Projeto de Lei em gestação na Câmara Federal, a pretexto de combater a corrupção, conspira contra a República

Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
OVO DA SERPENTE é um filme clássico de Ingmar Bergman, de 1977. Ambientada em Berlim de 1923, a obra mostra a germinação do nazismo.
A metáfora utilizada para intitular o filme expressa a monstruosidade em processo de incubação. Afinal, ao colocar-se o ovo da serpente de encontro à luz é possível ver, através da transparência da casca, o réptil monstruoso, já perfeito, que irá nascer.
O ovo é forma inocente. O seu conteúdo, no entanto, pode representar o mal. A expressão, portanto, serve como parâmetro para todo mal em gestação, protegido por uma casca de aparente normalidade, cuja perniciosidade não foi antevista pelo simples fato de não terem posto o conjunto contra a luz.
A omissão ou recusa em ver o monstro gerado no ovo, seguindo o raciocínio de Bergman, é sempre merecedora da mais impiedosa crítica. Porque a história não costuma perdoar quem o pôs. Principalmente quando o que está nele eclode...
A omissão ou recusa em ver o monstro gerado no ovo, seguindo o raciocínio de Bergman, é sempre merecedora da mais impiedosa crítica. Porque a história não costuma perdoar quem o pôs. Principalmente quando o que está nele eclode...
O ovo está posto no parlamento nacional
Combate à corrupção não se faz com supressão das garantias constitucionais que protegem todos os cidadãos. Isso é pretexto para um protofascismo bem intencionado.
É o caso do Projeto de Lei 4850/2016 , que pretende "agilizar os procedimentos visando combater a corrupção no Brasil".
É o caso do Projeto de Lei 4850/2016 , que pretende "agilizar os procedimentos visando combater a corrupção no Brasil".
A iniciativa tem apoio de um grupo expressivo do Ministério Público brasileiro, proponente das "Dez Medidas Contra a Corrupção" - inseridas no projeto de lei e, também, da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), coordenada pelo Ministério da Justiça.
O texto segue no parlamento, legitimado por uma campanha com assinaturas de milhões de cidadãos.
As medidas propostas, no entanto, devem ser vistas como o ovo:
Na casca há propostas ótimas, sérias, necessárias e atrativas.No interior, porém, está encubada a serpente.
Vamos às boas propostas:
Agora, vamos identificar a serpente incubada no interior do ovo. Vejamos:
De fato, a síntese do aproveitável das medidas propostas resulta em algo assustador.
Não se trata, como se vê acima, de um rol estoicista de mecanismos duros e justos visando melhor enquadrar e reprimir a corrupção. Trata-se, isto sim, de um conjunto de expedientes arbitrários, visando a facilitação comodista de ações persecutórias, agilizações procedimentais e compressão de direitos, com o intuito óbvio de obter uma verdade que interessa, sob a ótica da inquisição.
Claro que o câncer da corrupção não será extirpado da vida nacional sem a conjugação da radioterapia policial-repressiva com a quimioterapia legal e jurídica. A intenção dos operadores do direito empenhados em ministrar o novo remédio é, sem dúvida louvável. Porém (e sempre tem um porém), a pureza de propósitos poderá dar azo á perversão.
Com todo o respeito devido a vários de seus proponentes, as medidas sugeridas reduzem o direito de defesa, comprimem as garantias fundamentais previstas na Constituição e prestigiam condutas essencialmente imorais, condenáveis pela cultura jurídica democrática latino-americana.
Assusta a carga subjetiva na avaliação dos mecanismos propostos, que fariam corar o mais empedernido dos defensores do regime de exceção do Estado Novo ou da Revolução de 1964. Essas medidas, porém, seguem conduzidas com toda a serenidade unilateral de quem se julga acima do bem e do mal. A desproporção resultante pode ferir de morte o direito de defesa e a isonomia devidas ao judiciário.
O conteúdo do "ovo" guarda radical mudança no horizonte dos direitos da cidadania, vários deles duramente conquistados pelo regime democrático. Expõe cidadãos à bisbilhotice institucionalizada. Autoriza autoridades a fuçar a vida alheia "por mera suspeita" - nutrindo o surgimento de "inspetores Javert" no pior estilo de Victor Hugo. Permite que o estado confisque bens e persiga pessoas sem culpa provada. Enfim, varre as garantias fundamentais do cidadão com o discurso fácil de combate aos corruptos.
