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segunda-feira, 27 de julho de 2015

GESTÃO AMBIENTAL BRASILEIRA: A VERDADE INCONVENIENTE DO SISNAMA

Hora de adequar os meios, instrumentos e pessoal à finalidade da gestão ambiental no Brasil


Sede do IBAMA em Brasília - DF




Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro *


Muito se fala sobre “metas”, “programas”, “políticas” e “implementações” em nosso país. No entanto, muito pouco se fala (e menos ainda se executa) quando o assunto é a estrutura da Administração do Estado Brasileiro - principalmente no que tange à Gestão Ambiental e à inserção institucional dos vetores de sustentabilidade nas ações governamentais.


Vícios históricos da administração pública

Com efeito, o Brasil começou o século XXI carregando nas costas todos os vícios e equívocos culturais acumulados no século XX, dentre os quais se destacam a metaburocracia, o cartorialismo, a disputa micro-estrutural miserável, medíocre e anacrônica, entre “concursados” e “eleitos” (o falso dilema  entre “investidura e mandato”), e o consequente desprestígio da cidadania.

Esses vícios históricos geram paternalismo, estimulam o corporativismo e perpetuam duas ditaduras: a ditadura de minorias (as igrejinhas ideológicas- em especial nas burocracias), e a ditadura da caneta (incrustada na jusburocracia de estado).

Na gestão ambiental esses vícios são evidentes. Para combatê-los seria preciso duas qualidades faltantes nas gestões que se seguiram com o advento da "Nova República" e sua Constituição de 1988: coragem e determinação.  A tal ponto que estes vícios sempre foram sintomaticamente excluídos da abordagem analítica de todos os programas de governo apresentados nas últimas eleições para cargos executivos.

O resultado da omissão política em combater esses vícios históricos é que, nos últimos anos, ocorreu sensível displasia no tecido burocrático, e metástase nas rotinas burocráticas, administrativa e judiciária, prejudicando a eficácia da legislação protetiva do meio ambiente.

Por melhores que sejam as intenções e compromissos assumidos por um governante, nada poderá ser feito se este não priorizar a estrutura da instituição encarregada de implementar suas ações, mobilizar recursos e empregar meios, tendo em vista os objetivos a serem alcançados.

Para não nos dispersarmos em considerações difusas, vamos focar na estrutura da gestão ambiental hoje institucionalizada em nosso país – o SISNAMA, Sistema Nacional do Meio Ambiente.


SISNAMA é uma Mula Sem Cabeça

De fato, o SISNAMA é um vergonhoso exemplo da incapacidade do Estado implementar integralmente os sistemas que cria.

Em que pese estruturado desde a promulgação da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981, SISNAMA nunca foi implementado integralmente.  Não por outro motivo, este instrumento essencial para o controle ambiental, está absolutamente tomado pelos vícios e equívocos culturais mencionados no início deste artigo.

Quando olho para o SISNAMA, me vem à mente a imagem da mula sem cabeça - figura de nosso folclore, inserida no cotidiano institucional brasileiro...

Explico:

Passadas mais de três décadas da sua instituição, o SISNAMA continua sem seu Órgão Superior - o Conselho de Governo,  o cérebro do sistema, o grupo encarregado de assessorar o Presidente da República na formulação da política nacional, de  decidir as diretrizes governamentais para o meio ambiente.

O Conselho de Governo – previsto na Lei de Política Nacional de Meio Ambiente, jamais foi implementado. 

Em verdade, há um "Conselho de Governo", instituído pela Lei que organiza o Gabinete da Presidência da República. No entanto, este Conselho de Governo ignora completamente a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, que já previa este órgão superior.

A lei da Presidência não incluiu sequer uma câmara específica ou mesmo qualquer procedimento de formulação de políticas ou controle do sistema de gestão ambiental no referido Conselho.

No governo Lula, uma câmara interministerial foi instituída nesse Conselho de Governo. Porém, o único objetivo da inclusão foi alisar o enorme ego da então Ministra Marina Silva, buscando avalizar o desastre biocentrista que ela então estava implementando na gestão. A Câmara, portanto, foi uma ficção que ficou no papel.

A falta de um cérebro - um órgão superior, presidencial, gerou a desconexão entre as políticas ambientais, adotadas pelo SISNAMA e as demais políticas do Governo Federal, relacionadas ao desenvolvimento econômico, ocupação territorial e  infra-estrutura nacional.

