Redes Sociais Nunca Foram Plataformas de Informação, Mas de Expressão
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Censor de Redes - (figura afpp-copilot) |
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
A Liberdade é expressão da alma e oxigênio da democracia
Introdução
Em maio de 2020, o Supremo Tribunal Federal emitiu dezenas de mandados de prisão contra blogueiros e jornalistas, sob o confuso pretexto de estar combatendo "fake news", "discursos de ódio" e "desinformação". Em verdade, à época, a Côrte tratava de proteger sua própria integridade por conta de fatos divulgados sobre seus membros, enquanto iniciava intensa campanha de "moderação" dos processos eleitorais daquele ano e do ano de 2022.
Na época, a decisão foi duramente atacada pelo Ministério Público Federal, que alertou que as diligências e o próprio inquérito estavam afetando o constitucional direito à liberdade de expressão nas redes sociais. Segundo o então Procurador Geral da República, Augusto Aras, o conteúdo publicado pelos investigados era "incisivo", mas não se confundia com "prática de calúnias, injúrias ou difamações contra os membros do STF".
"Em realidade, representam a divulgação de opiniões e visões de mundo, protegidas pela liberdade de expressão", disse o procurador-geral, que citou diversas manifestações de ministros do próprio STF sobre liberdade de expressão.
Com essas ponderações, o próprio Ministério Público Federal traçou o quadro e apontou todo o contexto que leva o Regime Instituído sob o governo petista a buscar a regulação das redes sociais. O fato é claro, o foco dessa campanha sempre foi matar a VERDADE, jamais protegê-la. O equívoco da discussão, por sua vez, sempre foi confundir o direito de livre expressão com o exercício da comunicação.
A ideia deste artigo, assim, é, de forma clara e objetiva, identificar os pontos controversos e apontar a solução para o conflito - que, aliás, já está sendo posto em prática nas próprias redes sociais - em substituição à censura arbitrária.
Na origem, ignorância e temor
O jornalismo crítico e a liberdade de expressão marcam a história do Brasil - de Gregório de Matos à família Mesquita, passando por Samuel Wainer e Carlos Lacerda.
Desde o episódio do assassinato de Líbero Badaró - cuja crise resultante levou à abdicação do Imperador Pedro I, no Século XIX, o jornalismo brasileiro sempre esteve no centro dos grandes acontecimentos que levaram às mudanças institucionais da Nação. Daí a preocupação constante, em nosso país, de resguardar a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão - coisas alíás, que não se confundem.
O avanço da tecnologia porém, impactou sobremaneira todo esse quadro histórico.
Se a imprensa sempre foi o grande filtro na transmissão dos fatos e na editoria dos vieses, a tecnologia de comunicação digital permitiu ao cidadão comum sair da "coluna do leitor" ou da "seção de cartas" - "concessões" dadas aos que passivamente recebiam aquilo que lhes era comunicado, para, a partir de então, criticar, contradizer, reeditar e divulgar sua versão dos fatos.
O fenômeno "atropelou" o filtro jornalístico e transcendeu as linhas editoriais que marcam a liberdade de imprensa.
Porém, a rede social foi além: deu vida, nas infovias, à livre expressão de idéias, conceitos, convicções e manifestações antes compartilhadas nos recintos domésticos, nos eventos sociais, nos bares, locais de trabalho e bancos escolares. Com isso, escalou o libre debate e tornou o cidadão, em larga escala, mais ativo, questionador, opinativo e crítico - algo que assustou a elite "pensante" do chamado establishment.
Essa assimetria ainda não foi assimilada pela mídia mainstream, muito menos pelas mentes populistas que poluem a juristocracia e o legislativo nacional.
Por isso mesmo, até por temerem o próprio destino no tribunal implacável da história, certos personagens buscam impor absurda censura, sob pretextos questionáveis.
Combater o fenômeno por meio de repressão generalizada a quem troca mensagens em rede social é algo como se o Estado passasse a ter lugar na mesa de jantar ou na sala de estar do cidadão - forma patética de querer transformar o curso dos fatos por meio da caneta. Um atestado de ignorância.
As redes sociais são espaços de compartilhamento de ideias, opiniões e criatividade. Embora possam conter elementos informativos, seu propósito principal nunca foi informar no sentido jornalístico, mas sim proporcionar um ambiente onde indivíduos se expressem livremente. Senão vejamos:
Plataformas de Redes Sociais
As redes sociais formam plataformas digitais que podem ser classificadas em dois grandes grupos:
Plataformas de Intercomunicação: Seu objetivo principal é conectar pessoas e facilitar a troca de mensagens em tempo real e de forma interativa. Exemplos: WhatsApp, Microsoft Teams e Zoom.
