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terça-feira, 27 de setembro de 2016

A SUSTENTABILIDADE DO LUXO

Durabilidade e escala caracterizam o luxo. Entretanto, é possível conferir durabilidade à industria de bens de consumo como um todo...




Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro


Temos uma tendência de criticar o luxo, vinculá-lo com a ostentação e o desperdício.

Pouco se fala, entretanto, das características sustentáveis  de várias marcas e produtos luxuosos cujo design e durabilidade constituem  exemplo histórico de correção ecológica.

Canetas duráveis, recarregáveis, relógios resistentes, roupas clássicas e úteis para toda a vida...são alguns exemplos da sustentabilidade de vários produtos tradicionalmente luxuosos.
Não se trata aqui de referendar grifes como melhores opções de consumo. Trata-se de valorizar princípios utilizados na criação de produtos consagrados, que aliaram luxo ao conceito de desenvolvimento sustentável  muito antes deste conceito virar moda...


Luxo é durabilidade

Vários são os produtos, cobiçados pelo status que conferem ao consumidor, que seguem a definição clássica de sustentabilidade, enunciada no Relatório Brutland de 1987. Desenvolvimento Sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações atenderem às suas próprias necessidades.

Longe da cultura do consumo descartável - que inutiliza a cada segundo milhões de produtos -  parte considerável dos produtos tradicionalmente luxuosos tem como princípios a durabilidade, a resistência e a não efemeridade. Características que sempre atraíram e vêm atraindo cada vez mais consumidores pelo mundo. 

O consumo do luxo guarda relações interessantes no Brasil. Segundo a Fundação Getúlio Vargas (EAE), 70% do segmento de mercado do luxo está concentrado em São Paulo, sendo que 50% dessa parcela representa moda e acessórios. 

De acordo com um estudo sobre o mercado de luxo realizado pela consultoria SPC Brasil, 82% dos consumidores levam em consideração a marca antes de comprar. Já uma pesquisa realizada pela consultoria PwC revelou que pessoas de diversas classes sociais passaram a dar maior importância para acessórios de luxo, visto que o número de consumidores que pretende adquirir um produto deste segmento cresceu 4%, mesmo após a crise econômica em  2014.

Segundo o Serviço de Proteção ao Crédito - SPC Brasil,  para os consumidores pertencentes à "classe A", luxo tem a ver com "qualidade muito acima dos demais", algo que confere "status ao usuário". 

Produtos mais duráveis, obviamente, poluem menos. O luxo reduz o descarte e, portanto, a geração de resíduos pós-consumo. Por outro lado, produtos luxuosos possuem escala de produção reduzida, por óbvias razões, sendo a durabilidade uma delas...


Jaguar XK 120 -  durável, chic e atemporal


Exemplos não faltam. 

Criada no início do século passado, na Alemanha - a caneta Montblanc (nome associado ao pico mais alto da Europa) é sinônimo de qualidade, tradição e durabilidade. A caneta pode ser utilizada anos a fio, bastando realimentar a tinta ou, no máximo, renovar o pequeno refil. 

Descartar uma Montblanc? Impensável!

Não é diferente, também, com o estrato mais luxuoso das tradicionais canetas Parker.

Outro exemplo é a marca Armani. Não é exagero afirmar que a qualidade dos tecidos aliada ao estilo clássico das formas permite que uma roupa da grife possa ser utilizada por anos - porque não dizer até décadas, sem perder sua qualidade. Há casos de peças Armani que seguem sucessão familiar...

Aliás, a sucessão de proprietários de um mesmo bem de luxo, revela o reúso potencial como outra característica sustentável – típico da chamada economia circular.

Desde 2007, quando a Ford vendeu a marca  à indiana Tata Motors,  a Jaguar passou a estar intimamente ligada à sua irmã de origem britânica, de utilitários, formando a Jaguar Land Rover - JLR.

A JLR se expandiu para a Índia. No entanto não perdeu o brilho, o luxo e a durabilidade. Falar de Jaguar é saber que um SS Jaguar, dos anos 30, um XK dos anos 40 ou um E-Type dos anos 60 continuam rodando com a mesma qualidade e... com valor cada vez maior. Da mesma forma um Range Rover Classic, um Defender ou um vetusto I Class Land Rover (cuja fábrica disponibiliza um programa "reborn", de restauro dos veículos antigos e deteriorados).



Contra o descarte, a socialização da durabilidade

Segundo estudo feito pela consultoria de geo marketing Escopo, no Brasil, cerca de  58,5 mil pessoas consomem produtos de alto luxo. Neste mesmo estudo, constatou-se que pelo menos 77% dos consumidores deste mercado fazem parte dele por considerar os produtos "mais duráveis".

É certo que a escala determina a necessidade de contabilizar os altos custos da fabricação de produtos luxuosos. As reduzidas edições dos produtos de luxo, portanto, constituem o grande diferencial nessa escala.

A incrível pirâmide social brasileira, que destaca poucas dezenas de milhares de consumidores do luxo em duas centenas de milhões de habitantes, revela também que a cultura do descarte guarda relação direta com a popularização da base de consumo. 

Vale dizer: "descartável" é característica de bens de consumo popular.

Porém,  a relação percebida não é determinante. A durabilidade, embora associada, é possível de ver-se aplicada a outros seguimentos.

De fato, a chave da sustentabilidade do consumo está no resgate da durabilidade também nos produtos mais populares - produzidos em maior escala.

O padrão de durabilidade observado na fabricação de vários produtos de grife,  guardadas as proporções, de fato pode ser estendido à indústria de bens de consumo como um todo, tornando-a mais consciente e responsável. 

 A questão afeta a própria filosofia da indústria e resgata a durabilidade como padrão de qualidade e critério de sustentabilidade ambiental.

Seleção alemã - campeã do mundo, vestindo Armani
   

A chave está na responsabilidade

Para que esse resgate seja possível, é necessário descartar o marketing verde e assumir a responsabilidade socio-ambiental. 

O princípio do poluidor-pagador - razão econômica do desenvolvimento sustentável, implica na responsabilidade pós-consumo do fabricante - o que implica, antes da logística reversa, na redução do descarte por meio da melhora contínua da durabilidade. 

O Poder Público vem legislando no sentido de  obrigar os fabricantes a internalizar cada vez mais o custo ambiental dos produtos, envolvendo a responsabilidade pós-consumo. Por conta disso, o ecodesign deixou de ser "termo de grife" para envolver o ciclo de vida do produto como componente econômico essencial.

Está claro que a administração da indústria de bens de consumo deverá introduzir  o balanço de massa para calcular o custo da internalização dos custos ambientais e  se engajar no combate às obsolescências induzida e programada.  

A adoção do consumo sustentável como objetivo cultural permanente envolve a reedução do mercado consumidor. É necessário, portanto, que os consumidores  também avaliem  a relação custo-benefício dos produtos para além do luxo. 

O mercado agradece, a natureza também.  


Pesquisa SPC: 
https://www.spcbrasil.org.br/uploads/st_imprensa/mercado_de_luxo_analise1.pdf










Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.










Um comentário:

  1. Muito importante seu texto valorizando a qualidade do produtto aliada a longevidade. Sim ima roupa bem freira ninguém descarta , transfere para um novo dono. De mãe para filha e depois para a neta! Um belo exemplo para I’m casaco bem cortado com tecido nobre!!!

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