As medidas propostas, no entanto, devem ser vistas como o ovo:
Na casca há propostas ótimas, sérias, necessárias e atrativas.No interior, porém, está encubada a serpente.
Vamos às boas propostas:
1- o gatilho de eficiência, ampliando o monitoramento do timing dos processos pelos próprios tribunais e órgãos de controle;
2- a celeridade nas ações de improbidade;
3- aumento de penas e alteração das penas mínimas para corrupção, estabelecendo-se gradação pela amplitude econômica do dano; e
4- responsabilidade objetiva civil dos partidos em relação á corrupção e criminalização do caixa2 de campanha.
Agora, vamos identificar a serpente incubada no interior do ovo. Vejamos:
I- Os "testes de integridade" - uma "simulação de situações sem o conhecimento do agente público com o objetivo de testar sua conduta moral - uma espécie de "pegadinha", tão desonesta quanto a conduta ruim esperada do "otário" que nela cair...
II- A criminalização do enriquecimento ilícito - uma sutileza que ninguém observou - e bastante grave, pois não se trata de confiscar valores havidos por meio de atividade criminosa mas, sim, perquirir, investigar, inquirir e invadir a vida de pessoas comuns, por conta da maledicência alheia, da suspeita, ou do simples estranhamento com a mudança de padrão da vida alheia... sem que haja prova de envolvimento com algum outro ilícito...
III- O anonimato da denúncia, com a proteção do Ministério Público, ato vedado pela constituição a menos que se trate de comunicação de crime em andamento (que não precisaria do regime proposto)...
IV- O uso da leniência nos delitos de improbidade, que, somado ao marketing e aos cursos de "treinamento" funcional, configuram o mais perfeito controle ideológico pelo Ministério Público, das atividades da administração e da vida dos cidadãos. Basta imaginar um acordo de "leniência" alterando entendimento técnico em relação a um procedimento administrativo que não seja do agrado do tomador do acordo, que preside o inquérito ali na esquina...
V- Ampliação dos prazos prescricionais, vale dizer, um forma de premiar o Estado por sua própria leniência e... punir o cidadão com a tortura da possibilidade de uma ação futura, por tempo além do estabelecido hoje...
VI - O "aproveitamento máximo dos atos processuais, com exigência de prejuízo gerado por um "defeito processual" à "luz das circuntâncias concretas"... Vale dizer: admissão de nulidades "meia-boca", aceitação de provas ilegais, convalidação parcial de atos nulos e relativização do direito de defesa... tudo em nome do interesse finalístico e unilateral do Estado...
VII - Alteração de procedimentos visando reduzir a defesa do acusado e restringir os casos de habeas corpus, sem que proponha contrapartidas na ação do Poder Público - ou seja: estabelecimento de juízos de exceção;
VIII - Leitura dúbia do que seja "responsabilização objetiva dos partidos, e não apenas dos seus dirigentes", com pena de multa - dando a entender que se está propondo a responsabilidade sem culpa pela prática de delitos - algo vedado pela própria constituição federal;
IX - Prisão preventiva do acusado "para assegurar a devolução de produtos ou valores vinculados ao crime" que possam ser utilizados até mesmo para a sua defesa. A prisão para "agilização de medidas cautelares reais" e o rastreamento livre de controle judiciário prévio, do rastreamento de bens e valores... outro juízo de exceção; e
X- o "confisco alargado", permitindo o perdimento de patrimônio pela "diferença" entre patrimônio de origem "comprovadamente lícita" e o patrimônio total do condenado - uma inversão de ônus da prova que atinge não apenas o condenado mas toda a sua família, sucessores de boa fé... etc. E a "extinção de domínio", vale dizer: confisco de bens de pessoas não responsabilizadas pelo fato ilícito...
De fato, a síntese do aproveitável das medidas propostas resulta em algo assustador.
