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sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

GOVERNANÇA CORPORATIVA PARA VOMITAR!

Mineradoras fazem marketing com desastre ambiental...






Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro


A SAMARCO, controlada pela VALE e BHP Bilinton, após emporcalhar a maior bacia hidrográfica do sudeste brasileiro e matar 19 pessoas,  iniciou candidamente uma campanha publicitária, nas rádios e TVs de Minas e Espírito Santo, falando de sua atuação em quarenta anos de funcionamento no Brasil. Ou seja, resolveu melhorar sua imagem gastando  dinheiro que deveria ser aplicado na reparação dos danos que produziu, com uma "campanha de comunicação", isso  exatos trinta dias após provocar um dos maiores desastres ambientais do mundo com o rompimento de sua barragem de rejeito de minérios.

Um lance de insensibilidade que beira à psicopatia social. A empresa poluidora responde à sociedade, não com ações concretas para sanar os danos que provocou mas, sim, com uma campanha de marketing tecendo loas a si própria...

O fenômeno é emblemático da cultura da arrogância que contamina o topo da pirâmide social no Brasil. É a cara da desumanidade praticada contra o equilíbrio sócio-ambiental em nome do lucro. Um exemplo típico de governança corporativa apenas "para inglês ver"...

No macrocosmos da mídia, o marketing estimulado pela impunidade.

No microcosmos do dia a dia do relacionamento com os atingidos pela tragédia, a arrogância em forma de marketing. Esse é o caso do também midiático programa "ESCUTA SOCIAL", lançado pela mineradora criminosa,  no intuito de "apurar a situação das vítimas do desastre".

No tal "Escuta Social" ocorreu o notório caso da aposentada Teófila Romualdo - a Dona Cenita, que resolveu solicitar uma máquina de lavar roupa em substituição á que fora destruída pela lama da Samarco.

Ao ser atendida pela assistente social, a referida senhora foi surpreendida com a exigência de ter que apresentar um atestado médico que indicasse que ela não poderia lavar e torcer a roupa no tanque...

A governança dos psicopatas não tem limite para a perversão. O caso da Dona Cenita é indicativo do grau de insensibilidade, burocratização e subjetividade,  praticados por estafetas idiotas a mando de dirigentes imbecis, contra "stakeholders desimportantes",  que já se encontram esmagados pelo peso da arrogância corporativa despejada sobre eles em forma de lama.

Governança corporativa, a lama revela, só existe no marketing... Para aparecer e parecer, sem verdadeiramente ser.

Não sei porque, mas, me lembrei de um caso ocorrido alguns anos atrás, quando uma grande empresa de prestação de serviços advocatícios foi envolvida em um escândalo de assédio moral que culminou no suicídio de uma estagiária. 


Exemplo de governança corporativa.
Para isso, a única saída é o marketing...



Em vez de vir a público dar alguma satisfação, atender a família destruída, etc., tratou dita empresa de investir em marketing. Tornou-se uma patética caçadora de premiações internacionais em governança... que tratava de propagandear prestigiando profissionais femininas que ali trabalhavam... (enquanto cuidava de apagar a memória social da pobre estudante suicida, conchavar e constranger estudantes de direito da universidade onde ela estudava e calar quem demonstrou alguma revolta com o fato)... 

Enfim, um nojo de atitude que transforma qualquer profissional - por mais "estiloso e competente" que seja... em um lixo humano vestido com roupas de grife. Um exemplo de absoluta falta de ética, caráter e humanidade, características que não atendem, obviamente, à busca amoral pelo dinheiro e ascensão corporativa. 

O que se observou e se observa no caso da SAMARCO (espelho da arrogância conhecida da VALE), é muito próximo à esse roteiro patético. Chega até parecer que os dirigentes da mineradora se espelharam naquele caso...

Na verdade, são facetas da mesma tragédia humana do mundo corporativo que denomino "Pirâmide da Arrogância". 

A pirâmide da arrogância é expressão do egocentrismo corporativo. Substitui o valor moral pelo utilitarismo amoral,  focado no resultado financeiro. Retira conteúdo à ética, tornando-a elemento decorativo para campanhas de marketing -  isca para os incautos. 

Nessa espiral em direção à entropia, o vértice da pirâmide só vislumbra o que quer - não o que há. Relações corporativas e contratos com terceiros, nesse diapasão,  refletirão apenas o que  o vértice dita,  não o que a realidade apresenta.  Assim, o talento é substituído pela bajulação.  

