria continuada não tem causas econômicas mas, sim, na somatória perversa de disfunções e dissimulações patrocinadas por uma cultura de elite em busca de vítimas.

Não é voz isolada. 

"Hoje em dia a culpa não é do preso violento - é do sistema. A culpa não é do motorista imprudente - é do alcool. A culpa não é do ladrão mau-caráter - é da pobreza. A culpa não é do assassino cruel - é da intolerância. A culpa não é do adolescente infrator perverso - é da desigualdade." Afirma a Juíza de Direito mineira Ludmila Lins Grilo, que aduz: 

"A retirada da responsabilidade pessoal dos ombros dos cidadãos, colocando-a em meras abstrações, é prato cheio para que ninguém mais se preocupe com NADA, já que a culpa sempre será de outra pessoa, ou, principalmente, de outra COISA.
Se a sociedade é formada por indivíduos - tal como o corpo humano é formado por células - não há como prosperar diante dessa cultura do vitimismo e da desresponsabilização de seus componentes individualmente considerados." (*3)

O fato é que a barbárie nas prisões brasileiras reflete a barbárie nas ruas, e é fruto  perverso de um processo de implementação dissimulada de imbecilidades politicamente corretas, ocorrente nas últimas três décadas.  

As raízes vêm da redemocratização do Brasil, no nascedouro da chamada "Nova República", em função do trauma intelectualmente infantiloide, adquirido por conta da violência sistemática do Estado praticada no período do regime militar.  



Governo Montoro - ingenuidade e idealismo permitiram a organização criminosa nos presídios




A raiz paulista de todo o problema:   


O estado calamitoso dos presídios no Brasil remonta às colônias. 

No entanto, a nova república, que começava a dar seus primeiros passos nas eleições para governos estaduais em 1982, foi obrigada pelas circunstâncias a atentar para a questão, e o fez com idealismo e ingenuidade.

No mês de março de 1982, ano das eleições históricas, em que a oposição ao regime militar ganhou o governo do estado de São Paulo com Franco Montoro, ocorreu a rebelião do Complexo do Carandiru - televisionada ao vivo, que resultou na morte de 16 pessoas e 21 feridos. 

A ocorrência de 1982 guarda relação direta com a introdução de mudanças na administração do sistema prisional paulista e brasileiro. Marcou a posse do novo governo estadual emedebista no ano seguinte e modificou o quadro prisional no Brasil. 

A reação do novo estamento emedebista instalado em São Paulo foi imediata, e insuflou mudanças no governo federal ainda no término do mandato do último presidente militar brasileiro. O movimento resultou em um marco legal aparentemente positivo - a nova Lei de Execuções Penais, promulgada em 1984, que, no entanto, levou à leniência o judiciário e ao descompromisso do poder executivo para com o cumprimento das penas. 

Inserida no discurso da recuperação ideal, a norma acabou desprezando a finalidade punitiva da pena e a disciplina no regime prisional.

Par e passo com o novo marco legal ocorreu um desastre de efeito retardado. Iniciou-se a "Política de Humanização dos Presídios", encetada pelo Governo Montoro no Estado de São Paulo a partir de 1983.

Michel Temer era então o  Procurador Geral do Estado e, depois, assumiu como Secretário de Segurança do governo Montoro. Envolvido na teia de quadros da "Comissão Pastoral de Direitos Humanos" e de "Justiça e Paz" - que já pregavam a tese da "humanização", o grande jurista não teve saída:  implementou a política equivocada, idealizada desde o primeiro secretário do governador, Manuel Pedro Pimentel.

A "política de humanização prisional" de Montoro foi efeito do que denomino "Síndrome de Brubaker" (o apelido surge por conta do filme estrelado por Robert Redford em 1980, que relatava a tentativa de se democratizar o regime disciplinar em uma prisão norte-americana). 

Primor de ingenuidade em forma de política, a "humanização prisional" foi implantada por quadros notórios da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. Basicamente, por meio dela, o governo constituiu grupos de representantes de presos no sistema prisional paulista, que ficaram conhecidos como "Comissões de Solidariedade". 

O regimento das tais comissões de solidariedade era digno de Pollyanna (*4). Previa a "eleição direta" de seus integrantes, pelo "voto secreto", garantido a toda população carcerária. 

