São Mateus, se tornasse à terra e visse o que foi revelado pela Folha de São Paulo, denominaria o escândalo como "obra de Satanás"
Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Mais que a Constituição Federal, leis e tratados internacionais, nosso direito firma raízes no legado civilizatório judaico, cristão ocidental. É dele que tiramos o sentido moral do que é certo, do que é justo e do que é intrinsecamente mau.
A Bíblia nos traz vários ensinamentos sobre o ato de julgar e as mazelas da justiça dos homens.
Mateus, um cobrador de impostos publicano e discípulo de Jesus, nos ensina o caminho da prudência ante o imponderável da justiça terrena:
“Quando você e seu adversário estiverem a caminho do tribunal, acertem logo suas diferenças. Do contrário, pode ser que o acusador o entregue ao juiz, e o juiz, a um oficial, e você seja lançado na prisão.” (5:25)
Imagino o que Mateus diria hoje sobre os procedimentos levados a cabo pelo "iluminado" ministro Alexandre de Moraes e seus pressurosos e subalternos assessores...
Um caso notório de impedimento e suspeição
Mateus teria que rever seu versículo, pois no Brasil há jusburocratas que assumem o comando de um Tribunal e, sem qualquer prudência, permanecerem firmes também no comando de um inquérito absolutamente imbricado com a tutela objetiva que passam a presidir.
No Brasil, na última instância da Justiça, há quem maneje um inquérito juridicamente natimorto, permanentemente inconcluso, desprovido de legalidade e "aplicado" a finalidades totalmente diversas de sua portaria original.
Mente, descaradamente, quem informa "ser comum acumular cargos", omitindo que a função de conduzir um inquérito no Supremo Tribunal Federal brasileiro, objetivamente imbricado com a esfera de atribuições da outra função exercida (a presidência do Tribunal Superior Eleitoral) - é causa de impedimento e suspeição.
E por óbvio que a confusão de papéis que se estende às equipes de gabinete.
Seja agindo de maneira "informal" ou "peculiar", o ministro e seus juízes auxiliares infringiram regras básicas de suspeição e impedimento. Ignoraram a obrigação legal de eliminar subjetividades para conferir objetividade aos atos jurídicos.
A construção da maldade
Chefia e assessoria se organizaram como uma entidade paralela. "Transitaram" documentos probatórios construídos e evidências encontradas - pescadas e iluminadas “com criatividade”. Usaram mecanismos inquisitoriais para finalidades diversas. Documentos foram transportados de uma tutela a outra, sob o comando conflitivo de uma mesma pessoa, suspeita e impedida – ainda que transitoriamente...
Esses mesmos jusburocratas julgaram acertado eliminar qualquer possibilidade do prudente “acerto de diferenças” lecionado por Mateus. Eliminaram a objetividade da jurisdição introduzindo seus humores pessoais. Agiram motivados pela busca de uma verdade única, a ser extraída do viés encarnado por eles próprios, na sua irrecorrível jurisdição. Constituíram-se em “acusadores”, “juízes”, “oficiais” e “carcereiros”, contra seus "inimigos" e desafetos, transformados em eventuais "criminosos antidemocráticos".
Todo um mecanismo, portanto, sob as estruturas institucionais da implementação da Lei e do Estado de Direito, foi "azeitado" para perseguir, prejudicar, atormentar e isolar. Na moral Cristã, Mateus apontaria essa triste realidade como "obra de Satanás".
A terminologia não é gratuita, ela é bíblica: Satanás significa acusador. Ele acusa porque quer todos, como ele, condenados ao inferno.
Satanás é o inimigo da Justiça. Dissimulado, ele a destrói contaminando os humanos imperfeitos - que a aplicam, com rancores, pecados, medos, ódios, sofrimentos e mentiras, traduzidos em pré-julgamentos, certezas absolutas, consensos arranjados e falsas razões.
De fato, o caminho de Satanás, de início "parece bom". Porém, no fim, trará a destruição.
Satanás, desde sempre, está ciente que perderá a batalha. Assim, levará com ele, no fim dos tempos, os seguidores cobiçosos, arrogantes e seus pressurosos subalternos.