Falta um mecanismo específico de resolução de conflitos disponibilizado para o Presidente da República, um órgão que permita á chefia do executivo formular políticas públicas. A "cabeça" do SISNAMA deveria estar embutida na Presidência da República, no Conselho de Governo do gabinete presidencial, a cargo de uma secretaria específica no órgão de coordenação interministerial.

Como não está, o "cérebro" se desloca para um ministério apartado, cujo sistema não lhe dá condições de integração com as demais funções da Administração, jurisdicionadas horizontalmente pelos demais ministérios e autarquias federais. 

O fracasso dessa omissão do Estado em completar o SISNAMA, reflete-se nos resultados funestos de implementação das Legislações de Recursos Hídricos, Saneamento Básico e Resíduos Sólidos. Esses marcos legais encontram dificuldades de implementação por estarem desconectados dos sistemas de energia, transportes, ciência e tecnologia, saúde e desenvolvimento urbano, existentes no governo federal. Reflete-se, também, no sucateamento da infraestrutura nacional - travada na judicialização e nos entraves sistêmicos do licenciamento ambiental.

Os apagões no saneamento, na gestão de resíduos, na logística reversa, no abastecimento de água, na instalação de hidrovias, nos portos, ferrovias e na geração de energia, fazem prova cabal da desconexão, do fracasso decorrente de se ter uma "mula sem cabeça" implementando a política ambiental, desconectada da chefia do executivo (ainda que haja um membro de primeiro escalão que dela pretensamente se encarregue...).


CONAMA - conselheiros de mais, eficácia de menos


CONAMA é uma Assembléia Estudantil?

Passando da ausência de uma cabeça, para o corpo doente do SISNAMA, observamos outra grande anomalia -originada da primeira acima citada: o chamado Órgão Consultivo e Deliberativo - o Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA , por não ter a quem propor as políticas que elabora, acaba agindo de forma acéfala e desconectada.

O CONAMA é um "tronco encefálico sem cérebro". Por isso destoa da vontade política do governo e de forma alguma consegue se conectar ao planejamento estruturante para o exercício do controle territorial e soberania do Estado.  Essa desconexão gerou um enorme disfuncionalidade cognitiva sobre o papel e razões de existência do SISNAMA, um sistema nervoso que tornou-se autista, posto que gera normas e as interpreta em completa desarmonia com a condução dos interesses de Estado, da economia e do governo.

Desconexão do organismo de sua coordenação racional gera atrofias e hipertrofias. É justamente o que ocorre no SISNAMA: paquidérmico, sem capilaridade, movido a espasmos e judicializações, inseguro, sem cabeça e, por isso mesmo - na falta de um cérebro, comandado por um bulbo - o  CONAMA, um colegiado assembleísta, inchado, e que beira o caos, tamanha a assimetria de sua composição.

Essa assimetria do CONAMA é geral, seja no que tange ao equilíbrio federativo, seja no que tange à relação técnico-jurídico-institucional dos seus membros, seja com referência à própria legitimidade ou representatividade de alguns de seus membros ou dos organismos ali representados.

O CONAMA conta hoje com aproximadamente 118 (CENTO E DEZOITO) membros. Não por outro motivo, sem um regimento rígido, ele se perde em reuniões intermináveis, completamente marcadas pelo espírito de assembléia estudantil.

Assim, a resolução dos conflitos só ocorre pelas bordas do Conselho – por meio de câmaras temáticas e grupos de trabalho formatados voluntariamente em plenário. No entanto, esses grupos não costumam guardar proporção técnica ou institucional em sua composição - que possa ser compatível com o assunto em pauta. Tornam-se presas fáceis dos ativistas integrantes do órgão e vítimas das "carteiradas" das autoridades que confundem interesse público com militância. 

O resultado da distorção sistêmica gera burocracia e normas burocráticas que, por fim, demandam mais burocracia e mais normas, sem efetivamente construir uma ordem jurídico-ambiental estável e federada.

Esse fenômeno meta burocrático não atinge apenas o CONAMA. Vários outros órgãos reguladores inseridos na Administração Pública nacional sofrem do mesmo mal - pelas mesmas razões. 

No entanto, o caso do CONAMA, por conta dos entraves estratégicos que cria, é preocupante, pois suas ações normativas extrapolam com frequência a razoabilidade, gerando efeitos graves para os demais setores da vida nacional. Suas normas desconectadas ocasionam distorções graves nos investimentos e no controle territorial do País.