Plataformas de Expressão: São voltadas para a disseminação de ideias e opiniões a um público maior, permitindo a criação e compartilhamento de conteúdos multimídia, igualmente interativos. Exemplos: X, Instagram, TikTok e Facebook.
Enquanto as plataformas de intercomunicação se concentram na interação direta entre pessoas e grupos determinados, as de expressão fornecem um espaço para manifestação pública - ambas, no entanto, sem compromisso direto com a veracidade das informações compartilhadas, permitindo a crítica e interatividade.
Liberdade de Expressão vs. Dever de Informar
Liberdade de Expressão envolve o Direito individual de manifestar pensamentos, opiniões e emoções sem censura.
Por óbvio que toda liberdade encontra seu limite na responsabilidade. Discursos de ódio, difamação e incitação à violência contra outrem, esbarram em limites legais - os quais, se por um lado, impõem a devida responsabilização ao faltante, não podem extrapolar sanções para o ambiente da livre expressão, prejudicando seu exercício.
Dever de Informar envolve a Responsabilidade Pública dos veículos de comunicação e do jornalismo, em divulgar informações corretas, verificadas e de interesse público. Para tanto, a liberdade de imprensa é tutelada por legislação própria, estabelecendo os meios para seu exercício.
Embora esses conceitos possam se cruzar, expressar não significa informar. Da mesma forma, opinar é prerrogativa de cidadania, em ambos os casos.
O compromisso com a veracidade e a utilidade pública, portanto, diferencia a comunicação jornalística da simples e ampla prerrogativa de manifestação de opinião.
Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa
Se a Liberdade de Expressão é Direito pessoal de manifestar opiniões e sentimentos, a Liberdade de Imprensa envolve o Direito dos meios de comunicação, de publicar conteúdos sem interferência governamental, desempenhando um papel crucial na transparência democrática.
A imprensa, ao contrário da expressão pessoal, opera sob diretrizes de precisão e imparcialidade quanto aos fatos, essencial para garantir informação confiável e fundamentada. Na outra ponta, o viés editorial consagra a mesma liberdade, resguardando a personalidade do veículo, na medida em que o leitor, o ouvinte e o espectador identificam a linha opinativa daquele.
Expressão vs. Comunicação Responsável
A expressão é um espaço ilimitado para criatividade e compartilhamento de ideias, sem necessariamente garantir precisão ou objetividade. Já o dever de comunicação implica responsabilidade na transmissão de informações verificadas, especialmente no jornalismo.
Não por outro motivo, no jornalismo há quem cubra os fatos, responda às famosas questões - o que, quem, onde e quando - quem trate da investigação do "porque", quem compile e decida o que segue na redação e quem opine a respeito seguindo a linha editorial. E ainda há quem entreviste e mantenha colunas independentes de opinião ou tenha artigos livres publicados - tudo claramente identificado.
Assim, opinião e comunicação são conceitos distintos. Enquanto a opinião reflete interpretações subjetivas, a comunicação pode ter o objetivo de informar ou esclarecer fatos.
Liberdade de Expressão na Constituição Brasileira
A Constituição Federal de 1988 protege a liberdade de expressão no Artigo 5º, garantindo a livre manifestação do pensamento e vedando o anonimato. Esse direito fortalece a democracia, permitindo o debate público e a troca de ideias essenciais para a sociedade. Na verdade, a Constituição vai além, garantindo a liberdade e inviolabilidade das plataformas de intercomunicação das redes sociais - que hoje são extensões da comunicação telefônica e telegráfica, e abrangem, igualmente, a liberdade de reunião e associação em grupos de discussão.
A Constituição, assim, expressamente, protege a liberdade de expressão e opinião nas redes sociais, no art. 5º, no contexto dos seguintes incisos:
V - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar.
A liberdade de expressão implica, por óbvio, na responsabilidade, prevendo a Constituição os meios de ação contra abusos.
Não é verdade, portanto, que não hája "regulamentação" do fenômeno.