Não se trata, como se vê acima, de um rol estoicista de mecanismos duros e justos visando melhor enquadrar e reprimir a corrupção. Trata-se, isto sim, de um conjunto de expedientes arbitrários, visando a facilitação comodista de ações persecutórias, agilizações procedimentais e compressão de direitos, com o intuito óbvio de obter uma verdade que interessa, sob a ótica da inquisição.
Claro que o câncer da corrupção não será extirpado da vida nacional sem a conjugação da radioterapia policial-repressiva com a quimioterapia legal e jurídica. A intenção dos operadores do direito empenhados em ministrar o novo remédio é, sem dúvida louvável. Porém (e sempre tem um porém), a pureza de propósitos poderá dar azo á perversão.
Com todo o respeito devido a vários de seus proponentes, as medidas sugeridas reduzem o direito de defesa, comprimem as garantias fundamentais previstas na Constituição e prestigiam condutas essencialmente imorais, condenáveis pela cultura jurídica democrática latino-americana.
Assusta a carga subjetiva na avaliação dos mecanismos propostos, que fariam corar o mais empedernido dos defensores do regime de exceção do Estado Novo ou da Revolução de 1964. Essas medidas, porém, seguem conduzidas com toda a serenidade unilateral de quem se julga acima do bem e do mal. A desproporção resultante pode ferir de morte o direito de defesa e a isonomia devidas ao judiciário.
O conteúdo do "ovo" guarda radical mudança no horizonte dos direitos da cidadania, vários deles duramente conquistados pelo regime democrático. Expõe cidadãos à bisbilhotice institucionalizada. Autoriza autoridades a fuçar a vida alheia "por mera suspeita" - nutrindo o surgimento de "inspetores Javert" no pior estilo de Victor Hugo. Permite que o estado confisque bens e persiga pessoas sem culpa provada. Enfim, varre as garantias fundamentais do cidadão com o discurso fácil de combate aos corruptos.
O incenso jogado pela mídia desavisada e o aplauso fácil de militantes deslumbrados com a chamada Operação Lava-Jato, parece não permitir que todos vejam o óbvio: já temos leis eficazes o suficiente para bater duro e derrubar as organizações criminosas que se apoderaram do dinheiro público no Brasil.
Em verdade, o que tem faltado ao Poder Público é coragem institucional para fazer com que o arcabouço legal existente, realmente funcione. Falta, sobretudo, coragem jurisprudencial para reduzir as benesses da execução penal, que tornam impunes não apenas os crimes de corrupção como de fato qualquer outro delito.
Não precisamos de forma alguma destruir as garantias cidadãs conferidas pela Constituição Federal, nem aparelhar a entrópica, ensimesmada e cada vez mais arrogante jusburocracia, com instrumentos que reduzam a capacidade de qualquer pessoa se defender perante o aparelho repressor e judicial brasileiro.
Nesse sentido, o que está sendo proposto pelo PL em causa, tirante uma ou outra medida de responsabilização interessante, é um cipoal de expedientes arbitrários, subjetivos e perniciosos, que "facilitam a vida" dos inquisidores desarmando o cidadão ante o Estado - seja o acusado inocente ou criminoso.
Nenhum jurista tem o direito de bancar Pollyana - alegar ingenuidade, para apresentar uma barbaridade constitucional embrulhada com lacinhos à uma massa de injuriados pela miséria e pela corrupção - como se isso fosse um remédio para todos os males.
O que já é ruim, pode ficar pior
O relator do PL, Deputado gaúcho Ônix Lorenzoni, anunciou querer incluir em seu parecer, além das medidas acima relatadas, mais outra proposta, já batizada de "informante do bem", que visa "proteger e incentivar quem denuncia casos de corrupção com uma recompensa financeira".
Ônix é um político de boas referências e tido como uma das referências morais do Congresso Nacional. Porém, talvez por força das pressões em curso, buscando dar resposta institucional à sucessão de grandes escândalos que assaltam a classe política brasileira, deixou-se envolver pelo mecanismo de gestação de meios justificados pelos fins...