Nilo Diniz, Carlos Minc e Izabella Teixeira
gestões importantes no SISNAMA

Só não foi pior, nos últimos  anos de gestão tucana e petista, por conta da batuta do eficiente de alguns dirigentes, como Nilo Diniz, na Secretaria do Conselho, e da sorte de se ter tido, à frente do ministério, ministros como o hábil Carlos Minc, que dosava o discurso radical com ações práticas concretas de ordem estruturante, ou a Ministra Izabella Teixeira, extremamente técnica, cuja agenda só não avançou mais por conta da fraqueza notória da chefia do executivo federal. Sob esses dois ministros, houve certa regressão no voluntarismo assembleísta do CONAMA, nos respectivos períodos.

É urgente uma revisão profunda da estrutura do órgão, tornando-o mais técnico, profissional, representativo, menos político,  compromissado com as estratégias de desenvolvimento nacional e devidamente submetido a um Órgão Superior - o Conselho de Governo.


O IBAMA - carreira única e  síndrome de janus

Da mesma forma que o Conselho, a agência ambiental brasileira, o IBAMA, órgão executor do SISNAMA,  também necessita ser repaginado. 

Há necessidade de especialização do seu corpo funcional, divisão de cargos e funções compatíveis com a interdisciplinaridade tão cara à gestão ambiental.

Não há como haver excelência quando, sob o manto de uma mesma e única denominação - “analista ambiental” -  atuam engenheiros, jornalistas, biólogos, dentistas, advogados, arquitetos, sociólogos, médicos, filósofos, fisioterapeutas, etc... todos no mesmo cargo.  Ou seja, os mais variados profissionais atuam indiscriminadamente para a execução de atividades funcionais que se estendem da fiscalização armada e repressão a infrações ambientais à análise técnica para fins de licenciamento e aprovação, estudos de Avaliação de Impacto Ambiental de projetos complexos, em ambientes idem, etc...

É óbvio que a ausência de carreiras compatíveis com a especialização profissional gera uma estrutura de "especialistas em generalidades" - capazes de palpitar sobre tudo, com a diferença que se seus "palpites" podem gerar enormes prejuízos ou causar danos a terceiros e ao Estado.

Laudos, pareceres técnicos, informações, necessitam gabarito. Não é possível que um parecer técnico sobre a construção de uma barragem seja subscrito por um "analista" especialista em canais -  não um engenheiro mas, sim, um dentista...

A criação da carreira de "analista"... permitiu a inoculação no sistema, de militantes profissionais, e não de profissionais militantes.  Esse efeito se projeta também em outros órgãos de acompanhamento externo, como o Ministério Público... e o resultado pode ser visto na impressionante judicialização ocorrente no espaço da gestão ambiental.


Apagão na Logística Reversa - sintoma

Não bastasse  a disfuncionalidade no IBAMA, outro desastre ocorreu com a  cisão do órgão, no complicado período de gestão da messiânica ministra Marina Silva. Essa decisão constituiu, na minha opinião, um dos mais desastrosos equívocos de administração estratégica já adotados por um governo na área ambiental. 

O governo federal separou o roto do rasgado, sem que até hoje consiga vislumbrar um tecido que articule as ações de fiscalização, fomento, licenciamento, gestão territorial, e administração de fluxos de compensações.

A cisão transformou unidades de conservação, empreendimentos e políticas públicas - bem como seus responsáveis,  em verdadeiras bolinhas de ping-pong, tendo por raquetes os dois órgãos - IBAMA e ICMBio  - duas faces de Janus - e seus jurisdicionados (escritórios regionais, conselhos gestores de unidades de conservação, departamentos... etc.).

Esse ping-pong é sinérgico. De fato, o SISNAMA  especializou-se em fazer do empreendedor uma "bolinha" raquetada por organismos vários, dentro e fora do sistema. Há casos bizarros, verdadeiro motivo de piada internacional, como é o caso do Serviço de Patrimônio da União calcular e cobrar pelo "espelho d'água" utilizado em empreendimentos marítimos, exigir-se "laudo negativo" do IPHAN para plantação de mandioca em áreas que nunca foram  relacionadas como de interesse arqueológico, cálculos astronômicos de "compensação" de mudas para cada árvore cortada em uma obra... ou seja - meios para empregar amigos e gerar lucro em empresas coligadas... às custas de quem licitamente pretende empreender...