Ingenuamente, os idealizadores do programa impunham dispositivo que tornava inelegíveis "os presos acusados de cometer atos de violência contra companheiros ou funcionários". Hipocrisia imperdoável - algo como acreditar que entre fracos e fortes, dentro de uma cela, a regra aposta no papel fosse introduzir a igualdade...

Tamanha ingenuidade na administração da segurança pública teve um preço.  De fato, a regra institucionalizou uma república dos psicopatas no sistema prisional.

Em que pese o desastre, a iniciativa é, ainda hoje, aplaudida. Isso se deve pelo fato do establishment de então ter se reproduzido e perpetuado no poder do Estado.

Com efeito, até a careca do ministro Alexandre de Morais saberia que "eleições democráticas" de presos, dentro de celas, significa escolha dos mais periculosos. Logo, a "solidariedade" reconhecida oficialmente,  se traduziu em "organização criminosa".  E foi exatamente o que ocorreu. 

Os presos periculosos compreenderam rapidamente a vantagem de se organizarem nos presídios sob a tutela do Estado. Da prisão, a partir das comissões de solidariedade, identificaram suas lideranças e as agruparam, de forma a comandar as ações criminosas ao abrigo do próprio governo e da Justiça. 

Os presos organizados passaram a usar como canais de comunicação os funcionários corrompidos, parentes, visitas íntimas e advogados cúmplices. Dessa forma, os líderes canalizaram frutos dos assaltos, do tráfico, dos sequestros, que determinavam aos liderados efetuarem fora, para a melhoria da "organização" e pagamento das "propinas", dentro dos presídios. 

Essa ação organizada foi reforçada pela venda de proteção aos outros presos e assunção do tráfico de drogas nos presídios - até então partilhado com organizações de funcionários corruptos.  

É preciso vir a luz essa triste verdade, omitida nos relatórios e nem um pouco analisada pela doutrina crítica acadêmica. 

O desastre administrativo prisional no governo Montoro é um tabu. Jamais foi assumido pelos jus-esquerdistas que analisam a política de Direitos Humanos e sua relação com o sistema prisional.  

Michel Temer, por ser um estadista com autonomia intelectual e perfil independente, seja talvez o único daquela geração a ter compreendido erros e acertos de toda a experiência - tanto que ao exercer, agora, a presidência da República, busca ações heterodoxas bem diversas daquele período, com a coragem de quem enfrentou pressões de toda ordem... e superou.

No entanto, o fato ocorreu.  O programa de "humanização", literalmente,  "organizou" a bandidagem no sistema prisional paulista. 

O fenômeno obrigou os governos posteriores, de  Quércia e Fleury, a imporem forte repressão ao movimento organizacional,  o qual, já então, seguia descontrolado nos presídios paulistas. 

O conflito tornou-se cruento. Resultou nos desastres da rebelião na Penitenciária do Estado em 1986 - com  46 mortos,  e da rebelião na Casa de Detenção em 1992 - com 111 mortos.  

Porém, o evento de 1992, em vez de reforçar a repressão - se abateu como um escândalo.  O governo, acuado pela denúncia de ter promovido um massacre na Casa de Detenção, recuou. 

As facções, que já haviam adquirido organicidade, aproveitaram a reação à tragédia do Carandiru e constituíram o Primeiro Comando da Capital, em 1993, no Presídio de Taubaté. 

No governo Covas, a partir de 1995, a política de repressão às facções organizadas foi substituída por um sistema de administração prisional autônomo, que, pretextando "humanizar" a administração prisional, passou a utilizar a política de tornar oficialmente invisível o fenômeno. Com isso, permitiu a ampliação do Primeiro Comando para as demais unidades, praticamente institucionalizando uma governança paralela nos presídios. 

Assim, até hoje, o mantra tucano de negar materialidade ao crime organizado, chamando o PCC e "uma facção que atua nos presídios do estado", só reforça a organização criminosa, e dissimula a gravidade do conflito. 



Brizola (com Dilma) - equívoco de interlocução que organizou o crime



A raiz carioca do problema:


A doença esquerdizóide de humanização presidiária (que de humana nada tinha e de política tinha tudo), foi encetada, no mesmo período, pelo Governo Brizola, no Rio de Janeiro. 

