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segunda-feira, 27 de abril de 2020

INDO DE MAL A PIOR

Impressões sobre a crise da saída de Moro do governo e da ação explícita dos filhos sobre as decisões do presidente-pai 





O Brasil é um país fadado ao fracasso, porque destrói seus heróis. No fim, só prevalecem os medíocres de ocasião... que logo seguem para o limbo.



Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro


A república  ficou empobrecida. Perdemos o ministro Sérgio Moro, que é um símbolo do novo Brasil, livre do fantasma da corrupção.

Moro era um esteio moral no governo federal, sem qualquer dúvida. Essa a razão de deixar aqui registrado minha repulsa aos ataques que passou a sofrer nas redes sociais desde o momento  em que rompeu com o presidente da República.  A difamação programada contra Moro diz muito mais de quem a propaga, do que a ele.

Por óbvio que a digital do "gabinete do ódio" está em todos os lugares nessa onda monstruosa de fake news e  pós-verdades, elaboradas por psicopatas em prejuízo da história do Brasil. 

Na verdade, o ataque virulento visa provocar uma cortina de fumaça, algo que tire a visão do cidadão desatento para o grande detalhe, o ponto fulcral surgido do episódio da saída de Moro do Ministério da Justiça: a clara intenção atribuída ao presidente da república, Jair Bolsonaro,  de passar a interferir na condução das investigações levadas a cabo pela Polícia Federal, no STF e no Rio... e a coincidência evidente entre o impasse criado e o fato de filhos do presidente estarem no rol de investigados... em Brasília e no Rio de Janeiro. 

Com relação ao governo federal. Este seguirá empobrecido no seu conteúdo de credibilidade, mormente pelo fato notório de não se ter conseguido a adesão de um jurista à altura de Moro, para substituí-lo no ministério.

A solução "doméstica" que se buscou, foi no mínimo sofrível. Para ocupar a pasta que já foi de Ruy Barbosa, o Presidente queria nomear um advogado júnior, com seis anos de bacharelado e dez causas no currículo, sem qualquer outro mérito que não o de ter sido um oficial "maçaneta" na PM e prosseguido com o maçanetamento em cargo de assessoria na vida civil. Tratava-se do Secretário Geral da Presidência, Jorge Oliveira. 

No entanto, se depender da pressão dos ministros militares, ante as várias recusas de juristas de nome em aceitar um cargo submetido a um mandatário de comportamento invasivo, o cargo poderá ir para o Advogado Geral da União, o "terrivelmente evangélico" (segundo Bolsonaro) mas capacitado e muito íntegro André Mendonça. A ver...

Por outro lado,  o objetivo estratégico visado no conflito que culminou com a demissão de moro - o cargo de Diretor da Polícia Federal, foi direcionado a um delegado com mais bagagem para a pasta. Ramagem já ocupou cargos de relevância no DPF e conta com a confiança do presidente, pois fez a sua segurança durante a campanha e  foi o primeiro delegado de polícia federal a ocupar um cargo em serviço de inteligência no Brasil.  Assim, em tese, embora evidente a sua proximidade com os filhos, Ramagem reúne condições para ocupar o cargo.

Mas o detalhe de se aproximar um homem que  tratava da inteligência do governo (dirigia a ABIN - Agência Brasileira de Inteligência... mas que parece ser hoje apenas de informações...), das investigações levadas a cabo pela polícia... envolvendo personagens ligadas ao governo, inquietou o corpo dos policiais federais e fez subir o nível de alerta na República. 

Ao que tudo indica, essa indicação poderá atravessar a Praça dos Três Poderes e cair no colo de um Ministro do STF.

O fato é que  a nova configuração do ministério da justiça parece sair a cara da cozinha da casa do presidente. Não a do Palácio da Alvorada  mas sim a do condomínio na Barra, no Rio de Janeiro.

A síndrome de Janus* - que acomete o governo de Bolsonaro com duas caras,  parece se agravar.

Surgiu do episódio, claramente, a figura dos ministros sem pasta - os filhos do presidente. Tornou-se explícito, segundo as (muitas) más línguas  palacianas, que os filhos estão nomeando mais que o DEM e a Tecnisa juntos neste governo. O termo "ministro sem pasta", no entanto, é controverso. Não porque esse cargo não exista neste governo mas, sim, porque parece existir uma pasta informal e que tem nome: gabinete do ódio. 

O antagonismo desses "ministros sem pasta" com a ala militar do governo é explícito. Se o pai alega não guardar mágoas do exército, que condicionou o término dos processos penal e disciplinares contra ele  à passagem para a reserva, os filhos, por sua vez, externam todo o rancor em relação à farda.  Assim, o xadrez jogado por militares das FFAA contra milicianos das polícias militares e civis, no tabuleiro do governo, é estimulado por esse rancor nutrido pelos filhos do Capitão. 

