O legado de milhares de processos inconclusos em um congestionamento de milhões de causas Brasil afora
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| Processos na pauta de um ministro, no aguardo de análise no plenário do STF |
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Todos choramos a morte do ministro Teori Zavscki e, como bons brasileiros, imediatamente eximimos o falecido de toda e qualquer falha praticada em vida.
No entanto, não é assim que a vida segue. Com todo o respeito devido à figura do magistrado falecido, sua performance no Supremo Tribunal Federal, ao contrário da caixa-preta do avião que o vitimou, registra uma pesada herança de processos inconclusos, exemplo do caos em que se encontra afogado o judiciário brasileiro.
O espólio de processos de Teori no STF
Segundo o jornalista brasiliense Carlos Newton (Tribuna da Internet), Teori Zavascki deixou um acervo de 7.423 processos aguardando relatório - um legado burocrático para desanimar qualquer sucessor...
O estoque de conflitos, de vidas, de esperanças, expectativas, à espera de um pronunciamento de um único ministro revela um desastre, uma tragédia, em proporções muito maiores que aquele sofrido pela pessoa do jurista. Mostra a morte ocorrida mas ainda não admitida oficialmente do Poder Judiciário no Brasil.
Zavascki reunia 7.423 questões, entre relatoria e pedido de vistas de processos de outros ministros. Só perdia para o Ministro Marco Aurélio Mello, que possui 8.051 ações na fila, aguardando decisão.
De fato, o Ministro Teori Zavascki, não houvesse tragicamente falecido, teria seu nome inscrito no Guiness Book. Caminhava celeremente para bater o record mundial de Marco Aurélio Mello em número de processos acumulados em uma Côrte Suprema. Em dezembro de 2014, entre acervo recebido e novos processos, Teori já acumulava 5.920 ações; um ano depois, o total subira para 6.253; e, no final de 2016, já atingia 7.423 autos de processos congestionados em seu gabinete.
Decididamente, Teori "estar em dia" com os inquéritos e ações da Operação Lava-Jato, só podia soar como ficção jurídica. No mesmo período em que ninguém foi sentenciado no Supremo Tribunal Federal, na primeira instância, o juiz Sérgio Moro já havia sentenciado 120 réus...
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| Teori Zavascki - acervo de milhares de processos (foto: Gervásio Batista) |
Quando o avião em que voava o Ministro Teori afundou no mar, seu gabinete no STF já estava imerso em um oceano de processos inconclusos. Retrato da falência do Judiciário Brasileiro..
A caixa preta do Supremo Tribunal Federal
De fato, há dois anos, o Supremo Tribunal Federal acumulava por volta de 54 mil processo. No ano passado, o estoque havia subido para 62 mil. Neste ano de 2017 - com um ministro a menos por certo período de tempo... e a crise econômica pesando nas togas dos magistrados, a expectativa é de um colapso. Ou seja: as crises, as presidências, os ministros se sucedem - os casos congestionados permanecem... e crescem.
Exércitos de assessores são mobilizados para auxiliar os supremos julgadores. Equipes caríssimas de juízes, desembargadores estaduais, bacharéis com carreira acadêmica, numerosos estafetas... são deslocados em mutirões e, no entanto, a montanha, ao invés de reduzir... só aumenta.
Como reforçou o jornalista Carlos Newton, o aparente funcionamento do STF "chega a ser patético", pois "a cada ano o estoque de processos aumenta". "É recordista mundial. Não existe nada igual em nenhum país que tenha importância no cenário internacional, e o Brasil é o quinto maior em população e território, a oitava economia, um gigante ainda adormecido e esculhambado, deveria se dar ao respeito", conclui o portador da notícia.
Voo às cegas na Suprema Côrte
Parece que todos nós, que lidamos com o direito no Brasil (e não apenas os "olímpicos" ministros das cortes superiores), perdemos a noção do ridículo ao buscarmos a emulação recíproca a cada evento, trágico ou de júbilo, com relação à gestão de processos nos tribunais brasileiros.