Dizem as Escrituras:
“Isso não é de admirar, pois o próprio Satanás se disfarça de anjo de luz. Portanto, não é surpresa que os seus servos finjam ser servos da justiça. O fim deles será o que as suas ações merecem.” (Coríntios 11:14-15).
Vale o ditado de Esopo: “todo tirano faz uso de um pretexto justo, para exercer sua tirania”
O saber bíblico, porém, diz que podemos vencer Satanás a qualquer tempo. Para tanto devemos resgatar o bem, a justiça e os valores cristãos que nos movem e motivam.
Ter humildade para identificar, distinguir, reparar, perdoar e jamais tornar a ignorar.
Um escândalo
Essa peroração bíblica me vem à mente quando vejo o quadro trazido à tona com a revelação publicada na imprensa, a partir do despejo de 6 gibabytes de dados obtidos de um dispositivo, contendo a memória de conversas por whatsapp – um aplicativo de mensagens pessoais, entre elementos da Justiça a serviço do Ministro Alexandre de Moraes.
Se o fato já é escandaloso, o conteúdo é duplalmente um escândalo.
Os dados revelaram assessores agindo "com criatividade", "pescando" elementos para construir cenários incriminatórios, cumprindo diligências intuídas por "cisma" – "singrando" entre a jurisdição eleitoral e a persecução inquisitorial, cumuladas em tribunais diversos, sob o jugo de quem desde sempre deveria ter se julgado suspeito ou impedido.
O arranjo "dinâmico" de cumprimento de diligências em caráter "informal", orientaram rumos e vieses na troca de informações - antes, durante e após o período das eleições de 2022.
O trabalho de arqueologia de dados - algo surpreendente num ambiente que há muito abandonou o jornalismo (Folha de São Paulo), proveio da eficiência do reporter norte americano Glenn Greenwald, cujo trabalho já possibilitou que o público internacional compreendesse como funcionava a máquina de informações do Serviço Secreto dos EUA e a complexa proximidade dos atores envolvidos nas operações de investigação e julgamento da Lava Jato.
O jornalista revelou a estarrecedora confusão de papéis empreendida nos gabinetes do Ministro Alexandre de Moraes - que parece ter montado sua própria "Stasi", nominada como serviço de "enfrentamento à desinformação".
A troca de mensagens aponta ocorrência de adulteração "criativa" de documentos, prática de pesca probatória, abuso de autoridade, usurpação de poder, uso indevido de organismos policiais e de informação para finalidade diversa, induzindo possíveis fraudes de provas.
Os alvos escolhidos sofreram bloqueios de redes sociais, apreensão de passaportes, intimações para depoimento à PF, solicitações de extradição, multas estratosféricas, entre outras medidas.
Aparelho paralelo de repressão
A organização denunciada pela mídia, não é um simples alter ego do "gabinete do ódio". O sistema montado forma um bureau nos moldes da NKVD de Beria, sob Stalin, da Gestapo do Juiz Freisler, sob Hitler ou da Guarda Nacional Bolivariana de Carysila Rodriguez (Supremo Tribunal da Venezuela), sob Maduro.
Aliás, a juíza bolivariana acima citada, citou Morais como referência para bloquear os dados eleitorais venezuelanos e determinar o enquadramento de quem ousar contestar a vitória declarada do ditador bolivariano.
Diria Freud, ao examinar o ninho de psicopatas: "sintomático".
Como revelado e reconhecido em manifestação recente do próprio Morais, no STF, os pedidos para investigação e produção de relatórios eram feitos sem registros formais. Aboliu-se a formalidade dos atos por se entender ser o emitente e destinatário dos pedidos a mesma pessoa.
A revelação das conversas são extremamente graves, demonstram vergonhosa subalternidade e revelam desvio consciente da rota do processo legal por parte dos agentes de gabinetes do TSE e STF. Demonstram que se construiu um aparelho autônomo de repressão, paralelo à Justiça - dentro do Poder Judiciário.