A proposta do "informante do bem" não é nada boa. Esse sistema seguiria modelo colhido no exterior, denominado whistleblowing. Por ele, qualquer pessoa que denuncia um ato de corrupção deve não apenas ser protegida legalmente como, também, ganhar um premio que pode variar entre 1% a 5% do dinheiro que vier a ser recuperado em função da delação. O denunciante poderá ser acompanhado pelo Ministério Público e não poderá ser demitido.
"Qualquer pessoa da sociedade ou um servidor público, ele tendo conhecimento de um ato de corrupção, ou tendo suspeita apenas, vai a uma autoridade, que pode ser o chefe imediato dele, no caso de uma repartição pública, o setor de corregedoria da unidade que ele atua, ou o próprio MP (Ministério Público) e formaliza uma denúncia. A partir daí ele é protegido, ele é acompanhado pelo MP, se ele é servidor público ele não pode ser removido, é um arcabouço de proteção para ele", afirma Lorenzoni, sob os aplausos de uma massa de indivíduos que, assustados com o tamanho da corrupção incrustada no organismo do Poder Público brasileiro, fecha os olhos deliberadamente para a Caixa de Pandora que pretendem abrir a pretexto de combater esse mal...
Com efeito, o estímulo à deduragem gratificada nada tem de benéfico - a não ser em casos relacionados a fenômenos criminológicos onde a retorsão se traduz em periclitação da vida de quem denuncia um delito.
Em casos relacionados a delitos patrimoniais contra a Administração Pública, envolvendo agentes públicos e políticos - ainda que de enorme potencial ofensivo para a Ordem Pública, a delação há de ser admitida com todas as reservas, restrições e salvaguardas constitucionais e legais hoje praticadas - caso contrário o risco do ato resvalar para a leviandade é muito grande.
A gratificação do delator é algo histórica e moralmente discutível. O sistema foi adotado na Santa Inquisição, nos regimes de Stalin, Hitler e Mao, no macartismo americano e no regime iraniano de Aiatolá khomeini.
Stalin erigia uma estátua (principalmente se o delator delatasse os pais), Hitler protegia o anonimato, Mao presenteava com uma flâmula e o Khomeini apunha o título de guerreiro ao xiita dedicado à revolução.
Já o relator Lorenzoni pretende dividir o valor recuperado do "butin", se houver, com o delator - sob as bençãos dos jusburocratas engravatados, isso, claro, se o objetivo da delação resultar ou for mesmo justo...
O mecanismo é redundante e perigoso. Expressa, no entanto, o clima que envolve todas as "dez medidas" propostas pelo Ministério Público, contidas no PL.
O comportamento entusiasta, em defesa dos expedientes de "facilitação persecutória" contidos na proposta adotada por Ônix Lorenzoni, exige uma leal, sincera e transparente crítica. Por óbvio que o entusiasmo para com tais facilidades conferidas a quem acusa - em prejuízo da defesa, não difere muito do que se esperaria de um Torquemada - um puro e bem intencionado padre, que tornou-se pelas circunstâncias o mais brutal torturador da Santa Inquisição.
Na mesma linha da facilitação dos procedimentos inquisitoriais, também segue o "brilhante, porém radical" Roland Freisler - o juiz responsável pela "execução à custa de qualquer indício transformado em prova" (por convicção do Reich Alemão), de milhares de "implicados" e "delatados" no processo de apuração do atentado contra Adolf Hitler - cuja atividade só foi interrompida pelo bombardeio aliado ao palácio da justiça em que operava.
Na mesma linha da facilitação dos procedimentos inquisitoriais, também segue o "brilhante, porém radical" Roland Freisler - o juiz responsável pela "execução à custa de qualquer indício transformado em prova" (por convicção do Reich Alemão), de milhares de "implicados" e "delatados" no processo de apuração do atentado contra Adolf Hitler - cuja atividade só foi interrompida pelo bombardeio aliado ao palácio da justiça em que operava.
Assim, há que se observar a história para constatar que, a pretexto de combater um lixo moral criminologicamente caracterizado, não se pode rasgar garantias postas em defesa do cidadão, na Constituição. Algo muito mais grave e pernicioso.
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| Adolf Hitler. Segundo o seu vice, Rudolf Hess, quando Ele julgava, a Nação estava julgando... |
A História costuma ser implacável
Talvez seja por vergonha que tantos quanto observam o ovo da serpente, posto no parlamento nacional, pareçam não querer observá-lo contra a luz...