Luís Roberto Barroso, a propósito já declarou repetidas vezes:
"nos acostumamos com processos que duram 5 anos, 8 anos, 10 ou 12 anos. Aceitar isso com naturalidade é perder completamente a capacidade crítica do próprio trabalho”,
Barroso poderia aproveitar sua condição de Ministro do Supremo Tribunal para declarar "ex offício" a própria Côrte, como incursa na sua tese do "estado de coisas inconstitucional".
Só no que tange ao tão caro instituto do Habeas Corpus - a cereja do bolo do direito brasileiro, o "remédio constitucional" que visa evitar ou fazer cessar ameaça, coação ou violência do Estado contra o cidadão, que ameace sua liberdade ou sua locomoção, há uma fila de 3.300 pedidos - em tese com prioridade na ordem de julgamento. Só o campeão de estoques de processos, Ministro Marco Aurélio Mello, detém mil que quinhentos habeas corpus sob sua relatoria – sendo que o mais antigo data de 2008 (HC 94.189)...
Há mais... Quando o processo finalmente vai a julgamento, a justiça, ainda que tardia, não se realiza. Há outros atrasos impressionantes, tais como a redação do acórdão, sua publicação e posterior cumprimento (outra novela homérica...).
Como exemplo, o decano do STF, Ministro Celso de Mello, leva em média 679 dias para publicar seus acórdãos - quase dois anos...
Nossa suprema côrte, decididamente, está voando às cegas, sem se dar conta da muralha de processos congestionados contra a qual irá colidir.
Já disse Ruy Barbosa:
“Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade”. (“Oração aos Moços”. 1920)
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| Congestionamento de processos em cartório... |
A Nau da insensatez do judiciário
O STF é apenas a marca da insensatez no comando da imensa nave do judiciário brasileiro. Expressão da falência estrutural do sistema judicial no Brasil.
Consta no "Justiça Aberta" - banco de dados do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, que em março de 2014 funcionavam 9.920 varas em primeira instância dirigidas por 10.617 magistrados. Essa estrutura administrava 60,4 milhões de processos - pouco mais de 603 processos por magistrado.
Se a média reproduzisse a simetria da estrutura judiciária, seria de se perguntar porque a coisa não funciona. No entanto, essa estrutura é absolutamente assimétrica.
Há verdadeira distorção no tratamento "igual" conferido a desiguais. O trâmite burocrático de recursos deveria - e não o faz - atentar para o uso irracional da máquina judiciária em benefício dos interesses econômicos do Estado, dos bancos, das grandes empresas e dos devedores contumazes.
Dessa forma, grandes devedores protelam execução de dívidas, o Estado cristaliza sua desproporção em relação ao cidadão contribuinte e criminosos livram-se soltos.
Dados do CNJ mostram que em 2012 o "congestionamento médio" do Judiciário era de 69,9%. Vale dizer: a cada 100 ações que chegam aos tribunais, apenas 30 são julgadas. O restante permanece nos escaninhos, às vezes por anos, aguardando solução.
Considerando apenas a primeira instância da Justiça Estadual, a taxa é de 75,2%. Há varas em que esse percentual atinge 96%, como a de execuções fiscais de São Paulo e a de Fazenda Pública do Rio de Janeiro. Uma vara criminal em Porto Seguro, na Bahia, ostenta índice de congestionamento de 90%.
Nessa nau da insensatez, navegam os grandes algozes da justiça no Brasil.
O Estado e o Grande Capital - os verdadeiros vilões
Há um mito de que o povo brasileiro litiga excessivamente. No entanto, ninguém litiga mais no Brasil que o próprio Estado. É o Poder Público quem mais demanda o judiciário no País.
É das varas que cuidam de dívidas fiscais e conflitos com a burocracia do Estado que sai a maior parte dos recursos que atolam os tribunais brasileiros.