Brizola tratou também de implantar comissões de presos para dialogar com a administração prisional e participar de algumas decisões. Por óbvio que essas comissões acabaram sendo ocupadas por lideranças de quadrilhas, em especial o Comando Vermelho (articulado entre presos políticos e assaltantes de banco nos anos 70). 

O fenômeno serviu de mote para intensas e sangrentas disputas entre os grupos organizados nas prisões cariocas nesse período. Isso tudo, obviamente, acompanhado – e fomentado – por enorme descontentamento dos funcionários e diretores, que consideravam estar perdendo poder dentro do sistema. 

A onda de violência que assolou o sistema carcerário carioca foi suficiente para que as medidas democratizantes do governo Brizola fossem apontadas como as causas para a crise no setor, e uma forte pressão popular acabou por revogar o processo de abertura, inédito, em marcha no estado.

Mas o esquerdismo brizolista foi além da ingenuidade dos paulistas. Brizola também instituiu canais de diálogos com as lideranças comunitárias das favelas, procurando fazer o governo "subir os morros do Rio". 

Em função disso, as lideranças comunitárias tradicionais começaram a ser dizimadas pelo tráfico de drogas, que assumiu o lugar daqueles que assassinara e passou a constar como o interlocutor válido no diálogo com o Estado. 

Resultado: Brizola proibiu a polícia de subir o morro. E todos sabemos o final da história...



Superlotação e descaso - caldo de cultura para o crime



A "evolução" da organização criminosa nos presídios


Há estudos profundos, NUNCA LIDOS pelos dirigentes da segurança pública e do judiciário, que apontam para toda essa mudança qualitativa na organização  criminosa dentro dos presídios. 

Edmundo Coelho, um sociólogo radical que acompanhou o período de implantação da reforma da execução penal nos anos 80 escreveu uma obra prima obrigatória para quem precisa lidar com a questão,  "A Oficina do Diabo: Crise e Conflito no Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro" (1987). Nessa obra ele tratou da transformação da principal organização criminosa do Rio de Janeiro: o Comando Vermelho. (*5)

Coelho observou a mudança de lideranças (em grande parte por conta da mudança da interlocução no espaço político brizolista) e demonstrou que o episódio também resultou em mudança significativa na forma de atuar da organização criminosa.  

Os líderes, assaltantes de bancos, foram sendo paulatinamente substituídos por traficantes de drogas. Esse fato implicou em profundas mudanças na facção. 

Os traficantes, em que pese lotarem os presídios,  não têm fortes vínculos com a massa carcerária. Eles fogem regularmente das prisões, administram a própria execução de suas penas (apoiados por bons advogados), recebem benefícios judiciais e administrativos de toda ordem,  possuem suporte financeiro e, principalmente, mantêm sua “empresa” em pleno funcionamento, mesmo quando estão encarcerados. Nada disso ocorre com assaltantes de banco, roubadores e outros criminosos, que são "drenados" pela corrupção policial e cessam de ganhar dinheiro tão logo encarcerados (via de regra, estes perdem família e até o advogado).

O poder normativo exercido pelos assaltantes era baseado num discurso do medo, mas também na ação que enfatiza a necessidade de união dos presos contra a violência institucional e a urgência de  lutar por seus direitos. 

Essa liderança, no entanto, perdeu efeito. 

Com os traficantes, o discurso passou a ser outro -  o poder econômico. O efeito remunerativo exercido pelo tráfico, que passa a fazer promessas pontuais efetivadas com o dinheiro de seus negócios - como melhorias nas instalações das unidades prisionais, promoção de jogos e festas, pequenos favores, remuneração a pequenos serviços pessoais e promessa de inserção dos negócios que prestam serviços locais, protegidos pela rede do tráfico, sem hostilizar abertamente o poder público. 

Em contrapartida, os traficantes apresentavam o terror aos seus inimigos internos e externos. 

Essa transformação substancial, todos esses anos, foi IGNORADA pelos governos estaduais de centro e esquerdistas. Foi também desconsiderada pelos serviços de inteligência (?) da polícia e dissimulada nos discursos ideológicos de "crítica social" de uma "elite" de jusrisconsultos supremacistas, embutidos na advocacia, Ministério Público, Defensorias, Polícia... e que, durante todas essas décadas, foi assumindo paulatinamente a hegemonia na administração política e judiciária do sistema.