Por óbvio que, na pirâmide da arrogância, toda  governança é fictícia,  marcada pela insensibilidade à realidade humana, social e ambiental - seja interna, seja no entorno.  "Compromisso com o meio ambiente",  SGA (governança social e ambiental), "responsabilidade sócio ambiental" e compliance, tornam-se pirotecnias gerenciais. 

É nesse “autismo social” que se produz a miragem da impunidade.

Embalado pela sensação de impunidade, o vértice da pirâmide segue a lógica do “penso, quero, posso, mando, não sou punido e ainda ganho -  por isso, reincido”.  Um desastre de governança - com efeitos perversos.

A pirâmide da arrogância afeta há tempos a conduta da Cia. VALE. Não por outro motivo, não se vislumbra freio moral  face ao desastre de Mariana. 

Evidência disso está nos jornais. A declaração emitida por seus dirigentes, na entrevista coletiva organizada pela empresa no dia 27 de novembro de 2015, a respeito do caso, é retrato fiel da reação mal conduzida da liderança empresarial.

De fato, imperdoável a afirmação de que "a responsabilidade do ponto de vista ambiental é subsidiária, não é solidária", proferida pelo representante da VALE, com referência às indenizações pelo maior desastre ambiental da nossa história.

Até as pedras recobertas da lama da Samarco, no litoral do Espírito Santo, sabem que a responsabilidade civil ambiental é OBJETIVA ( independe de culpa contratual ou extra contratual) e, portanto, SOLIDÁRIA ( o Poder Público pode exigir indenização de TODOS ao mesmo tempo ou mesmo escolher um...). A fala absurda de quem não poderia jamais ignorar as normas legais aplicáveis ao seu processo decisório, é fruto da síndrome da arrogância, uma doença que domina o imundo mundinho empresarial brasileiro, poluído pela impunidade...

Revelou, a maior investidora da SAMARCO, ignorância da lei e, o que é mais vergonhoso, definiu uma postura pífia, atropelada pela avalanche dos fatos que se seguiram e ainda se seguem - tais como a ação civil de indenização proposta pela União Federal e estados contra as TRÊS responsáveis pelo desastre: SAMARCO, BHP e VALE.

Pois é: onde estará a tal "subsidiariedade" proclamada?

O fato é que o grupo empresarial destruiu vidas, famílias, o meio ambiente, de toda uma bacia hídrica... e não atende a população que vitimou como deveria.  Sua governança de faz de conta não age com transparência, se encolhe covardemente ante a enxurrada de ações e manifestações.

Em contrapartida,  pirâmide corporativa, criminosa, gasta MILHÕES em propaganda e marketing...

A governança de mentirinha é  a cara do Brasil, e a lama do Brasil ! 


Em resposta a isso, a propaganda... E ninguém
foi ainda demitido. Se assim é , o que foi feito
foi bem feito...


A sordidez ocorre nos detalhes perversos.

Por exemplo: ninguém foi demitido. 

Não houve qualquer punição na estrutura dirigente das empresas envolvidas e mesmo dos organismos públicos de fiscalização.

Ninguém foi removido de função.

Ou seja, um exemplo  definitivo do fracasso da política de governança corporativa alardeado no Brasil, e ostentado pelas maiores  mineradoras do mundo - envolvidas na lama da Samarco.

Triste desaprendizagem:

Desaprenderam, todos os almofadinhas enlameados, que as corporações ficam enquanto as direções passam. Portanto, não há que se confundir os interesses sociais da corporação com os interesses políticos de ocasião de sua diretoria.

Se essa confusão ocorre, quem irá pagar por isso é a corporação. Daí a importância de se adotar medidas transparentes e às vezes duras, com relação ao corpo funcional diretamente envolvido no desastre. 

Porém, nada foi feito.

Se assim é, e nada foi feito, pelo visto fizeram todos o que fizeram, muito bem feito... 

O que se faz nessa lama de governança é  escarnecer da população sofrida do Vale do Rio Doce. O que se produz é um dano moral coletivo de proporções iguais ao dano ambiental perpetrado na bacia.

"Confere produção"?









Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.  É  Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal, do Mural Eletrônico DAZIBAO e responsável pelo blog The Eagle View.




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Um comentário:

  1. Muito bom conhecer essa perspectiva e pensar em abordagens de comunicação mais embasadas em perícias e métricas, para não inglês ver.

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