Esse rancor  se aprofunda de forma obscura quando se percebe a tendência deste "gabinete" filial estreitar laços com as milícias estaduais - policiais civis e militares, e uni-las a militantes ideologicamente radicais. 

Isso fica evidente nas ações para que as Forças Armadas não mais rastreiem a compra de armas e munições - algo para muito além do que se pretendia nas campanhas em prol do direito sagrado do cidadão de buscar ter uma arma para se defender.  Esse movimento é explicitado pelas ações presidenciais contra medidas baixadas pelo setor de controle de armamentos do Exército Brasileiro - o Comando Logístico (Colog), revogando três portarias publicadas entre março e abril sobre monitoramento de armas e munições.  Parece haver uma clara intenção de se facilitar a formação de milícias no estilo Chavista em território nacional... Algo grave, perigoso, contrário à constituição federal e ameaçador para as próprias Forças Armadas. 

A queda de braço dos neo-milicianos populistas com as Forças Armadas do Brasil, com  certeza decidirá o futuro do governo.

No que tange á dança das cadeiras no primeiro escalão - a possibilidade de perda de qualidade é real. As próximas baixas poderão ocorrer na área da economia e agricultura, por conta da posição hegemônica da cozinha da casa do condomínio na Barra sobre o gabinete dirigido pelos ministros militares, no Palácio do Planalto. 

Guedes - o outro símbolo do governo, tal qual Moro, segura-se na cadeira atado com o cinto de segurança das reformas econômicas em andamento e longe de serem concluídas. 

O ministro da economia  empenha-se, no entanto, contra o "Plano Marshall" idealizado pelo gabinete moderador, capitaneado pelo Chefe da Casa Civil, General Braga Neto. 

A queda de braço é conceitual:  Milton Friedman e Von Mises versus Jonh Maynard Keynes. Mercado versus Estado na condução da recuperação econômica.  Se vitorioso, Guedes irá segurar o plano de desenvolvimento da infraestrutura nacional com suporte público e não permitirá o disparo inevitável da dívida pública. Se for derrotado pelo gabinete presidencial, pedirá inevitavelmente o chapéu. 

Já Tereza Cristina, na Agricultura, faz uma gestão exemplar - mas não dá azo aos interesses de um setor que pretende reeditar a farra do crédito rural. Essa turma - que se acostumou no passado a financiar suas camionetes importadas com o Funrural, integra a base do governo Bolsonaro e pouco se lixa para a enorme responsabilidade adquirida pelo agronegócio em relação à Produto Interno Bruto brasileiro. Também não dá a mínima para  a  teia de relações sofisticadas no comércio de commodities agrícolas internacionais. Ou seja, a "fragilidade" da ministra, é justamente sua enorme qualidade. 

Mas o fato é que a crise que se abate sobre a presidência, revela sua fragilidade parlamentar. O Governo, de fato, não tem uma base que o sustente no parlamento nacional. Daí o esforço de articulação à custa de rupturas que busca o presidente operar no Planalto. 

Essas ações dependem do movimento de aproximação do presidente com os líderes mais fisiológicos do chamado Centrão - a coalização de forças partidárias de triste memória nos tempos do presidencialismo de coalização, e que parecem ter sofrido acenos de Bolsonaro para formar a base de apoio ao governo em troca de... imagina-se o que. 

Não por outro motivo, figuras morta-vivas da república, e de triste memória, retornam do limbo para dentro do Palácio do Planalto, como Roberto Jefferson (veterano de todos os impeachments), Arthur Lýra e Valdemar da Costa Neto - o Boy - este último, uma triste figura do que há de pior na República.   Os maus ventos que trazem essas figuras de volta à proa do governo, nos fazem antever o que sairá da popa deste...

Enquanto isso, o establishment continua a dilapidar o país. Em meio às fraudes que se somam com a farra de verbas liberadas em função da pandemia - que se agrava na medida exata da falta de unidade em relação ao seu combate, o Supremo Tribunal Federal aproveitou a crise e construiu mais uma bomba atômica para atingir a classe empresarial brasileira - a médio e longo prazo,  e cobrir de insegurança os investimentos no Brasil: decretou o fim da prescrição para os danos de natureza ambiental.

A decisão é uma excrescência jurídica. Generaliza a perda de um direito sagrado a qualquer cidadão contra o estado, tudo em nome de um discurso natureba de natureza difusa.  A prescrição civil, administrativa e penal é uma garantia  protetiva, incorporada ao patrimônio subjetivo do cidadão contra o Estado - seja para adquirir um direito, seja para limitar o exercício em função do tempo decorrido.   Tão importante é a prescrição, que as exceções a ela encontram-se expressas na Lei  e na Constituição. 