A questão, portanto, agora, é que organizações de traficantes disputam hegemonias territoriais no seu "local de trabalho" - o sistema prisional - onde têm abrigo do Estado. Nenhuma relação com a população carcerária, que se torna massa de experimentos para demonstração de força, extermínio de pessoas e terrorismo.

Ao sistema oficial, restou a superlotação e o descaso.

Assim, é natural que se observe ministros tagarelas e "analistas" de ocasião se perderem entre rotas de tráfico, condições prisionais e facções criminosas, quando tentam minimamente entender o que ocorre agora...



O (não) cumprimento da Lei de Execuções Criminais


Ao par dessa transformação, o paraíso das execuções penais reforçou a hipocrisia governamental para com a criminalidade. 

Marginais periculosos, uma vez presos, não raro livram-se soltos para responder ao processo em liberdade e, uma vez condenados, saem poucos meses depois, beneficiados por uma aplicação burocrática da lei de execuções penais. 

Por conta da absoluta inoperância do sistema, foram abolidos os exames criminológicos, que deveriam pautar a progressão das penas, levando marginais perigosos e indivíduos absolutamente determinados à reincidir na criminalidade.

Presos perigosos, hoje, fazem conta de chegar, ainda que estejam cumprindo penas em tese altíssimas. Usam o período eventual de "estágio na prisão" como se estivessem de férias da atividade criminosa...

A execução penal é a "prima pobre" do processo penal e, por isso mesmo, costuma ficar entregue a uma burocracia desgostosa de ali estar. Esse setor, não raro, queda-se mergulhado nos pequenos afazeres cotidianos das rotinas sem resultado, que desumanizam a aplicação da norma e desfiguram a finalidade do sistema.

A verdade é que nosso  judiciário pouco evoluiu. 

O progresso da Justiça se deu, em termos absolutos, apenas na forma de alinhavar os processos. 

A toga pouco evoluiu para além do modelito usado em nossos tribunais no Século XIX. O processo eletrônico substituiu a corda que alinhavava os autos processuais e a barulhenta máquina de escrever foi substituída pelo processador de texto... e só. 

Imersa em toneladas de processos (a absoluta maioria deles proveniente do próprio Poder Público), nossa justiça muda... para nada mudar.  E, assim, entre falta de verba para o essencial e excessos de verbas para o surpéfluo, a execução penal continua servindo de caldo de cultura para a organização do crime. 



Síndrome do Carandiru - doravante a polícia ficará de braços cruzados...




A responsabilidade política dos governos


A responsabilidade dos tucanos paulistas, dos esquerdistas cariocas, entes políticos, do Poder Judiciário e  do Ministério Público, como instituições permanentes, é inafastável.

O governo do Presidente Michel Temer, que herdou um sistema contaminado pelo discurso esquerdopata petista, sofreu solenemente com a junção entre crime organizado e o discurso esquerdista pretensamente humanitário. 

Para piorar, com a onda de violência,  o Estado evidenciou que não fizera a lição de casa: unir as pontas do fenômeno até localizá-lo no  "Foro de São Paulo" - articulação dos esquerdistas da américa latina em prol da destruição do Estado de Direito na região. É por meio dessa articulação, por exemplo, que organizações radicais como o PSOL, praticamente comandam o patrocínio da defesa da pior bandidagem no estado do Rio de Janeiro e, por via transversa, fustiga sistematicamente qualquer iniciativa de controle territorial que o Estado implemente, usando não apenas o parlamento, como também instrumentalizando ministério público e defensoria. 

Essa ignorância deliberada suplanta a falta de inteligência (no sentido institucional do termo).  Não por acaso, a violência explodiu, nas rebeliões que aterrorizam o Rio e, também, as cidades na região norte do Brasil. 

O Estado brasileiro precisa se livrar, com urgência, do desastre inoculado há mais de trinta anos pelos emedebistas e tucanos paulistas, herdeiros diretos do desastre prisional encetado por Franco Montoro, e pela política brizolista desastrosa, implementada no Rio. 