Entusiastas absolutamente deslumbrados com o próprio protagonismo, em defesa da moralidade pública, podem entender que a resposta legislativa em gestação no Congresso Nacional os levará ao pedestal da glória. Ledo engano.
Temo que o caminho será inverso. Basta ver o que aconteceu com os membros da Santa Inquisição, com os juristas italianos que "despontaram para o anonimato" por conta dos excessos praticados na operação mãos limpas, com os parlamentares e persecutores macartistas norte-americanos - na sua caça implacável aos comunistas, e todos os próceres de iniciativas "liberais" ou "protofascistas" nos processos recentes da história...
Quanto aos proponentes das medidas, vale uma observação. Há algo de muito preocupante em um grupo de jovens (alguns nem tanto...) empenhados em produzir expedientes cujo manejo dependerá do mais profundo compromisso pessoal para evitar desvios, plenamente convictos de que não serão eles a cometê-los...
O excesso de subjetividade admitido em qualquer expediente legal, é sabido desde Aristóteles, servirá para formar o ditador.
Aliás, a prevalência da Lei sobre os homens versus a prevalência dos iluminados, como fonte da lei, sobre a sociedade, é o cerne do debate entre Aristóteles e seu mestre, Platão. Sendo a visão dos homens ideais, sugerida por Platão, a mãe de todos os regimes totalitários...
Aliás, a prevalência da Lei sobre os homens versus a prevalência dos iluminados, como fonte da lei, sobre a sociedade, é o cerne do debate entre Aristóteles e seu mestre, Platão. Sendo a visão dos homens ideais, sugerida por Platão, a mãe de todos os regimes totalitários...
A plenitude de certezas não costuma ser companheira do pluralismo democrático, muito menos da Justiça. Aliás, juízos dotados de certezas, não costumam ser verdadeiros. Aiatolás julgam "à luz dos princípios", plenos de certezas... e por isso flexibilizam os limites da lei, certos que sua sabedoria é divina.
O Deputado Lorenzoni é um líder amadurecido de um partido que defende o liberalismo e a democracia pluralista. Pelo visto acompanha com entusiasmo essa ação "inquestionavelmente iluminada". E por isso mesmo ainda não tenha posto o "ovo" produzido contra a luz...
Todos caminhamos de mãos dadas, ao ritmo dos power points azuis e rosas, a passos largos para consolidar no Brasil uma República dos Delatores, a Ditadura da Caneta, ou o "Regime dos Suspeitos", como denominaria Rui Barbosa se estivesse vivo.
Algo similar ao mais puro fascismo.
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| Inquisidores, doutores em teologia, direito canônico e civil, obtendo de boa fé as provas necessárias à comprovação da corrupção da alma infeliz... |
O Modelo é o da Santa Inquisição
As entusiasmadas entrevistas e as peças doutrinárias escritas com vigor por jovens juristas a pretexto de apoiar as medidas contidas no ovo da serpente, apresentam como freio e contrapeso o preparo superior dos agentes envolvidos nas investigações e o controle judiciário na aplicação dos mecanismos. Significa dizer: a lei libera o operador confiando na sua elevada postura moral, permitindo-o controlar subjetivamente as medidas autorizadas.
Os inquisidores da idade média, também pensavam assim.
O modelo agora em construção, guarda de fato enorme similaridade com institutos - guardadas obviamente as devidas proporções, aplicados "com sucesso" na Santa Inquisição.
O modelo agora em construção, guarda de fato enorme similaridade com institutos - guardadas obviamente as devidas proporções, aplicados "com sucesso" na Santa Inquisição.
O "elevado preparo e valor moral" dos encarregados de investigar e denunciar os hereges também era inquestionável. Conforme as prescrições dos papas Lucio, Inocêncio e Gregório, na Santa Inquisição, todos os inquisidores eram doutores formados em Teologia, Direito Canônico e Civil.
Inquisidores e informantes eram muito bem pagos. Todos os que testemunhassem contra uma pessoa supostamente herege, também recebiam uma parte de suas propriedades e riquezas, caso a vítima fosse condenada.