Falta de Memória e Transparência 

Não bastasse o esquartejamento do IBAMA e a sinergia de exigências redundantes, ainda há a constante “perda de memória operacional” disseminada nos organismos do SISNAMA, gerando um enorme volume de atitudes subjetivas (leia-se: crises) por absoluta falta de referências objetivas.

Explico:

De fato, contrariamente às mais respeitáveis agências ambientais do mundo, nem o IBAMA, nem qualquer outra agência ambiental integrante do SISNAMA (incluso a nossa prestigiada CETESB, em São Paulo) possui acervo técnico publicado e disponibilizado,  que possa ser consultado publicamente como forma de antecipar procedimentos e prevenir conflitos.

Não há publicação de jurisprudência administrativa que possa orientar a consulta de empreendedores e cidadãos interessados. Não existem notas técnicas publicadas regularmente, que orientem os próprios funcionários na resolução de conflitos similares quando da análise de licenças ambientais. 

Raríssimos sãos os procedimentos públicos de consulta e manifestação para a formulação de normas e diretrizes técnicas.

Não há garantia de acesso  de advogados e consultores aos procuradores encarregados dos pareceres jurídicos ou exames de causas na administração ambiental. De fato, salvo as conhecidas e honrosas exceções, é mais fácil um advogado ser recebido por um Ministro no Supremo Tribunal Federal que ter acesso a um procurador ou consultor jurídico aboletado em qualquer uma das várias procuradorias de órgãos ambientais vinculados ao SISNAMA.

Significa dizer: o Estado Democrático de Direito ainda não vigora na quase totalidade dos órgãos de gestão ambiental do País.

Ausentes os pressupostos estruturais, perenes tornam-se os vícios culturais.

É muito difícil arregimentar recursos humanos e financeiros para que o SISNAMA possa resolver seus próprios gargalos - em especial o mais importante deles: o licenciamento ambiental. 

Absolutamente todos os órgãos do SISNAMA pecam pela falta de técnicos no setor de licenciamento ambiental.

Nos últimos anos, é verdade, vários foram os órgãos que focaram sua atuação na resolução desse problema – e podemos citar o próprio IBAMA, durante a gestão de Roberto Messias Franco, com os programas “Destrava IBAMA” I e II (o nome já diz tudo...).

No entanto, a questão de fundo é cultural e ideológica.

Há ainda, um dilema que precisa ser resolvido: ou se elimina  no âmbito da Administração, a visão fascista, biocêntrica, que faz do licenciamento forma de entrave ao desenvolvimento econômico, ou continuaremos na idade das trevas, sem enxergar o instituto do licenciamento como suporte ao desenvolvimento econômico-social e vetor de planejamento.

O licenciamento ambiental é merecedor de uma enorme concentração de esforços. É preciso conferir ao instituto agilidade, acuidade e expertise no seu núcleo de atividade-fim, que é o de garantir sustentabilidade à economia nacional.

Políticos “de passagem”, burocratas carreiristas, militantes biocentristas, acadêmicos sem prática, diletantes, “iluminados” de todo tipo, e fiscais ativistas precisam, efetivamente, ser erradicados do sistema.  A nocividade desses quadros compromete a condução do País no atendimento às enormes e complexas demandas de desenvolvimento, infra-estrutura, emprego e renda, controle territorial e preservação ambiental.

Esse fenômeno polui o ambiente institucional com subjetividades, ativismos e posturas ideológicas e retira a devida objetividade, impessoalidade e segurança jurídica ordenadas pela Constituição Federal.

Secas, falta de resposta às crises de abastecimento, apagão de infraestrutura,  do saneamento básico, da logística reversa, e dos investimentos, constituem resultado direto desse descompasso.

Se há um ponto que deveria, portanto, constar no programa de qualquer governo sério, de qualquer candidato aos principais postos da política nacional, este deveria ser:
"os meios precisam urgentemente justificar os fins."


Assumir a Verdade

É hora, portanto de assumirmos essa verdade inconveniente!

É hora de adequar meios, instrumentos e pessoal para reestruturar o Sistema Nacional do Meio Ambiente.

Mais do que nunca, é preciso estabelecer efetivo controle territorial e propiciar seguro suporte ao desenvolvimento sustentável de nossa Nação.







Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.  É  Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.





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