"Os presos que se danem! E a segurança pública também!". Esse parece ser o pensamento expresso pelo jurista Alexandre Morais,  Ministro da Justiça de Temer - uma "batata quente", sempre jogada "para cima"... enviada por Alckmin ao governo federal. Senão vejamos:

O viés arbitrário e intervencionista do Ministro é evidente. Primeiro, Alexandre Morais baixou uma norma "Bom-Brill", no início de governo, que transformava a Força Nacional em unidade de intervenção branca nos estados... em prejuízo evidente das polícias estaduais. Então, para "compensar" o problema, enviou ao Presidente Temer uma sugestão, transformada em Medida Provisória, que transferiu dinheiro do Sistema Prisional para a "Segurança Pública"...

Em um país que administra presos no dobro da capacidade de instalação existente, a medida desvestiu o santo prisioneiro e desaparelhou ainda mais o sistema - uma "benção" para as organizações criminosas que vivem da desorganização do sistema público.

Alexandre Morais agiu como um encanador de improviso: aquele tipo que arruma um vazamento aqui e... cria outro ali  adiante.

E nem precisou ir muito longe. O pesadelo de estados e cidades conflagradas explodiu, dentro e fora dos presídios que abrigavam. Como uma onda, a violência "explodiu toda a canalização" de verbas,  proposta na medida provisória de Temer,   e o bolo desandou poucas semanas após fermentada a medida... 

O escalafobético administrador-ministro, cuja vaidade é diretamente proporcional à ambição, pretextou bancar o "Super-Homem" - mas terminou como um "Lex Luthor" do planalto.  

O Presidente Temer, diante do enorme problema problema, viu no imbróglio uma oportunidade de transferir a batata quente para outra esfera, e indicou o escalafobético jurista para o STF. 

Se o ato desafogou o executivo... pode ter enviado uma incognita para o judiciário. Como diz Sêneca: "para o mau navegador, todo vento é desfavorável". 

O marasmo das entidades que se ocupam das questões prisionais, a começar da OAB, foi e é sintomático. Não houve espaço para culpar a polícia pela violência, vitimizar presos pelos massacres e nem clamar pela "humanização dos sistema"- e isso dificulta qualquer mobilização política em um ambiente claramente dominado por ideocratas irracionais.

A absoluta inoperância do ambiente de regulação nacional, por exemplo, até hoje impede que as prisões mantenham um sistema eficaz de bloqueio de celulares. Tão somente isso... já denota o quão profunda é a simbiose entre incompetência, descaso e corrupção, quando o assunto é administrar prisões. 



A polícia cruza os braços 


Vítima da "Síndrome do Carandirú", nenhuma corporação  policial-militar que se preza intervém em uma rebelião em presídio, até que os presos tenham se matado ou se saciado do sangue dos companheiros massacrados. Assim, organizações policiais, face às rebeliões prisionais,  assistem ao massacre, literalmente de braços cruzados, e não poderia ser diferente...

Encerradas no limbo entre Segurança Pública, Justiça, Política Prisional e Execução Penal, a organização policial assiste impotente o desenvolvimento e reprodução intestina das facções criminosas dentro dos presídios, desbordando para fora dos muros das prisões diretamente para o seio da sociedade. 


Mapa das "facções" criminosas nos presídios - hora de agir



O que fazer agora?


Surpreendentemente, o Ministro Gilmar Mendes, do STF, parece ter sido um dos poucos a usar o cérebro, na cúpula do Poder da República, para apontar uma óbvia direção. 

Respondendo a uma entrevista da rede britânica BBC, Mendes indicou as medidas que deveriam de imediato ser implantadas: "Mutirões carcerários para verificar excessos, apressar julgamentos, liberar aqueles que precisam ser liberados, mudar de regime." (*6)

"Fazer uma verificação in loco com equipe de juízes. Já se provou que é possível fazer isso. Na minha gestão, em 1 ano e 6 meses, nós liberamos 22 mil presos, então é possível fazer isso. Esse número é quase 10% da população de presos provisórios no Brasil. Os novos presidentes do CNJ não deram a ênfase ao trabalho. Nós até deixamos isso institucionalizado. Hoje, funciona no CNJ um departamento de monitoramento do sistema prisional, mas esse sistema praticamente saiu da agenda e agora a ministra Cármen Lúcia recolocou", informou Gilmar Mendes, deixando claramente exposto o desastre que foi, em todos os sentidos, a presidência de Lewandowski no judiciário nacional. 