Os inquisidores deveriam ter no mínimo 40 anos de idade. Ter conduta moral absolutamente pura. Sua autoridade era outorgada pelo Papa através de uma bula, que também podia incumbir o poder de nomear inquisidores a um Cardeal representante, bem como a padres e frades franciscanos e dominicanos.
A execução das decisões inquisitoriais eram ordenadas às autoridades civis, sob a ameaça de excomunhão em caso de recusa. Os inquisidores não manchavam suas mãos nos procedimentos vis. As autoridades civis eram ordenadas a fazer as buscas, proceder aos meios de obtenção das provas e queimar os hereges.
A execução das decisões inquisitoriais eram ordenadas às autoridades civis, sob a ameaça de excomunhão em caso de recusa. Os inquisidores não manchavam suas mãos nos procedimentos vis. As autoridades civis eram ordenadas a fazer as buscas, proceder aos meios de obtenção das provas e queimar os hereges.
Camponeses eram incentivados, com a promessa de ascenderem ao reino divino ou através de recompensas financeiras, a cooperarem com os inquisidores. A caça às Bruxas, assim, tornou-se muito lucrativa.
Era garantido o anonimato do denunciante. Geralmente as vítimas não conheciam seus acusadores, que podiam ser homens, mulheres e até crianças.
Visando o bem maior, a erradicação do mal, o processo de acusação, julgamento e execução era rápido. A norma de regência permitia que o tribunal dispensasse formalidades e reduzisse o direito à defesa "ante as circunstâncias" - afinal o rito era finalístico.
Ao réu, a única alternativa era confessar e retratar-se, renunciar sua fé e aceitar o santo domínio e a autoridade elevada da Igreja Católica.
Ao réu, a única alternativa era confessar e retratar-se, renunciar sua fé e aceitar o santo domínio e a autoridade elevada da Igreja Católica.
Os direitos de liberdade e de livre escolha sofriam severa restrição. Os acusados eram feitos prisioneiros e, somente nesta condição escolhiam se colaboravam com a inquisição. Os tormentos eram meticulosamente autorizados - os acusados, sob tortura, "podiam" confessar sua condição herética. Ocorria das mulheres, que eram a maioria, tornarem-se vítimas de todo tipo de abuso (jamais na presença da Santa Inquisição...).
A duradoura operação anticorrupção das almas foi cuidadosamente normatizada pelo Papa Gregório IX, no Concílio de Tolouse, quando oficialmente criado o Tribunal do Santo Ofício. Em 1252, o Papa Inocêncio IV publicou o marco legal intitulado Ad Extirpanda, sob o qual todas as provas "colhidas de boa fé", haveriam de ser admitidas.
O Tribunal do Santo Ofício gerou farta jurisprudência, autorizando o maior número de torturas e violações possíveis, sempre garantindo a publicidade dos atos, bem como fórmulas de assegurar polpudas recompensas aos beneficiários dos tormentos.
Pois então...
Observando a história, é mesmo de se perguntar: com tantas salvaguardas e finalidades puras, o que deu errado?
Observando a história, é mesmo de se perguntar: com tantas salvaguardas e finalidades puras, o que deu errado?
A Conspiração Contra a República
O que está em gestação já tem sinais apostos na realidade atual. A adoção sem crítica das propostas em trâmite no Congresso Nacional, a título de combater o câncer da corrupção, judicializará os atos administrativos, criminalizará decisões políticas e desautorizará toda e qualquer inovação gerencial posta sob suspeita - principalmente se desagradar a quem se predispor fazer uso de denúncias apenas manter tudo como de fato está...
A ação descontrolada da jusburocracia, hoje, já promove o cerco às lideranças políticas instaladas na Administração Pública: seja pelo meritório combate à corrupção, seja pelo condenável desejo de controle ideológico da administração - a "ditadura da caneta".
Há uma inflação de ações de improbidade administrativa em todo o território nacional. A maior parte dessas ações não possui, de fato, qualquer efeito prático ou didático em relação à própria improbidade administrativa.
