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sexta-feira, 12 de agosto de 2016

NO BRASIL, NEM AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS MUDAM...

Uma entrevista histórica, em 2005, e uma triste constatação onze anos depois: Não há Clima para Mudança do Clima no Brasil

Tornado em Rondônia...



Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro


Em que pese todo o esforço promovido por muita gente brilhante, nas últimas décadas, nada mudou no quadro de implementação da política de mudanças climáticas no Brasil.

O Brasil, embora já esteja sofrendo alterações severas do clima, continua "deitado em berço esplêndido", recolhendo mortos e feridos a cada evento extremo.

Não falta lei, não faltam metas, não faltam meios operacionais para que se cumpram medidas de defesa civil, proteção dos recursos ambientais estratégicos e  ações de resiliência para manter a atividade agrícola e garantir a produção de alimentos. Falta porém governança eficaz, planejamento realista, profissionalismo e foco, para implementar uma política que funcione em solo brasileiro.

Paradoxal?  Com certeza, na medida em que nossa política climática deixou de ser aplicada efetivamente pelo Poder Público para tranformar-se em mero pretexto para conferências redundantes, estudos inócuos, viagens dispensáveis, arbitrariedades de cunho ideológico e burocracias perdulárias.

Por incrível que pareça, a maior parte das contribuições eficazes, para a redução de emissões de gases de efeito estufa e de reforço à resiliência, provém da iniciativa privada - das atividades industriais e do agronegócio.  Dos governos, órgãos de implementação e academia, o que se vê é somatório de papéis e proselitismo.

Tenho autoridade para fazer a crítica, porque contribuí efetivamente para a construção do arcabouço legal existente e- até o momento, pouco executado.

Vale aqui o meu testemunho.

Entre os anos 1999 e 2004, auxiliei o Conselho Empresarial Brasileiro Para o Desenvolvimento Sustentado - CEBDS, a organizar instrumentos que conferissem funcionalidade jurídica e econômica ao engajamento do Poder Público e do mercado ao esforço de adaptação ao fenômeno do então chamado "aquecimento global".  Foi nesse período que auxiliei meu grande amigo, Deputado Ronaldo Vasconcelos a articular um movimento de "descolamento" da matéria ambiental da Comissão então existente no Congresso Nacional, que alinhava essa preocupação com a de minorias e consumo. Estabelecida, após quase um ano, uma comissão específica para tratar da questão, o Deputado mineiro apresentou o Projeto de Lei propondo uma Política Nacional de Mudanças Climáticas, iniciando um processo legislativo bastante importante, que praticamente obrigou o Executivo a sair da letargia imposta por panelinhas "climáticas" manjadíssimas - na academia e na burocracia de Estado - que trabalhavam arduamente para que nada efetivamente fosse feito. Faziam isso no interesse mesquinho de manter um nicho de mercado que lhes garantia um diálogo internacional e condicionava o trânsito de verbas para estudos, viagens e eventos meta-redundantes. 
Com Ronaldo Vasconcelos eleito Vice-Prefeito de Belo Horizonte, a proposição foi inteiramente assumida no parlamento pelo grande amigo Deputado Antonio Carlos Mendes Thame, a pedido do qual coordenei o grupo de trabalho que o auxiliou na redação e revisão final do Projeto,  que resultou na Lei de Política Nacional de Mudanças Climáticas finalmente aprovada e sancionada cinco anos depois de iniciado o processo legislativo (Lei Federal 12.187/2009).

O processo todo foi um grande aprendizado. A articulação compreendeu o esforço de vários setores científicos e produtivos, que se empenhou em formatar um marco legal enxuto e factível, que desse suporte aos programas e mecanismos necessários à implementação de uma nova economia do clima.

O trabalho de revisão se desenvolveu por quatro anos, pari passu com o processo legislativo.

No entanto, nesse mesmo período,  assumi a presidência do Departamento de Meio Ambiente do Partido Trabalhista Brasileiro - PTB, o que nos permitiu articular com outros partidos e lideranças um maior apoio na implementação de marcos legais compatíveis com a assimetria federativa - dando início a processos legislativos de políticas de mudanças climáticas nos estados de Pernambuco, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal e no Estado de São Paulo.

Também pude iniciar discussões de políticas municipais de mudanças climáticas junto aos vereadores do PTB e de outros partidos, em 60 municípios brasileiros, com destaque para a cidade de São Paulo, cuja lei em vigor nada mais é que fruto de um substitutivo a projeto apresentado pelo partido, pelas mãos dos vereadoreas Paulo Frange e Juscelino Gadelha.

Porém, que decepção. O que poderia ter sido uma fantástica plataforma para projetar o único país até então com uma economia de baixo carbono  - pois o Brasil possuia uma matriz energética em grande parte baseada em força hídrica, alcool, nuclear e gás natural) -  resultou no reforço de panelinhas burocáticas que só produziram entropias.

De fato, de 2009 para cá, todo o arcabouço legal instituído foi  literalmente para o RALO. Com exceção de ações pontuais do setor do agronegócio que, de forma oportuna, viu uma chance de monetizar  a janela de oportunidades aberta no mercado internacional com projetos sustentáveis de mudança do uso do solo e substituição de matriz energética com uso de biocombustíveis. 

É certo que ocorreram significativas deseconomias, em pelo menos dois momentos de crise econômica mundial e, também,  dois momentos de crise interna, que afetaram a governança e entupiram o setor do mercado de carbono com títulos podres.

