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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

“NASCENTES INTERMITENTES”: DEMAGOGIA OU ECOLOGIA?



ISSO é uma nascente… real e perene


Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro


A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 350/15, do deputado Sarney Filho (PV-MA), que altera o novo Código Florestal (Lei 12.651/12) com o objetivo de proteger as “nascentes intermitentes”.


Dificuldade cognitiva por indução ideológica


O projeto altera o conceito de nascente contido no código para “afloramento natural do lençol freático, ainda que intermitente, que dá início a um curso d’água”.

O conceito constante do Código Florestal  é “afloramento natural do lençol freático que apresenta perenidade e dá início a um curso d’água”.

O conceito constante na lei não é gratuito, visa justamente eliminar dúvidas entre o que é nascente e o que é afloramento.

De fato, afloramentos costumam ocorrer nos períodos de chuva intensa, quando há movimento de solo com deslocamento de lençol freático, em voçorocas e outras erosões. Não guardam vínculo com o conceito sério de nascente.

Em um passado recente, essa confusão levou a subjetividades e arbítrios de toda ordem, como o caso da voçoroca que fez aflorar o lençol freático em uma fazenda no cerrado, a qual foi motivo de notificação do IBAMA ao proprietário para que “recuperasse a Área de Preservação Permanente” em torno da “nascente e curso d’água” advindas da erosão.

Ações do Ministério Público choveram nas últimas décadas, embaladas pela famigerada medida provisória que introduziu a confusão na lei florestal, reforçada pelas resoluções do CONAMA criadas na gestão de Marina Silva.

A lei florestal, hoje em vigor, resgatou a academia, a seriedade dos conceitos, e restaurou a tutela efetiva das nascentes, eliminando a confusão com  todo e qualquer afloramento ocasional.
Sarney Filho - Atendendo às viúvas do antigo
Código Florestal...

Por óbvio, as viúvas do caos não se deram por vencidas e, agora, o resultado se faz presente no projeto de lei em curso na Câmara Federal.

“A lei vigente efetivamente protege, para o caso das nascentes, aquelas que não sejam intermitentes, mas as nascentes intermitentes precisam mais ainda de proteção, por toda sua fragilidade e importância biológica”, explica o autor do PL, Deputado Sarney Filho – que foi o mentor da Medida Provisória de 2001 – que motivou a mudança na legislação florestal.

“As nascentes tem importância vital para todo o sistema hídrico, sendo que a diminuição de suas vazões, e até mesmo a sua total seca, apresenta consequências negativas diretas para os córregos, rios e demais cursos d’água”, complementa Sarney. Segundo o deputado, a proteção das nascentes é importante especialmente no contexto atual de crise hídrica no País.

A justificativa é retórica e induz à confusão. Proteger nascentes, nada tem a ver com afloramentos intermitentes…


Ideologia 7 X ciência 0


O projeto famigerado também altera  a proteção das faixas marginais de curso d’água, retomando a confusão conceitual ao estender o conceito para “as faixas marginais de qualquer curso d’água natural, perene ou intermitente, desde o seu nível mais alto da cheia do rio”.

Hoje o conceito contido no código para APPs é de “faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular”. Assim, o que pretendem as viúvas do caos, capitaneadas por Sarneyzinho… é… repor o caos no controle territorial da agricultura brasileira.


Voçoroca, na visão dos autores do PL… vai virar “curso d’água” e ganhará “área de preservação permanente” no seu entorno…

O cinismo das mudanças envolve, logicamente o discurso, mais ideológico que científico, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), no sentido das margens de cursos d’água voltarem a ser demarcadas a partir do nível mais alto da cheia do rio, como ocorria antes da aprovação do novo código.

“A substituição do leito maior do rio pelo leito regular para a definição de Área de Preservação Ambiental torna vulneráveis amplas áreas úmidas em todo o país, particularmente na Amazônia e no Pantanal”, ressalta o Deputado, confundindo propositadamente alhos… com bugalhos.

O parecer do relator, deputado Rodrigo Martins (PSB-PI), foi favorável à proposta. “Nenhuma nascente pode ser considerada insignificante, pois mesmo a menor nascente contribui para a segurança hídrica do Brasil”, afirmou.


De volta à insegurança jurídica...


“No que concerne ao restabelecimento da delimitação da APP a partir do nível mais alto do leito do curso d’água, consideramos que a alteração, além possibilitar a proteção essencial às áreas úmidas do País, contribuirá para a redução das perdas patrimoniais e de vidas humanas associadas às enchentes e a outros desastres naturais”, complementou o relator, reintroduzindo a insegurança jurídica em nome da segurança hídrica-intermitente… ou seja lá o que isso for…

De uma forma ou outra, no entanto, a reação dos radicais da natureza sem causa, ou com causa, no sentido de intentar desfigurar a lei florestal em vigor, já era esperada.

Nascente preservada... somente com
segurança jurídica
A militância biocentrista fez e faz uso de todos os expedientes, cosméticos, dramáticos, científicos e institucionais – até mesmo tragédias ocasionadas pela crise hídrica, pelas chuvas, pelas mudanças climáticas no globo, para criar obstáculos ao novo Código Florestal – como se o anterior, então EM VIGOR, houvesse evitado a tragédia da degradação das nascentes, ou o desmatamento histórico num território sabidamente mal ordenado.

Na verdade, as tragédias mostraram justamente a FALÊNCIA da legislação anterior, jamais a necessidade de sua manutenção.


Tramitação da confusão


Por óbvio que no processo legislativo em curso na Câmara Federal, a  Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural já havia rejeitado o projeto.

Voçoroca, na visão dos autores do PL… vai virar “curso d’água” e ganhará “área de preservação permanente” no seu entorno…

Agora, o PL será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e, em seguida, será encaminhado ao Plenário. Por todos os motivos acima expostos, A CCJ deverá também rejeitar o PL, eliminando o discurso “natureba” com objetivos oportunistas.

Aguarde-se, no entanto, muito barulho no entorno da questão… não bastassem todos os graves problemas econômicos, políticos e sociais que – intermitentes, também afloram na casa de leis da Nação… sem qualquer área de proteção permanente para o cidadão contribuinte…


Íntegra da proposta 


Para quem se interessar, abaixo se encontra o link do Projeto de Lei, em trâmite na Câmara Federal: 

http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=946627






Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.




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