Dados do CNJ mostram que, dos 92 milhões de processos que tramitavam em 2012, 30 milhões eram de execução fiscal. Desses, a maior parte era por dívidas municipais, especialmente de IPTU.
Com efeito, quando a burocracia estatal trata de processar quase um quarto dos cidadãos economicamente ativos de um país, por dívidas fiscais - por óbvio que o problema não está nos cidadãos e, sim, na burocracia do estado. Nossa política fiscal é absolutamente caótica e, ao invés de resolver conflitos com contribuintes, os cria...
O pior é a repetição de recursos protelatórios, exercida pela jusburocracia como se ainda houvessem os recursos de ofício dos tempos do império... São esses que atolam em grande parte nossos tribunais, onerando duplamente o contribuinte.
Outra grande parte das ações e recursos é de usuários com grandes empresas - bancos, concessionárias de luz, saneamento, telefonia e transporte, empresas de assistência médica e seguradoras.
A explicação dos juízes para essa distorção é que as empresas, os bancos, os concessionários de serviços, tanto quanto os grandes devedores, administram as demandas judiciais de maneira estatística - ou seja, investem pesadamente na defesa em massa de suas causas.
A razão é simples. Grandes litigantes levam enorme vantagem sobre pequenos devedores, consumidores e usuários, fazendo com que o tempo perdido no processo os desestimule da busca por seus direitos. O grande capital usa e abusa dos recursos disponíveis, para obstruir o exercício da cidadania, tudo em nome do lucro.
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| Mutirão de audiências no Fórum Criminal de Belém-PA - Justiça "social" |
Justiça Criminal continua sendo para os pobres
Processos criminais se acumulam por conta de um fator comportamental recorrente no judiciário brasileiro, de norte a sul: a absoluta insensibilidade para com o cidadão - principalmente as vítimas.
Por conta de um tratamento absolutamente burocrático, cartorial, baseado no fluxo de papéis e cotas frias de expediente, casos graves e sem gravidade seguem trâmites igualmente demorados, gerando absoluta sensação de impunidade. Por óbvio que injustiças se produzem no mesmo diapasão - induzindo inúmeros recursos.
Vale a pena "passear" em qualquer fórum criminal no Brasil, para ver como o cidadão ali é tratado... da entrada á longa espera nos corredores, passando pelas sessões de audiência. Na verdade, todo operador do direito deveria fazer esse exercício, para entender como a desumanização burocrática afeta gravemente a performance da tutela jurisdicional.
Ao fim e ao cabo, os criminosos contumazes, os integrantes do crime organizado, criminosos de colarinho branco, cientes dessa cegueira burocrática que contamina os agentes operadores do direito criminal, terminam manipulando com facilidade o sistema, enquanto os réus mais pobres... lotam o sistema prisional.
Não por outro motivo, ironicamente advogados se referem à justiça criminal brasileira como uma "justiça social que tem enorme preferência pelos pobres"...
Um grande naufrágio
O comportamento burocrático e indiferente é estrutural, não significa desídia dos juízes. No entanto, é motivo para o excesso de demandas. Em 2012, cada juiz na primeira instância estadual julgou 1.090 processos. Em média, três processos por dia, contando finais de semana e feriados. Ainda que haja hoje preocupação com metas e redução de estoques na primeira e segunda instâncias, o alto número de demandas impede a redução do nível de congestionamentos.
Assim, antes do Ministro Teori falecer vítima da queda da aeronave no mar de Paraty, a nau do judiciário brasileiro soçobrava solerte no oceano de assimetrias idiossincráticas, revelando a falência do Poder que se pretende redentor da República Brasileira...
Fontes:
http://www.tribunadainternet.com.br/category/carlos-newton/
http://oglobo.globo.com/brasil/juiz-no-brasil-acumula-ate-310-mil-processos-12246184
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional (Paris), membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, Vice-Presidente Jurídico da API - Associação Paulista de Imprensa. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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