Porém, o STF decide haver uma exceção, que não se encontra expressa em lugar algum - apenas na cabeça dos ilustres julgadores. 

ISSO SIM, é um atentado grave ao Estado de Direito - e essa que é a pior judicatura de todos os tempos, segue fazendo das suas contra o Brasil.  E com a saída de Celso de Mello, nos próximos meses - e sem Moro para ser indicado, a se observar a metamorfose que está se processando no governo Bolsonaro, é possível intuir que a judicatura do Supremo Tribunal poderá ainda piorar... e muito. Isso sem contar que, hoje, a cabeça do Poder Judiciário nacional, encontra-se pulverizada em onze.

A situação não é diferente no Poder Legislativo. Somos também obrigados a ver um parlamento destroçado pela falta de direção, ocupado em desfazer os projetos encaminhados pelo executivo e trabalhado por dois dirigentes que não parecem interessados em sair das respectivas cadeiras do Senado e da Câmara. A perspectiva, ali, é também sombria - na Câmara os sucessores deverão vir do Centrão... e no Senado, a probabilidade da oposição assumir é enorme. 

Já o executivo, parece tomado por um clima de fim de mandato, quatorze meses depois de assumir. Há no governo, gente empenhada em antecipar o clima de reeleição, brigas literalmente intestinas, com resultados similares, absoluta falta de fidalguia e nenhuma liturgia. A conclusão é patética: se por um lado os ministros militares tentam dar um rumo no Palácio do Planalto, por outro, Bolsonaro governa na cozinha  da sua casa do condomínio na Barra  e cada vez mais governa para esta cozinha.  

No campo das medidas estruturantes, na ausência de um grande projeto nacional, os ministros da área de infraestrutura e energia se encontram esgotando o que já havia de projetos e ideias postos na gôndola do mercado de projetos. Porém,  sem ter nenhum estoque - nem de recursos humanos, nem de ideias, muito menos de planejamento estratégico.  

No frigir dos ovos - que parecem não ser os deles e sim os nossos, o compromisso para com as reformas de Estado, o que ainda resta e precisa permanecer vivo no governo federal é a redução drástica da violência e da corrupção no país.  É isso que ainda motiva o gabinete moderador - formado pelos ministros militares, a prosseguir adiante, e é isso que ainda motiva nós, brasileiros, a tolerar o somatório lamentável de desvios decepcionantes praticados pelo Presidente. 

O fato é que a volta do "presidencialismo de coalização" poderá ocorrer em meio a um crescente burburinho populista com cheiro de "chavismo" direitista.

Se por um lado nos livramos do lixo lulopetista e sua corrupção galopante, suportamos agora o crescente clima de opressão e assédio moral provocado por hordas raivosas, estimuladas pela condução presidencial errática nos conflitos que ela mesma trata de gerar, a cada semana. 

Muitos de nós  ainda  tratam de observar,  anotar e relevar.

A questão é: até quando? 

Vamos aguardar 

A ver.


Nota:
*PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro - "A Síndrome de Janus no Governo Bolsonaro", in Blog The Eagle View, in https://www.theeagleview.com.br/2020/04/a-sindrome-de-janus-no-governo-bolsonaro.html







Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados.  Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa - API.  É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View". Foi integrante da equipe que elaborou o plano de transição da gestão ambiental para o governo Bolsonaro.









Um comentário:

  1. Lendo todo o artigo, poderia emitir um ...gosto..., contudo não o farei, devido a uma expressão utilizada por quem o escreveu, que demonstra ...ódio por Jair Bolsonaro..., e isso leva-me a dizer que o texto é simplesmente FACCIOSO...
    A expressão utilizadas, referindo-se a Jair Bolsonaro é, ...rancor nutrido pelos filhos do Capitão... . Tivesse substituído "Capitão" por "Presidente" e a minha impressão seria favorável, deste modo, a considero RUIM, OFENSIVA e DESPRECIATIVA.
    Resta-me acrescentar que, quando se escreve algo alinhado com os ...ideais Leninistas..., fica definido o objectivo pretendido por quem ...ousa escrever... difamando.
    Por fim, nos termos Constitucionais, qualquer cidadão com a idade exigida e no seu juízo prefeito se pode candidatar a Presidente da República, ao qual compete escolher e nomear sua equipe de ministros.
    O senhor Dr. António Fernando Pinheiro Pedro, pode e deve candidatar-se e escolher para os cargos elegíveis de Ministro, as tais ...figuras eminentes... com que sonha.
    Só me interrogo, como foi possível não ter visto um seu comentário ...construtivo... em relação à Lula da Silva e Dilma Rousseff, esta última que nem expressar-se publicamente com clareza e objectividade, consegue. Passe Bem e para o próximo artigo, se for escrito com Isenção, admito felicitá-lo.

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