Expressão Pessoal e Questões Polêmicas
No Brasil, é comum encontrar debates sobre temas controversos, como a segurança das urnas eletrônicas e a existência de OVNIs. Essas opiniões, no entanto, são protegidas pela liberdade de expressão. Aliás, todo indivíduo ou intituição está sujeita à crítica.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), determinou que declarações políticas sobre urnas eletrônicas não podem ser alvo de ação popular. Isso reforça que expressar dúvidas sobre o sistema eleitoral é um direito que não necessariamente produz efeitos legais.
Já o debate sobre OVNIs é protegido como crença pessoal. No entanto, afirmações falsas que possam prejudicar outras pessoas podem ter implicações legais.
Confusão Entre Mídia de Comunicação e Plataformas de Expressão
Na Europa e no Brasil, existe uma diferenciação entre Mídia de Comunicação (Jornais, revistas, rádio e televisão que seguem padrões jornalísticos de imparcialidade na verificação de fatos e liberdade editorial) e Plataformas de Expressão: Redes sociais e blogs onde usuários compartilham opiniões sem compromisso com a veracidade.
A confusão ocorre porque muitas pessoas tratam redes sociais como fontes de informação, sem considerar que são, na verdade, espaços de livre expressão. Isso levanta debates sobre regulamentação, especialmente para "conter desinformação", "reprimir discursos prejudiciais" e, com isso, abrir as portas para a censura.
Regulamentação de Plataformas Digitais e o Risco de Censura
A regulamentação das plataformas digitais tem sido discutida como forma de proteger usuários contra conteúdos ilícitos, como discurso de ódio e desinformação. No entanto, existe o risco de censura ideológica, caso operadores de moderação apliquem filtros subjetivos.
Os desafios dessa regulamentação incluem:
a- Critérios subjetivos na remoção de conteúdos, que podem levar a decisões arbitrárias;
b- Impacto na pluralidade de pensamento, suprimindo determinadas visões políticas ou culturais;
c- Poder excessivo de órgãos de regulação e empresas privadas, cuja moderação pode ser pouco transparente.
Como alternativa, um modelo mais democrático seria permitir que os próprios usuários tenham controle sobre o conteúdo que acessam.
Painel de Controle do Usuário é a Alternativa
O modelo implementado pelo X, onde usuários personalizam suas preferências de conteúdo, pode ser a solução mais justa e transparente.
Entre os benefícios dessa abordagem estão:
a- Rapidez na remoção de conteúdos indesejados, sem necessidade de processos burocráticos.
b- Democratização da moderação, garantindo que cada usuário ajuste sua experiência conforme suas próprias preferências.
c- Maior liberdade de expressão, evitando remoções arbitrárias.
Para que esse modelo funcione de forma equilibrada, é importante garantir:
I- Transparência na moderação de conteúdo.
II- Critérios objetivos para remoção de publicações.
III- Mecanismos de recurso para usuários que tenham conteúdos indevidamente bloqueados.
Se amplamente adotado, esse modelo poderia ser um padrão global, garantindo autonomia aos usuários e reduzindo riscos de censura ideológica.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece a liberdade de expressão como direito fundamental no Artigo 19. Qualquer forma de restrição arbitrária, portanto, pode ser considerada uma violação desse direito essencial.
Em democracias, garantir a livre manifestação de ideias é crucial para a pluralidade de pensamento e o desenvolvimento de sociedades justas. Se esse controle competir aos próprios usuários como é o caso do painel ora apontado, a ameaça censória será amplamente reduzida.
Como é óbvio, o fenômeno das redes sociais - e seu contexto, não serão contidos na base da caneta.
A história também ensina que, um dia, a tinta do censor acaba...
Referências Bibliográficas
Pinheiro Pedro. "O Caos Sob Censura". Disponível em: https://www.theeagleview.com.br/2023/05/o-caos-sob-censura.html
Marks Gray. "Diferenças entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa." Disponível em: https://marksgray.com/media-law/difference-speech-press-dont-overlap/
Mundo Educação. "Liberdade de expressão na Constituição Brasileira." Disponível em: https://mundoeducacao.uol.com.br/politica/liberdade-de-expressao.html
Toda Matéria. "Liberdade de expressão e democracia." Disponível em: https://www.todamateria.com.br/liberdade-de-expressao/
Conjur. "Expressão humana e direito internacional." Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-mai-13/por-que-a-expressao-humana-deve-ser-protegida-pelo-direito-parte-4/
"A história também ensina que, um dia, a tinta do censor acaba... " Espero que este "um dia" venha logo!
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