Esqueçam as lições
É princípio do direito dispositivo que nenhum juiz deve agir "de ofício". Sua iniciativa na busca da verdade real é limitada ao estado formal do processo e restrita à materialidade trazida pela parte.
De fato, essa limitação visa justamente conter excessos, evitar que o julgador transforme-se em “justiceiro”, resguardar o equilíbrio de armas e proteger o cidadão face à tutela do Estado.
Por isso há partes que integram um processo judicial ou administrativo, elementos igualmente essenciais – como a advocacia e o Ministério Público e, também, os oficiais de polícia, justiça e perícia. Por isso, tribunais são colegiados, permitindo substituição de elementos para evitar impedimentos, suspeições e subjetividades.
Vale dizer, não compete à magistratura tomar para si a responsabilidade de produzir provas, produzir e conduzir relatórios destinados à mesma pessoa na finalidade de jurisdição e proceder a investigações para, ao fim e ao cabo, decidir punir ou adotar medidas restritivas de direito no mesmo viés por ela produzido.
No entanto, o material traz à tona um sistema totalmente diferente, teratológico, fora das regras e sem controle.
Esse é o cerne do material jornalístico denunciado no suposto caso de troca de mensagens de Moraes entre seus assessores: uma amnésia coletiva sobre todas as lições de direito aprendidas na faculdade.
Insanidade institucional
Mas o escândalo trazido à luz pelo trabalho jornalístico é apenas uma ponta de um imenso iceberg, que hoje rasga de ponta a ponta o transatlântico da estrutura de Estado no Brasil.
Inúmeros são os fatos escatológicos, os desmandos e teratologias já praticadas pela pior extração de judicantes da história do judiciário brasileiro, da qual o citado ministro se destaca pela ilustrada cabeça.
Do que se viu na reportagem da folha, há uma verdadeira PORTA GIRATÓRIA de elementos pescados, destinada a movimentar procedimentos diversos – eivando de suspeição toda a tutela judiciária de cunho eleitoral e de investigação do tráfego de “notícias falsas”.
Do que se observa do noticiário, essa interação "motivada", envolvendo assessores, polícia federal, AGU e PGR... quando não o CNJ, está ampliando tráfegos e reproduzindo hubs que permitirão não apenas abusos e arbitrariedades mas, também, a corrupção a mais rampeira. A massa disforme já se transformou numa pantomima de “Ministério da Verdade” orwelliano.
1984, a obra de Orwell, adotou ares jurisprudenciais no Brasil.
Judiciário transformado em arma
Em longo e denso artigo, cuja leitura recomendo a quem tem interesse em aprofundar o conhecimento da questão, apontei o cristalino divórcio entre "vontade popular" e "vontade do establishment", em todo o processo de retomada política do governo federal brasileiro nas últimas eleições de 2022.
A juristocracia inoculada no Brasil implementa, hoje, intensa guerra legal contra a Soberania Popular. Transformou-se em arma de repressão contra opositores e manifestações populares, criminalizando a crítica e a dúvida. **
O que se revela chega a ser bizarro: um governo claramente frágil, "pendurado" na tutela de um Supremo Tribunal evidentemente impopular, mantido no comando de ações persecutórias declaradamente intimidatórias, por conta da omissão deliberada de um parlamento acovardado e silente.
Trata-se de um "modelo não consensuado" de condução política num Estado em crise.
O teatro de operações em que essa guerra híbrida é travada no Brasil, está inserido na luta planetária entre globalistas e soberanistas - um conflito ferrenho em que conservadores democratas se empenham em lutar contra o populismo ditatorial esquerdista, manejado e patrocinado pela coalização econômica globalista.
No Brasil, o globalismo usa a lawfare como um experimento - e seus agentes, como ratos de laboratório. Fizeram algo parecido nos Estados Unidos - mas as cobaias do Brasil parecem ser mais dóceis...
É nesta perspectiva que devemos, sobretudo, contextualizar a análise crítica que aqui desenvolvemos.
Cinismo como método
Pelo princípio da reserva legal, se não há dispositivo que expressamente autorize a forma de proceder de um funcionário público, jamais este poderá atuar nesse vácuo.