Judicializações e criminalizações em massa distorcem a vontade popular e jogam na vala comum do opróbrio administradores sérios, inovadores, ousados, equivocados, mal assessorados, corruptos, displicentes e desonestos.
De fato, a mera discordância ideológica, pequenas antipatias ou diferenças pessoais, resultam em condenações injustas e desmoralizantes. O efeito é o desestímulo de gestores sérios a ingressar na política.
O controle de movimentações bancárias particulares, ou o acesso irrestrito a declarações de renda. As gravações telefônicas "informalmente" produzidas... quando manipuladas com "liberdade" por inquisidores, sem a devida tutela pública e judicial, pode produzir monstruosidades e instalar autocracias.
De fato, a mera discordância ideológica, pequenas antipatias ou diferenças pessoais, resultam em condenações injustas e desmoralizantes. O efeito é o desestímulo de gestores sérios a ingressar na política.
O controle de movimentações bancárias particulares, ou o acesso irrestrito a declarações de renda. As gravações telefônicas "informalmente" produzidas... quando manipuladas com "liberdade" por inquisidores, sem a devida tutela pública e judicial, pode produzir monstruosidades e instalar autocracias.
Parafraseando Esopo, o justo combate à corrupção também está servindo de pretexto para que alguns tiranos exerçam suas minúsculas tiranias... em prejuízo do Estado Democrático de Direito.
Rui Barbosa não hesitaria em combater as dez medidas...
Vivenciamos tempos difíceis. A necessidade de combater o mal, incentiva agentes públicos "bem intencionados" a produzir um mal maior: a invasão da intimidade e a destruição da dignidade. O combate ao cancro da corrupção não deve permitir que as instituições democráticas possam ser corroídas pelo câncer invasivo de um novo Estado Policial.
Repita-se, são meritórios os esforços persecutórios e judiciais no sentido de combater o grande mal representado pelo terrorismo, pela corrupção governamental e pelo crime organizado. No entanto, o rastro de vidas destruídas por mera suspeita, honras arrancadas por entendimentos parciais destacados de contextos, e, sobretudo, a licenciosidade resultante do uso contínuo de métodos que antes de tudo deveriam ser extremamente controlados, não devem se confundir com esforços meritórios, pois corroem a República e a Democracia.
Rui Barbosa, ainda no século XIX, já nos alertava para o perigo contido no instrumento republicano da "espionagem", que agora se pretende praticada em larga escala pelo judiciário brasileiro, a título de controle criminológico e social...
Ensinava o velho mestre:
"A espécie de corrupção que ela desenvolve, que tem desenvolvido, é a extinção pública a hipocrisia, a inveja e o rancor; é a concorrência aberta entre os energúmenos de nascença e os energúmenos de interesse; é sistema de seguro mútuo para a ganância e a ferocidade, aliadas sob o engodo da impunidade oficial e da gratidão administrativa. A polícia, órgão da paz nos estados livres, previne e descobre os delitos; a espionagem, órgão do ódio nos estados oprimidos, fomenta e elabora os crimes. Montesquieu disse, no Espírito das Leis: 'A espionagem seria talvez tolerável, se pudesse incumbir-se a homens honrados; mas a infâmia necessária das pessoas, nesse oficio, pode habituar-nos a ajuizar a infâmia das coisas.' "
Conclusão
Eu, Pinheiro Pedro, sempre fui e sou historicamente conhecido como defensor da doutrina da Lei e Ordem - apoiador das medidas de compressão de certas garantias, do endurecimento no combate ao crime organizado, ao terrorismo de estado e à corrupção institucionalizada.
Apoio a ação da Justiça Federal no combate à corrupção e as operações conduzidas pela Lava-Jato.
Apoio a ação da Justiça Federal no combate à corrupção e as operações conduzidas pela Lava-Jato.
No entanto, a Lei e Ordem, necessárias ao combate ao fenômeno criminológico de grande poder ofensivo, não se processam com o sacrifício da democracia, da ordem constitucional e das liberdades dos cidadãos comuns. Muito menos se confunde a doutrina com a busca de um pretexto justo para exercer meras tiranias corporativas, como parece querer o grupo proponente das medidas integrantes do PL, hoje relatado pelo Deputado Lorenzoni.
