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quarta-feira, 17 de julho de 2024

O CASO DO LINCHAMENTO E O OCASO DOS VALORES MORAIS NO BRASIL


É preciso olhar com mais atenção as conduções emocionais, levadas a cabo por tipos de todo tipo, ocorrentes nas tragédias que nos assolam diariamente.



Covardia e indigência moral fazem o linchamento



Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro



"L'enfer, c'est les autres"
(Jean Paul Sartre)



O linchamento


Um fato que precisa ser relembrado, se guardamos ainda alguma reserva moral em nossas mentes e corações: moradores do bairro Morrinhos, no Guarujá (SP),  lincharam até a morte a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos.

Fabiane foi confundida com um retrato falado espalhado nas redes sociais, atribuído a uma suposta sequestradora de crianças que praticava rituais de magia negra.

Amarrada, Fabiane foi arrastada, torturada, cuspida e espancada pelas ruas do bairro, até sua morte, sob aplausos, apupos, assovios e gritos de uma multidão de homens, mulheres, velhos e crianças.

A Polícia Civil agiu com certa rapidez e o judiciário decretou a prisão de meia dúzia de imbecis.

Até hoje  não se sabe  (e pelo visto não se quer saber) quantas pessoas participaram do linchamento.

As imagens da agressão coletiva, feitas com telefones celulares, foram divulgadas na internet. Investigadores fizeram buscas e procuraram testemunhas em Morrinhos, bairro miserável com mais de 20.000 habitantes, na periferia do Guarujá.

“Tudo indica que os autores são da comunidade mesmo. As imagens são fracionadas, mas permitem a identificação de pessoas que tenham relacionamento com os suspeitos. Ainda não sabemos quantas pessoas efetivamente participaram das agressões”, disse o delegado Luiz Ricardo Lara, do 1º Distrito Policial de Guarujá.

A questão, no entanto, é que o discurso do "ainda não sabemos", não resistiu a uma passada d'olhos nos vídeos produzidos por celulares e fotografias retratando a monstruosidade cometida não por um ou dois "justiceiros" mas, sim, por CENTENAS de covardes enfurecidos, tomados do mais perverso sadismo - homens, mulheres, jovens, idosos - gritando como se a cada pancada dada covardemente numa mulher indefesa significasse um lance esportivo digno de aplausos.

O primeiro suspeito preso (ao fim e ao cabo o processo criminal sobrou para meia dúzia de celerados morais), alegou ter massacrado a vítima por "ser pai de dois filhos".

O "zeloso" pai de família, no entanto, não tinha trabalho fixo e era assumidamente drogado.

Embora não tivesse ainda passagem pela polícia, o homicida já estava "formatado" por circunstâncias criminológicas típicas - as mesmas que costumam moldar a criminalidade praticada hoje no meio miserável, de degradação ambiental e urbana,  existente nas "comunidades" brasileiras.


Pobre Fabiane, morta sob aplausos dos imbecis.



A culpa é sempre "dos outros"


Há quem tenha colocado a culpa no blog de internet, no jornal virtual. Mas o problema, por óbvio,  não está apenas no jornal "descerebrado".

O que assistimos é fruto do desastre social, do fenômeno do crescimento dessa massa de celerados morais.

Testemunhamos hoje a proliferação de analfabetos funcionais, sem noção do que seja uma obrigação social, sistematicamente "vitimizados" por uma burocracia estatal irresponsável,  que manipula o ódio (religioso, de classes, de gêneros e de raça), não reprime, não julga e não pune.

Fabiane acabou sendo vítima de um sincronismo junguiano, ocasionado pela ação de:

a- uma mídia irresponsável, emocional e leviana, que prestigia justiceiros e despreza a polícia, divulga "lacrações" e destrói reputações, constrói mentiras e empastela a verdade;
b- uma população desprovida de valores morais, analfabeta funcional e de inteligência rasteira;
c- autoridades omissas, reféns do discurso "politicamente correto",  vitimizador de marginais; leniente com a "cultura marginal", que prega o sexo promíscuo com menores, prestigia famílias disfuncionais e cultiva a "malandragem"; e
d- radicais prontos a diluir a responsabilidade de criminosos, alegando preconceito social difuso, apontando o rancor como motivação "revolucionária", prestigiando a "destruição da célula familiar", de forma expor menores a estupro dentro das próprias casas...

Como diz Sartre: "o inferno são os outros". E o nosso inferno está atolado na hipocrisia de um discurso "politicamente correto", sem qualquer senso moral.

É preciso olhar com mais atenção as conduções emocionais, levadas a cabo por tipos de todo tipo, ocorrentes nas tragédias que nos assolam diariamente.


É preciso reagir


Estamos sendo aos poucos, porém em larga escala, privados oficialmente de valores cívicos. Sem esses valores, ficamos desprotegidos, sujeitos à contaminação por degradações morais de toda ordem... à mercê de multidões de indigentes morais, que buscam um bode expiatório para descarregar o ódio de suas misérias cotidianas. Hipócritas em busca de conforto para seus pecados mesquinhos.

O lixo cotidiano é despejado sobre as mentes medíocres de uma população marginalizada por meio do discurso do ódio.

A única saída está, inapelavelmente, na LEI, na ORDEM e na JUSTIÇA. Esses três esteios precisam ser resgatados imediatamente.

Para conter celerados morais que agem em massa, somente impondo a autoridade do Estado de Direito.

As autoridades precisam usar momentos de comoção social, provocados pelo misto de vergonha, remorso e revolta, para efetivamente voltarem a ocupar o espaço que lhes cabe na estrutura social do Estado Brasileiro - estrutura essa, cada vez mais esgarçada.

Nelson Rodrigues vaticinava:

"há milhões de imbecis pelo mundo, os outros é que são  uma minoria ridícula". 

Uma grande verdade. No entanto, o fato não permite essa maioria ignara  se dar o direito de ditar regras amorais, degradar a democracia e solapar a autoridade do Estado.

Todos nós somos responsáveis pelo final funesto do episódio do Guarujá, quando nos deixamos levar por uma mídia cada vez mais voltada aos imbecis, por políticas públicas que vitimizam a imbecilidade e por autoridades que concedem espaço à criminalidade praticada no seio de movimentos sociais.




Antonio Fernando Pinheiro Pedro


Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado(USP), sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados, diretor da AICA - Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental,  Consultor ambiental com consultorias prestadas ao Banco Mundial, IFC, PNUD, UNICRI, Governo Federal, Governos Estaduais e municípios. É integrante do Green Economy Task Force da Câmara de  Comércio   Internacional,   membro   do    Grupo   Técnico de Sustentabilidade e Gestão de Resíduos Sólidos da CNC e  membro das Comissões de Direito Ambiental do IAB e de Infraestrutura da OAB/SP. Jornalista, é Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal, Editor da Revista Eletrônica DAZIBAO e editor do Blog The Eagle View.







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