Pelo visto, a saída é varrer os cacos e tratar de reconstruir o sistema em outras bases, a partir da execução penal. 

Deve-se organizar uma forte e firme repressão ao crime organizado - tal qual hoje se faz á corrupção política - por meio de uma bem postada e protegida força-tarefa, apoiada por um forte aparato policial e de inteligência. Isso é o que deveria estar hoje sendo articulado no Palácio do Planalto, no Ministério Público, nas Forças Armadas e no Supremo Tribunal Federal. 

É preciso, também, ver o que já foi feito e resgatar ações importantes - deliberadamente abandonadas pela bananice assassina das administrações públicas de esquerda e centro. 

Por exemplo,  vale resgatar o  que estava sendo realizada no período de gestão do Secretário Ferreira Pinto, na Segurança Pública paulista, durante o governo Serra. 

Ferreira Pinto, homem de grande coragem pessoal - que tive o prazer de dividir plenárias nos tempis de Justiça Militar, nos anos 1980,  havia articulado a inteligência da Polícia Militar com as ações de choque da Rota. Essa articulação acabou atingindo o coração do PCC  e seu "Tribunal" e, por isso mesmo, provocou uma das mais desastradas atitudes do governo paulista, que foi justamente ter desarticulado o programa. 

De fato, foi sintomático o governo tucano  ter cedido ás organizações de direitos humanos e ministério público, justamente quando a polícia desarticulou o tribunal do PCC e matou seus integrantes. 

Geraldo Alckmin, sucedendo Serra, exonerou o Secretário e destituiu, do comando da  tropa, os que de melhor a corporação então dispunha. Com isso inibiu o excelente mecanismo de inteligência articulado com ações operacionais, montado por Ferreira Pinto com unidades da Rota.

Loucos por estatísticas, os acólitos da "segurança pública" tucanos fizeram que não viram o que realmente pareceu ocorrer: um acordo não escrito ou verbalizado entre governo e criminalidade, pelo qual o crime organizado, "deixado em paz", reduziu a letalidade e a violência das ações criminosas.  Em troca, implementou-se maior "eficácia" ás ações de roubos e furtos - visando capitalizar o tráfico. Daí, as estatísticas "brilhantes" de redução de homicídios - que nada têm a ver com qualquer ação do Estado. 

Em troca - nunca se matou tantos policiais, como agora...

O fato é exemplo típico da opção governamental do regime político que domina o Brasil. 

Estão todos esperando a poeira abaixar... molhada pelo sangue de centenas de pessoas, para continuarem exatamente onde estão - em confortáveis cargos burocráticos ou pensando nas próximas eleições. Ou seja: "Danem-se os cidadãos brasileiros".

Nada se fará de efetivo nessa questão, se não ocorrer profunda e radical mudança na orientação ideológica e nos quadros existentes no sistema.  




Notas:

*1 -  in "O País do Autoengano", OESP,  6.4.2013;
*2 - Dalrymple,Theodore - "A Vida na Sarjeta. O Círculo Vicioso da Miséria Moral", Ed. É Realizações,  SP, 2015;
*3 - Grilo, Ludmila Lins - "O Massacre de Manaus, Sistema Perverso ou Responsabilidade Social", post publicado em 4.1.2017, reproduzido no Blog Puggina.Org - http://www.puggina.org/fique-sabendo/massacre-de-manaus---sistema-perverso-ou-resp/3390 - visto em 7.jan.2017
*4 - Pollyanna nome e personagem da grande obra de autoria de Eleanor H. Porter, no romance, Pollyanna ensina às pessoas, o "jogo do contente", no qual o importante é ver o lado cor de rosa mesmo nas coisas mais desagradáveis - algo que vale para as crianças... mas de uma ingenuidade imperdoável na administração pública;
*5 - Coelho, Edmundo Campos - "A Oficina do Diabo: Crise e Conflito no Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro", Ed. IUPERJ: Espaço e Tempo, RJ, 1987;
*6 - BBC - "A questão não se resolve com construção de presídios', diz Gilmar Mendes sobre crise penitenciária" - in BBC News / Brasil - https://www.bbc.com/portuguese/brasil-38492779 - visto em 6 Janeiro 2017.







Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional (Paris), membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, Vice-Presidente Jurídico da API - Associação Paulista de Imprensa.  É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.






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