Houve, no entanto, também uma enorme falta de iniciativa, de interesse e de articulação governamental, que emperrou todo o processo.

Pinheiro Pedro com o Deputado Mendes Thame,
Relator do PL da Política Nacional de Mudanças
Climáticas, na reunião para discutir o marco legal
Foi, e é de desanimar!

A falácia legal, política e midiática praticada no país por atores ditos "engajados" na questão, é inversamente proporcional à implementação eficaz e efetiva de marcos legais, modelos econômicos e políticas públicas e fiscais.

Falta domínio dos conceitos, falta econometria, falta modelagem financeira e mercadológica, faltam instrumentos legais e ambiente de regulação.

Exemplos acabados de mecanismos de transferência nos moldes de Kioto-e-não-Kioto,  de fato foram certificados no exterior.

Ações pontuais, quase todas visando o marketing verde e o suporte a atividades de impacto no mercado externo, além de projetos financeiros próprios, também ocorreram. Mas nenhuma dessas ações produziu sinergias.

Vários mecanismos foram propostos por quadros importantes na ciência, na economia e na politica nacional - contratados por entes públicos e privados de peso.  Esses projetos foram publicados e inspiraram ações governamentais -  as quais, no entanto, pouco ou nada resultaram. Algumas dessas iniciativas, inclusive, tiveram minha colaboração como consultor oficial, como foi a proposta de modelagem de um mercado de compensação de emissões de carbono, realizada para o Banco Mundial, Finep e BMF/Bovespa, em 2012. ¹. 

Nada, porém seguiu adiante. E não seguiu porque não se tratou, até hoje, de desmontar as igrejinhas ideológicas e acadêmicas que se apoderaram da questão climática no Brasil, transformando o assunto em fórmula para vender projetos de consultoria ou especular com o mercado, quando não, nas hostes burocráticas, formar base para eventos redundantes de puro proselitismo político.

Um exemplo desse desalento é termos áreas legalmente atribuídas à preservação - apostas em todas as propriedades rurais no Brasil, desprezadas pelo sistema mundial de econometrização climática, por puro neocolonialismo ideológico. Somos o único país do mundo a atribuir legalmente, em propriedades privadas, áreas para a preservação florestal... e ainda pagamos o preço de não termos esse esforço considerado como "elegível" para formar "adicionalidade" nos projetos financeiros de compensação internacional de emissões. E isso se deve por pura inatividade de nossa diplomacia climática, somada ao cinismo eurocêntrico que caracteriza as decisões do painel intergovernamental do clima.

O fato é que após mais de duas décadas acompanhando diretamente o esforço para implantar medidas que dessem algum sentido econômico e jurídico à política de prevenção e resiliência às mudanças climáticas, sou obrigado a reconhecer que o Brasil ainda discute o mesmo, com os mesmos, da mesma forma e com resultados pífios idênticos.

Não me incluo, graças a Deus,  na panelinha dos que muito disseram e pouco fizeram. De fato fiz, e muito, e com espírito elevado - pois não me engalfinhei no mercado vendendo ilusões.

Pelo contrário, percebi que, embora houvesse esforços e iniciativas  de parlamentares, empresários, juristas, economistas e cientistas, os  governos e entidades empresariais de peso nada fizeram. Jamais trataram de substituir nos cargos estratégicos de seus órgãos, conselhos, comissões e departamentos, a  casta de atores e personagens notórios e figurinhas carimbadas, que durante todo esse tempo permaneceram encasteladas - seja  na academia, seja na burocracia do Estado,  permanecendo - por motivos inconfessáveis, determinadas a não permitir que algo de efetivo ocorresse.

Em suma, o personalismo, a mediocridade, a estreiteza ideológica, prevaleceram.

 Triste constatação que terminou tornando ATUAL uma entrevista que fiz para a TV, quando ainda debatíamos o projeto de lei de PNMC, em meados da década passada (2005). Naquela fui entrevistado pelo CANAL RURAL sobre o assunto.

A entrevista foi histórica e bastante comentada à época, pois esclarecia para o setor da agricultura as bases sobre as quais se desenvolveria a política do clima no Brasil

A entrevista permanece atual, pelo fato de pouco ou nada ter mudado, materialmente, desde então, embora no campo formal haja, hoje, um cenário legal mais visível em relação á questão.

Resolvi compartilhar com vocês a entrevista - pois ela fornece todos os elementos que DEVERIAM ter sido implementados e que, infelizmente, foram abandonados por governo e iniciativa privada.

Vale a pena assistir, para entender o que se pretendia fazer e, hoje, constatar o que foi e não foi efetivamente feito...

Confiram a entrevista e tirem suas próprias conclusões:




Entrevista gravada no Canal Rural, caso não consiga acessar acima, clique aqui ou acesse https://www.youtube.com/watch?v=OXMzO2ahLK0


Notas:

1- "Organização do Mercado Local de Carbono: Sistema Brasileiro de Controle de Carbono e Instrumentos Financeiros Relacionados" - trabalho executado para a BM&F/Bovespa, Finep e BAnco Mundial; in http://www.pinheiropedro.com.br/biblioteca/anais-e-relatorios/pdf/Estudo_BM&F.pdf




Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados, integra o Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, membro da Comissão de Infraestrutura e Sustentabilidade e da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo (OAB/SP). Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal. Responde pelo blog The Eagle View.


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