Temos leis eficazes o suficiente para bater duro e derrubar as organizações criminosas que se apoderaram do dinheiro público no Brasil. Não precisamos de medidas para destruir garantias conferidas pela Constituição Federal, nem reduzir a capacidade de defesa do cidadão brasileiro.
Temos leis eficazes o suficiente para bater duro e derrubar as organizações criminosas que se apoderaram do dinheiro público no Brasil. Não precisamos de medidas para destruir garantias conferidas pela Constituição Federal, nem reduzir a capacidade de defesa do cidadão brasileiro.
Como disse Cícero, Senador Romano, no exórdio da defesa de Coeli: "Uma coisa é maldizer, outra é acusar. A acusação investiga o crime, define os fatos, prova com argumento, confirma com testemunhas; a maledicência não tem outro propósito senão a contumélia".
A "Grampolândia" e a "República dos Delatores", contidas no ovo aninhado no PL de Lorenzoni, representam o risco da contumélia institucionalizada e o fim da República.
Pior. A estratégia de brincar com o medo, numa retórica enganosa, deve preocupar não apenas operadores do direito mas todos os que defendem a liberdade e a democracia.
O acirramento da intolerância a pretexto de "sair do caos para construir a nova ordem" é o primeiro passo para a segregação política, a criminalização da discordância, a perda das liberdades e o alarmismo xenófobo, característicos da serpente protofascista.
O fenômeno criminológico nos ofende, a leniência no combate ao crime nos injuria, a Operação Lava Jato nos resgata ao reino da dignidade. A iniciativa das medidas contra a corrupção nos honra. Porém, é preciso manter o senso crítico.
O acirramento da intolerância a pretexto de "sair do caos para construir a nova ordem" é o primeiro passo para a segregação política, a criminalização da discordância, a perda das liberdades e o alarmismo xenófobo, característicos da serpente protofascista.
O fenômeno criminológico nos ofende, a leniência no combate ao crime nos injuria, a Operação Lava Jato nos resgata ao reino da dignidade. A iniciativa das medidas contra a corrupção nos honra. Porém, é preciso manter o senso crítico.
É preciso expor contra a luz o ovo da serpente, antes que ele ecloda...
notas:
1- Conheça - lendo com atenção, as dez medidas propostas pelo MP aqui:
http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/apresentacao/conheca-as-medidas
2- Leia também:
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, "A Corrupção Custa Caro", in Blog The Eagle View, in http://www.theeagleview.com.br/2016/04/a-corrupcao-custa-caro.html
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, "Quando a Fogueira das Vaidades Queima Lixo", in Blog The Eagle View, in http://www.theeagleview.com.br/2016/02/quando-fogueira-das-vaidades-queima-lixo.html
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, "A Colaboração Premiada e a República dos Delatores", in Blog The Eagle View, in http://www.theeagleview.com.br/2016/05/a-colaboracao-premiada-e-republica-dos.html
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, "O "Regime dos Suspeitos" de Rui Barbosa e a Grampolândia de Hoje", in Blog The Eagle View, in http://www.theeagleview.com.br/2013/10/o-regime-dos-suspeitos-de-rui-barbosa-e.html
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, "Papo Reto: Crise no Estado", in Blog The Eagle View, in http://www.theeagleview.com.br/2013/07/papo-reto-crise-no-estado.html
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, "O Ministério Público, o Médico e o Monstro", in Blog The Eagle View, in http://www.theeagleview.com.br/2013/08/o-ministerio-publico-o-medico-e-o.html
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, "A Ditadura da Caneta", in Blog The Eagle View, in http://www.theeagleview.com.br/2013/03/a-ditadura-da-caneta.html
2- Leia também:
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, "A Corrupção Custa Caro", in Blog The Eagle View, in http://www.theeagleview.com.br/2016/04/a-corrupcao-custa-caro.html
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, "Quando a Fogueira das Vaidades Queima Lixo", in Blog The Eagle View, in http://www.theeagleview.com.br/2016/02/quando-fogueira-das-vaidades-queima-lixo.html
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Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e das Comissões de Política Criminal, Infraestrutura e Sustentabilidade da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.





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