Agir na ausência de norma expressa é prerrogativa apenas do cidadão comum, nunca do Estado.
Bater no peito alegando agir com honestidade, diante do quadro satânico apresentado, beira a indesculpável ingenuidade. Pior, demonstra cinismo e comprometimento com um conluio montado contra a democracia e o Estado de Direito.
Desde Roma antiga, sabe-se que a “mulher de Cesar não só deve ser honesta como, sobretudo, parecer ser honesta” – ou seja, a formalidade e a publicidade dos atos é imprescindível.
Portanto, não é possível admitir que julgador também se torne inquisidor, muito menos dispense o trâmite público e formal de atos por entender ser ele destinatário e emitente... A formalidade dos atos jurídicos é fundamental para conferir credibilidade aos atos. Isso ocorre porque seres humanos não são deuses, não são infalíveis.
A moral judaico-cristã é base do nosso direito. A cruz postada no Supremo Tribunal Federal, ali está para fazer os julgadores se lembrarem que são humanos e falíveis.
Seres humanos julgaram sem provas e condenaram à morte o filho de Deus, Jesus.
No entanto, no Brasil, para os togados atuais de plantão, a lição não valeu. O nível de comunicação entre Moraes, seus subordinados subalternos e os servidores do STF e TSE, revelado pela reportagem da Folha de São Paulo, externa algo monstruoso e nada cristão.
Conclusão
É preciso repetir: isso é de uma gravidade incomensurável, não pode ser admitido em nenhum país democrático e deve merecer profunda investigação.
Com a palavra o Senado Federal e o povo brasileiro – a inabalável opinião pública.
Devemos ir às ruas! Passamos por uma das piores judicaturas do planeta, apoiada por um corpo de ativistas totalmente desconectados da ciência do direito, da teoria do estado e dos princípios cristãos e ocidentais, no início elencados.
Deus salve nossa República.
Nota:
PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro - "Lawfare: Guerra Legal, Contexto Mundial e o Brasil", in Blog The Eagle View, in https://www.theeagleview.com.br/2019/10/lawfare-guerra-legal-contexto-mundial-e.html
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados e Diretor da AICA - Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental. É membro do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Iniciativa DEX, Presidente da UNIÁGUA - Associação Universidade da Água e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa - API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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Parabenizo o Sr. Antonio Fernando Pinheiro Pedro que nesse texto demonstra uma lucidez e clareza de raciocínio ímpares ao vincular os fundamentos do direito ocidental com os princípios éticos e morais do legado judaico-cristão. Ao citar passagens bíblicas, não apenas ilustra a conexão entre a moralidade e a justiça, mas também constrói um argumento sólido contra a atuação de “certos magistrados” que, em sua visão, agem de forma contrária a esses princípios.
ResponderExcluirAborda, com precisão e profundidade, a complexidade do sistema judicial brasileiro, criticando o que considera ser uma prática abusiva e irregular. Ele aponta, de maneira convincente e didática, para as possíveis violações dos princípios básicos do direito, como a imparcialidade e a necessidade de que os julgadores mantenham-se alheios a interesses pessoais e políticos.
Além disso, constrói uma narrativa que, embora crítica, está embasada em referências legais e morais, sustentando sua argumentação com exemplos históricos e doutrinários. Essa abordagem confere ao texto não apenas um tom crítico, mas também uma profundidade analítica que contribui para o debate sobre o papel do Judiciário em um Estado Democrático de Direito relacionando-o ao triste episódio que a justiça brasileira protagoniza através de seu órgão máximo o STF.
Por fim, o texto se destaca pela capacidade do autor de articular conceitos complexos de maneira acessível, sem perder o rigor argumentativo. Essa clareza de exposição reforça a seriedade e a importância das questões levantadas, demonstrando um compromisso com a busca pela justiça e pela preservação dos valores que fundamentam a nossa sociedade.
Obrigado!
ExcluirParabenizo o Dr. Fernando Pinheiro Pedro pela relevância da abordagem, assertiva, transparente e cirúrgica.
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